Refluxo: saiba identificar, mas evite a automedicação

Sensação recorrente de azia e má digestão pode ser tratada com mudança de hábitos de vida. Se medicação for necessária, siga orientação médica.
09/05/2022 11h40

Sensação de estômago muito cheio e digestão lenta, queimação na parte inferior do peito, percepção de sabor amargo ou ácido na garganta e boca. Esses desconfortos podem aparecer depois de uma refeição farta, como aquela feijoada, massa ou hambúrguer do fim de semana. Se ocorrem ocasionalmente, são considerados normais. Mas se o incômodo é recorrente, pode indicar a doença do refluxo gastro-esofágico (DRGE), que precisa ser acompanhada por um médico gastroenterologista.

A DRGE, caracterizada pelo retorno do conteúdo do estômago ao esôfago, é o distúrbio gástrico mais comum na população – a estimativa é de que acometa entre 12% e 15% dos brasileiros. Ela provoca sintomas desagradáveis e, se não tratada, pode levar a complicações de saúde, como esofagite (inflamação do esôfago), úlcera do esôfago e inflamação das cordas vocais.

O diagnóstico da doença do refluxo gastro-esofágico é clínico, feito por anamnese, e pode ser complementado por exames como manometria esofágica, pHmetria de 24 horas e endoscopia digestiva alta (EDA), que não identificam o refluxo, mas possíveis lesões causadas por ele nos tecidos do aparelho digestivo.

Outros sintomas menos comuns são tosse seca de difícil controle, rouquidão, asma e dor torácica não cardíaca (DTNC). Esses sinais são menos comuns, e por isso não são a princípio relacionados ao refluxo, mas a condições mais sérias, como cardiopatias.

– Por isso, nesses casos, é comum o paciente chegar por encaminhamento de um otorrinolaringologista ou cardiologista – explica Ana Maria Alves Soares de Castro, médica gastroenterologista do Serviço Médico de Emergência do Senado.

As causas do refluxo são multifatoriais e envolvem aspectos anatômicos, como hérnia de hiato e queda na produção de saliva, mas principalmente maus hábitos associados à vida moderna, como dieta gordurosa, refeições volumosas, pouco tempo para se alimentar e mastigação insuficiente, além de tabagismo e obesidade.

Tratamento

Em geral, o tratamento depende essencialmente da mudança de hábitos do paciente e envolve iniciativas como manter um peso saudável, parar de fumar, fracionar a dieta, além de reduzir a ingestão de alimentos ricos em gordura (como chocolate) e de bebidas alcoólicas e gaseificadas.

Vale lembrar que comer mais devagar, mastigando bem os alimentos, contribui para sentir saciedade e não exagerar no prato. Outras recomendações são para só ir se deitar duas horas depois da última refeição do dia, assim como não praticar atividade física logo depois de se alimentar.

Adicionalmente, quando são identificadas lesões no aparelho digestivo do paciente é necessário iniciar um tratamento com inibidores da bomba de próton. Esses medicamentos surgiram nos anos 80 e têm como princípios ativos as substâncias omeprazol, pantoprazol, lansoprazol, esometrazol, rabeprazol ou dexlansoprazol.

Os inibidores da bomba de próton reduzem a secreção de ácido gástrico no estômago em mais de 80%. Atualmente, são os medicamentos mais usados para reduzir a acidez estomacal e, assim, tratar ou prevenir, além da doença do refluxo gastro-esofágico, condições de saúde como úlceras gástricas e duodenais, gastrites, duodenites e infecção bacteriana ( por helicobacter pylori). Seu uso é considerado bastante seguro, desde que feito com acompanhamento médico.

– O medicamento é indispensável quando há lesão. Mas no caso do refluxo, que é crônico, a mudança de hábitos é que faz a diferença para o bem-estar do paciente. Quem não implementa novos hábitos de vida volta a sentir o desconforto quando suspende a medicação – observa Ana Maria.

Abuso da medicação

Pacientes que persistem nos maus hábitos muitas vezes passam a se apoiar nos inibidores da bomba de próton. A classe médica também tem observado o largo uso desses medicamentos por pessoas que não têm diagnóstico prévio ou orientação médica periódica. O rápido alívio dos desconfortos no trato digestivo, a comercialização sem controle de venda e o baixo custo desses medicamentos tem contribuído para a automedicação.

– Muitas vezes, o paciente começa a usar a medicação por indicação de um amigo ou familiar. Outros até têm a prescrição médica, mas passam a fazer uso exagerado porque é um caminho mais fácil do que emagrecer e se exercitar – alerta Ana Maria.

A médica explica que a redução excessiva e persistente de ácido clorídrico (conhecido como ácido gástrico) no estômago pode trazer complicações, como disbiose e aumento do risco de infecção. Isso ocorre porque os inibidores alteram o equilíbrio entre os microorganismos responsáveis por manter a integridade da mucosa e controlar a proliferação de bactérias maléficas no aparelho digestivo.

Além disso, com o tempo, a redução do ácido gástrico leva à má absorção de micronutrientes, como cálcio (cuja deficiência está associada à elevação do risco de fraturas por osteoporose), ferro (em baixos níveis está associado à anemia, que gera sensação de fraqueza e cansaço), vitamina B12 (nutriente essencial para o equilíbrio das funções do corpo, em especial do sistema nervoso) e magnésio (contribui para a função renal, regulação dos níveis de açúcar no sangue e o controle metabólico do corpo).

Benefícios

O uso de qualquer medicamento só deve ser feito sob orientação de um profissional de saúde especializado, capaz de avaliar os riscos e benefícios envolvidos. No caso dos inibidores da bomba de próton, há consenso sobre a segurança de seu uso desde que haja indicação clínica e dose e duração do tratamento adequados. Dessa forma, seus benefícios superam riscos e efeitos secundários, garantindo saúde e bem-estar ao paciente.

– Antigamente o tratamento de úlceras estomacais ainda era cirúrgico. Os inibidores da bomba de próton trouxeram qualidade de vida para os pacientes e reduziram a necessidade de cirurgia. Eles mudaram a história da gastroenterologia. Portanto, o problema não é o remédio e sim seu abuso – destaca a médica.