Psicopedagogia: tratamento para aprender mais e melhor

Com ferramentas que avaliam como o cérebro do indivíduo aprende, os psicopedagogos trabalham com a família e a escola para que a criança supere o obstáculo e adquira o conhecimento, mesmo que seja de uma maneira diferente dos demais.
17/10/2021 12h10

escola dentroMarina* estuda no segundo ano do ensino fundamental de uma escola de Brasília. Na sala, seus 23 colegas copiam o quadro com certa facilidade. Quando a professora pergunta se pode apagar, todos dizem que sim, menos Marina. A menina de oito anos ainda não acabou o cabeçalho.

Diagnosticada com severo Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), ela tem vergonha de ser mais lenta do que todos. Quando abaixa a cabeça para copiar, esquece o que leu. Se volta ao quadro, não sabe mais onde tinha parado. O problema lhe rendeu a pecha de preguiçosa e gera ansiedade, baixa autoestima, bullying e, inevitavelmente, a sensação de fracasso na escola.

Não é fácil ser alguém como a Marina e, fato, as escolas estão cheias de crianças que, como ela, têm algum tipo de necessidade específica. Geralmente são elas os pacientes mais encontrados nos consultórios de psicopedagogia.

Com ferramentas que avaliam como o cérebro do indivíduo aprende, os psicopedagogos trabalham com a família e a escola para que a criança supere o obstáculo e adquira o conhecimento, mesmo que seja de uma maneira diferente dos demais colegas. Uma dessas ferramentas é a bateria de exames chamados "neuropsicológicos".

Especialista em neurociência e transtornos globais de desenvolvimento, a psicopedagoga brasiliense Daniele Imperatriz (foto abaixo) conta que, ao longo de 21 anos de atendimento clínico, viu a evolução da medicina mudar muitos alunos. Mapeamento genético e pesquisas do cérebro levaram a diagnósticos bem mais precisos sobre a neurodiversidade cerebral.

– Antes a escola via o menino com dificuldade e jogava sobre ele a responsabilidade, dizendo que não queria estudar, era esquecido, desestimulado, desorganizado e preguiçoso. Hoje sabemos que, em geral, essa criança não escolheu ser assim, por isso pode ser treinada para melhorar.daniele imperatriz

Diagnóstico

De acordo com ela, é fundamental ter um diagnóstico certeiro, pois ele é que vai dar o norte do tratamento. Outro aspecto essencial é entender a diferença entre funcionamento alterado do cérebro e as possíveis falhas na oferta de aprendizagem, erros pedagógicos ou de método de ensino. E o mais importante: destruir crenças antigas:

– Não é porque balança o pé que é hiperativo, nem é disléxico porque troca letras. É preciso ir mais fundo. Um exame de vista pode dizer que aquele menino não tem problemas para ler. Mas se ele não consegue distinguir os sons das letras, como vai ser alfabetizado? A falha na consciência fonológica leva a dificuldades de leitura e escrita, por exemplo.

Crianças que mostram dificuldade de atenção e de organização podem ter um déficit de funções executivas. Desenvolvidas no lobo frontal do cérebro, essas funções influenciam o poder de julgamento e decisório, a concentração, a memória de trabalho, o sequenciamento e a revisão de tarefas, o raciocínio intuitivo, a gestão do tempo e o controle inibitório, entre outras capacidades.

No caso da pequena Marina, a dificuldade é visomotora. O que para a maioria parece automático – olhar para o quadro, abaixar a cabeça e copiar no caderno o que leu e voltar ao mesmo ponto do quadro – para ela é extremamente difícil se achar no texto.

Adaptações

A escola pode fazer uma acomodação simples para garantir que a menina acompanhe o ritmo da turma: se, de fato, ela precisar copiar, o conteúdo vai estar resumido e impresso num papel. Marina não se perderá o movimento com a cabeça, podendo, inclusive, usar uma régua como guia.

Quando a criança é “neurodiversa”, termo que abrange todos aqueles que não têm desenvolvimento cerebral típico, os pais se perguntam se a solução é frequentar escola de ensino especial. Na opinião de Daniele Imperatriz, apenas os casos de comprometimento cognitivo severo deveriam ir por esse caminho.

– Se a criança tem uma deficiência severa não tem como se beneficiar do ensino convencional. Mas, em geral, todas crianças, neurotípicas e neurodiversas, têm a ganhar no convívio escolar inclusivo.

Um autista pode frequentar a sala de aula convencional, mas ter na mochila um fone anulador de ruídos para os momentos em que o barulho o incomodar. Já outra criança com TDAH ganha um tempo maior de prova, ou perguntas mais diretas para que não perca o foco da tarefa. São as chamadas acomodações.

Quando acomodar não é o suficiente, a escola e o psicopedagogo traçam um projeto de ensino individualizado (PEI) para que o aluno aprenda todo o conteúdo base, sem um detalhamento que exija a memorização de nomes, lugares e coisas. Isso é chamado de adaptação curricular. Alguns alunos podem necessitar de adaptação curricular em algumas matérias e apenas acomodações em outra.

– Trabalhar com a escola numa interlocução constante é fundamental. Um estudante com dificuldade em raciocínio lógico, por exemplo, pode ser ensinado a trabalhar a matemática na prática, sabendo contar troco, fazendo as quatro operações e pode usar a calculadora para desenvolver cálculos mais avançados – sugere a psicopedagoga.

Cobertura

O SIS faz cobertura de tratamento com psicopedagogos via rede credenciada com a possibilidade de até duas consultas por semana, de acordo com a Instrução Normativa (IN) 5/2014. Para isso, o prestador de serviço entra no portal do SIS, na área do credenciado, e pede a autorização, que será avaliada pelos peritos do plano. 

Está previsto, também, o reembolso dos beneficiários que optarem por profissionais não credenciados. Nesse caso, o próprio beneficiário envia o pedido e o relatório pelo e-protocolo do Senado (senado.leg.br/e-protocolo).

* Sobrenome ocultado para preservar a identidade da menor.