Fato ou fake: chip da beleza, reposição hormonal e saúde feminina

Impulsionado por marketing, uso de hormônios tem sido associado a promessas de melhora da performance física. Mas médicos alertam sobre riscos e condenam objetivos estéticos.
21/03/2023 16h32

Hormônio é coisa séria, só deve ser usado com orientação médica e nunca é indicado para fins estéticos ou de rejuvenescimento. Esse foi o principal alerta feito pelo ginecologista Martinho Cândido e pela endocrinologia Karen Werberich Goulart, que falaram sobre reposição hormonal feminina na Roda de Conversa de março, mês das mulheres. O evento foi promovido pelo Serviço de Saúde Ocupacional e Qualidade de Vida no Trabalho (SesoQVT) e pelo Comitê Permanente pela Promoção da Igualdade de Gênero e Raça do Senado Federal.

A menopausa é o marco de um ano sem menstruação e ocorre, em média, aos 51 anos de idade. É caracterizada pela queda nos níveis dos hormônios sexuais femininos, o estrogênio e a progesterona, o que gera diferentes sintomas. É nesse contexto que pode ter início a reposição hormonal.

– É uma fase da vida como todas as outras, com suas particularidades. A reposição hormonal não é uma regra na menopausa, está indicada apenas para tratar sintomas, principalmente o fogacho – resumiu Martinho.

A sensação de calor típica da menopausa acomete boa parte das mulheres nessa faixa etária. O mal-estar, acompanhado por sudorese, é relatado como moderado a severo por metade delas. E esse é, justamente, o principal grupo que pode se beneficiar da terapia hormonal, cuja eficácia para esses fins chega a 75%.

Em paralelo, nessa etapa da vida, a reposição também pode melhorar o sono, prejudicado pelos fogachos, e aliviar o desconforto (coceira e dor) causado pela síndrome genito-urinária, caracterizada pela incontinência urinária e pelo ressecamento e afinamento da mucosa genital. Além disso, evita a progressão da perda de massa óssea, associada à osteoporose e ao risco de fraturas em geral.

Mitos e riscos

Ao abordar os mitos sobre o assunto, o médico descartou o uso de hormônios para prevenir doença arterial coronoriana (infarto, por exemplo) e para preservar a saúde do cérebro (contra Alzheimer e demências, por exemplo).

– Não há, na literatura médica, indicação de terapia hormonal na menopausa para prevenir doença. Verifica-se, por exemplo, uma diminuição muito discreta do risco coronariano em pacientes que fazem uso de hormônios, mas ela não é compensada pelos riscos da reposição. Assim como não há comprovação de que hormônios preservam a função cognitiva. Em mulheres mais jovens, não faz diferença. E nas mais idosas, pode ser prejudicial – opinou o médico.

O principal malefício associado à reposição hormonal é o aumento do risco de trombose, embolia, derrame e câncer de mama. Por isso, a decisão de iniciar ou não o uso de hormônios é individual. O recomendado é ponderar benefícios e riscos a partir dos sintomas observados, do histórico de saúde familiar e de uma orientação médica confiável.

 

Estética

Implantes hormonais subcutâneos são estudados desde a década de 60 como método contraceptivo. Atualmente, o único liberado no Brasil é à base de etonogestrel. Ele atua sob a pele por três anos e também é um recurso para tratar endometriose.

No entanto, nas últimas duas décadas, o uso de implante hormonal para fins estéticos ganhou força. O chamado “chip da beleza” é à base de gestrinona, derivado hormonal sintético que estimula a produção de testosterona.

A gestrinona não é reconhecida como contraceptivo porque está associada a taxas de gestação elevadas. Na Europa, é usada por via oral para tratar endometriose. Já no Brasil, ela não tem autorização da Anvisa para ser comercializada e é categorizada como anabolizante não autorizado.

– Esses implantes têm sido associados a termos como “alta tecnologia” e “moderno”. Mas estão relacionados a um comércio antiético com objetivo de lucro. Eles não têm aprovação dos órgãos regulatórios e são condenados pelas sociedades médicas da área – pontuou Karen.

A classificação de anabolizante se explica por alguns dos efeitos da gestrinona no corpo, como perda de gordura, ganho de massa muscular e aumento da disposição e da libido. No entanto, a lista de efeitos colaterais também precisa ser considerada e inclui crescimento de pelos, aumento da oleosidade da pele e de acne, infertilidade, engrossamento da voz, agressividade, alterações do sono, sobrecarga do fígado e aumento do risco de câncer.

Os médicos argumentaram ainda que a falta de estudos sobre a eficácia e a segurança da gestrinona torna o uso dessa substância arriscado. Além disso, como esse hormônio só é encontrado em farmácias de manipulação, está mais sujeito a conter impurezas e a apresentar diferenças entre a dose prescrita e a dose real.

– Medicamentos industriais são mais seguros porque passam por procedimentos rígidos de controle e verificação de qualidade. Já os manipulados são menos regulados, têm probabilidade muito maior do que os industriais de estar em dose errada – explicou Karen.

Independentemente do objetivo do paciente, os médicos da roda de conversa destacaram que é fundamental buscar informações médicas de fontes confiáveis e ter atenção a propagandas e à conduta dos profissionais de saúde, que não podem participar do comércio de medicamentos nem exigir que um tratamento seja feito em determinada clínica, por exemplo.

Clique no link abaixo para assistir à entrevista com o ginecologista Guaraci Beleza sobre o mesmo assunto: