Depressão se instala de forma lenta e oculta, mas é preciso reagir cedo

Depressão é a principal causa de incapacidade em todo o mundo, uma vez que contribui substancialmente para a carga global de doenças.
18/12/2020 00h25

Julia Goetzke é uma mulher forte. Os 77 anos da vida foram de trabalho pesado nas lavouras do pequeno sítio que a família tem nos arredores de Canguçu (RS). O sorriso era frequente, dando graça aos olhos azuis e a pele clara que não negam a origem alemã. Mas ele foi sumindo do rosto desde que a camponesa perdeu o marido para um câncer de pulmão, dois anos atrás.

Obedecendo ao costume local, ela guardou luto religiosamente por um ano e se manteve reclusa. Evitava chorar na frente da família para não preocupar os filhos e as lágrimas, o nó na garganta continuavam. Passado o tempo regular do luto, as roupas pretas voltaram para o armário. Mas a alegria não voltou. Aliás, Julia só piorou.Flower_of_sadness.jpg

Em setembro, dona Julia deu entrada no pronto-socorro da cidadezinha “mais pra lá do que pra cá”, como explica a nora, Bete.

– Reviraram o sangue, fizeram exame de tudo. Ela simplesmente parou de comer, parece que não passava mais nada pela garganta. Descobrimos que ela estava era morrendo de tristeza – relembra.

Julia é uma entre 300 milhões de pessoas em todo o mundo que vivem a depressão diariamente, segundo estima a Organização Pan-americana de Saúde (Opas). A maioria são mulheres, como ela. Uma boa parte inserida na doença por fator externo difícil de assimilar.

Considerada um transtorno mental frequente, a depressão é agressiva: ela é um dos maiores motivos de suicídio – cerca de 10% dos deprimidos acabam tentando se matar – e é a principal causa de incapacidade em todo o mundo, uma vez que contribui substancialmente para a carga global de doenças.

De acordo com Bruno Jess, psiquiatra do Senado que participa do Sistema Integrado de Saúde (SIS), a depressão pode chegar em momentos de dificuldade como o luto, um divórcio, uma grande perda que pode ser material, financeira. Ela tem características semelhantes à tristeza que acomete todas as pessoas em determinados momentos da vida e por isso mesmo é difícil separar as duas condições.

– A diferença está na intensidade e a persistência. O que muda de uma tristeza ocasional para uma depressão é que esta não cede com o passar do tempo e começa a atrapalhar o funcionamento da pessoa no dia a dia.

Diagnóstico

Numa avaliação clínica com base no DSM-5, o manual de diagnóstico das doenças mentais adotado pela Associação Americana de Psiquiatria e pelos médicos brasileiros, pelo menos cinco de nove pontos precisam estar presentes para que o paciente seja laudado com depressão e que sejam persistentes por um prazo maior que duas semanas.

Esses requisitos são: tristeza, falta de interesse em atividades antes prazeirosas, alterações de sono e de apetite, dificuldade de concentração, baixa autoestima, estar mais lento ou mais agitado que o normal, pensamentos de morte e tentativa de suicídio.

Jess considera a estrutura genética, o funcionamento hormonal e até a alimentação e os hábitos de vida como possíveis gatilhos para o desenvolvimento de um quadro depressivo. Outro fator considerado em termos de predisposição é a personalidade melancólica.

– Algumas pessoas tendem a interpretar as coisas de maneira mais negativa e experimentam ansiedades e tristeza de forma mais frequente. Sem dúvida essas pessoas estão mais predispostas a desenvolver depressão. Às vezes uma pessoa sem iniciativa, desanimada pode viver num quadro de depressão crônica leve, a que chamamos de distimia.

Tratamento

Julia saiu do hospital medicada e na semana seguinte já era outra mulher, quase a mesma de antes, mais leve, risonha e esperançosa. Reconhecer os sinais da doença foi fundamental para dar a volta por cima.

De acordo com Jess, a escolha pelo tratamento depende da gravidade do quadro. Uma depressão leve pode ser tratada com terapias de suporte, especialmente a cognitivo-comportamental, com suporte para melhora da qualidade do sono e com a prática de atividade física, por exemplo.

Já os casos moderados, como o de Julia, podem precisar de medicação antidepressiva e psicoterapia, as duas associadas. Na avaliação do psiquiatra, cerca de 60% dos pacientes devem mostrar melhora até esse estágio.

Já os pacientes mais graves, que não demonstram melhora significativa até esse estágio podem precisar de intervenções como a neuromodulação, que envolve o estímulo eletromagnético do cérebro, ou a eletroconvulsoterapia (ECT), que provoca alterações na atividade elétrica do cérebro, regulando os níveis dos neurotransmissores serotonina, dopamina, noradrenalina e glutamato.

– A maioria dos pacientes melhora com a ECT, mas é um método caro e requer anestesia geral. Como efeito colateral, a perda de memória é o mais relatado pelos pacientes. Com o passar do tempo, a pessoa volta a se lembrar, no geral, de fatos e eventos temporariamente esquecidos.

Estímulo

A participação de família e amigos no processo de recuperação é fundamental. Jess conta que estimular o paciente a voltar a fazer algo que lhe dá prazer, por menor que seja, é um grande passo.

– Pequenas coisas, como fazer uma ligação, visitar um parente, sair com um amigo se somam ao longo do tempo e conseguem colocar a pessoa de volta à sua rotina. Mesmo que ela não se sinta bem fazendo, é um passo importantíssimo para o processo de cura.

Ele pontua o perigo de o atual isolamento por causa da covid-19 abrir mais portas para a depressão. O psiquiatra aconselha a formação de uma rede de relacionamentos online para dar suporte emocional especialmente à população mais vulnerável e, portanto, mais reclusa.

– O isolamento é físico, mas ele não precisa ser social. É importante alcançar os mais isolados por chamadas de vídeo ou WhatsApp, é preciso olhar para a saúde mental de todos – alerta Bruno Jess.

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foto capa: vittude/creative commons