Viajantes esperam para embarcar na rodoviária de Brasília: projetos em tramitação no Congresso incluem novos grupos na lista dos beneficiários do passe livre

 

Ricardo Westin

Das leis que concedem viagem gratuita a certos grupos, duas são célebres. A primeira é a Lei do Passe Livre, de 1994, que dá a quem é pobre e deficiente o direito de viajar de graça em ônibus, trem e barco de um estado a outro. A segunda é o Estatuto do Idoso, de 2003, que beneficia os maiores de 65 anos no transporte municipal e interestadual.

Viagens grátis também são concedidas por prefeituras e estados. Espalham-se pelo país leis para desempregados (demitidos sem justa causa), estudantes, policiais (fardados ou não), deficientes, portadores de HIV, pessoas com insuficiência renal, hemofílicos, acompanhantes dos doentes...

Gratuidades são um tema altamente polêmico. Não por causa dos beneficiados - que, na maioria dos casos, de fato precisam do auxílio. Mas, sim, pelo aspecto financeiro.

- Não sai de graça. Quem acaba pagando a fatura são os demais usuários, os que pagam passagem. No caso do transporte urbano, principalmente o trabalhador informal, que não recebe vale-transporte. Não há nada mais injusto - afirma Ailton Brasiliense, diretor da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP).

Segundo Brasiliense, os empresários seguem as leis. Mas, para não amargar prejuízo, compensam os montantes perdidos aumentando o valor da passagem dos pagantes.

- Ninguém questiona seu cunho social. É política pública. Por isso, quem tem de pagar é o governo. É papel dele.

Contas

Por ano, as empresas de ônibus interestaduais contabilizam 4 milhões de passagens emitidas pela Lei do Passe Livre. E mais de 2 milhões pelo Estatuto do Idoso. Cada ônibus precisa separar dois assentos para deficientes de baixa renda (até um salário mínimo mensal per capita) e outros dois lugares para maiores de 65 anos carentes (até dois salários mínimos).

- O governo tem o Farmácia Popular [remédios a preços simbólicos] e o Prouni [bolsas de estudo em universidades privadas], que são bancados com verba pública. Por que no transporte é diferente? - questiona Cláudio Flor, porta-voz da Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati).

Nem todo o custo é repassado aos passageiros pagantes, segundo a Abrati. Como consequência, pelas contas da entidade, as gratuidades custam às empresas rodoviárias 8% do faturamento anual.

O tema é tão delicado que a Lei do Passe Livre foi aprovada em 1994, mas passou a valer só em 2001, quando foi integralmente regulamentada. Logo depois, a Abrati tentou derrubá-la no Supremo Tribunal Federal - por não indicar a fonte de custeio e supostamente desrespeitar o princípio constitucional da livre iniciativa. Sem sucesso. Respondeu a ministra Cármen Lúcia, relatora do processo:

- Toda a sociedade, não só o Estado, tem obrigação de ­adotar providências para incluir todos esses portadores [de deficiência] no que seja compatível com suas condições.

A presidente Dilma Rousseff reacendeu a polêmica. Em janeiro, sancionou a Política Nacional de Mobilidade Urbana saída do Congresso. Vetou o trecho que tornaria obrigatória a indicação da origem das verbas que sustentariam todas as novas gratuidades. Ela ouviu sua equipe econômica, que lhe advertira que o governo federal ficaria obrigado a enviar mais verbas a estados e prefeituras.

No Congresso, tramita uma série de projetos que ampliam o guarda-chuva das gratuidades. No mês passado, o Senado aprovou um texto (PLS 27/10) do então senador Flávio Arns que dá o passe livre interestadual ao acompanhante do deficiente. O projeto, agora na Câmara, recebeu uma emenda de Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) que diz que as empresas "serão ressarcidas".

Outro projeto, de Renan Calheiros (PMDB-AL), inclui na Lei do Passe Livre os portadores de diabetes melito (PLS 389/08). Uma proposta de Paulo Paim (PT-RS) inclui na Constituição que pessoas com deficiência e idosos têm direito a viajar gratuitamente dentro e fora das cidades (PEC 49/07).

O projeto do Estatuto da Juventude (PLC 98/11) prevê que estudantes carentes (com renda de até dois salários mínimos) na faixa dos 15 aos 29 anos tenham dois assentos gratuitos no transporte interestadual. O parecer de Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) foi aprovado no mês passado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Antes, o Senado havia analisado projetos de passe livre nos aviões. Nenhum prosperou.


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