Apesar das medidas contra a burocracia e do incremento tecnológico dos últimos anos, a administração pública continua a exigir documentos para provar que o cidadão existe, que é ele mesmo que se apresenta, que ele cumpriu com seus deveres cívicos e que não tem antecedentes criminais.

st2.jpg“A dificuldade baseia-se na crença de que é mais fácil criar exigências e requisitos para a prática de qualquer ato público do que fiscalizar ou coibir eventuais desvios ou fraudes”, explica o senador Armando Monteiro (PTB-PE). Ele é o autor do PLS 214/2014, que deu origem à Lei 13.726, sancionada em outubro, conhecida como Lei da Desburocratização.

A norma simplifica atos administrativos de órgãos dos governos federal, estadual, distrital e municipal, apoiando-se em princípios de presunção de boa-fé e de veracidade. Entre as modificações, destaca-se o fim da obrigatoriedade de reconhecimento de firma em cartório e de cópia autenticada. Os servidores públicos estão autorizados a conferir e comprovar a autenticidade das assinaturas e das reproduções.

A norma determina ainda que os órgãos da União não poderão exigir certidões ou documentos expedidos por outros órgãos públicos, com ressalva para a comprovação de antecedentes criminais.

A substituição de documentos antigos, como a certidão de nascimento pela identidade, também está regulamentada. O título de eleitor só poderá ser solicitado no ato de votação ou para candidaturas políticas.

A intenção é que, com o tempo, um banco de dados com todas as informações esteja acessível pela internet.

— Eu tenho um certificado de reservista desde os 18 anos. Hoje tenho 45 anos, sou servidor público, tirei passaporte, abri conta bancária e continuava precisando levar esse certificado para todos os lugares. Se o Estado sabe que cumpri com meus deveres, por que ainda continua exigindo? — questiona o ouvidor-geral da União, Gilberto Waller Junior.

Já o tabelião do 4° Oficio de Notas do Distrito Federal, Evaldo Feitosa, diz que os casos de estelionatários tentando forjar assinaturas são recorrentes. Ele defende o aspecto securitário dos cartórios, que têm responsabilidade subjetiva em casos de falsificações.

— No serviço de reconhecimento de firma está embutido o seguro social. Em caso de assinatura falsa reconhecida como da pessoa, o tabelião fica responsável e o cartório é obrigado a ressarcir quem for lesado. Esse seguro não está previsto na autorização, pela nova lei, de os servidores públicos conferirem as assinaturas — afirma.

Judicialização

“No Brasil, em vez de se colocar o falsário na cadeia, obrigam-se todas as pessoas a provar sistematicamente, com documentos, que não são desonestas.” A frase dita em 1981 pelo então ministro extraordinário para a Desburocratização, Hélio Beltrão, ainda retrata a realidade brasileira. Desde a criação do Programa Nacional de Desburocratização, em 1979, o país busca descentralizar decisões e eliminar controles excessivos.

Segundo estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), 33% dos trâmites realizados no Brasil encontram-se na categoria de identidade e registro civil, seguidos por procedimentos relativos a educação e saúde (19%), pagamento de impostos, seguros e pensões (9%), programas sociais (9%), veículos (9%), denúncias de delitos (3%), propriedades (3%), abertura e fechamento de empresas (2%) e outros (12%). A pesquisa mostra ainda que, no Brasil, um cidadão leva em torno de cinco horas e meia para concluir um trâmite na administração pública.

O pai da empresária Ana Luísa Machado, Antônio Ramos Machado, vendeu um carro em 2013, poucos dias antes de morrer. O comprador não transferiu o documento do veículo para o seu nome, e o Detran ainda não faz essa mudança sem a cópia do documento único de transferência (DUT) assinado, com firma reconhecida. O licenciamento e até as notificações de infrações cometidas com o veículo continuam sendo destinadas a Antônio, morto há 5 anos.

— O pessoal do Detran nos sugeriu entrar na Justiça, alegando não saber o paradeiro do veículo — conta Ana Luísa.

A solicitação, à Justiça, da resolução de problemas administrativos foi debatida no Seminário Desburocratização do Poder Judiciário, em Brasília, em 29 de novembro.

Na ocasião, o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) mencionou os processos para concessão de tratamentos ou fornecimento de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) como exemplo de contaminação do Judiciário pela burocracia do Executivo. Anastasia citou o relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), publicado em 2017, mostrando que o país lida com mais de 1,3 milhão de processos relacionados à saúde, e mais de um terço deles tem a ver com tratamentos e medicamentos.

Para o doutor em direito processual civil Luiz Rodrigues Wambier, outra dificuldade para o Judiciário é a obtenção de documentos dos órgãos públicos. Isso, na opinião dele, reflete no aumento da demanda de ações e, consequentemente, na lentidão das decisões.

No Parlamento, medidas que facilitam a vida dos cidadãos e desafogam o Judiciário têm sido aprovadas há décadas. Em 2010, o Congresso promulgou a Emenda Constitucional 66, que acelerou e desburocratizou o processo de divórcio no Brasil. Para desfazer o matrimônio, o casal não precisa mais requerer a separação judicial e ainda esperar um ano ou comprovar que já está separado de fato por pelo menos dois anos para obter o divórcio.

Está em análise na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) o PLS 69/2016, que regulamenta essa dispensa da necessidade de juiz no pacto pós-nupcial, admitindo a mudança de regime de bens por escritura pública.

Na opinião da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), a burocracia em excesso traz empecilhos e custa mais caro.

— Temos que ter mecanismos de fiscalização de todos os processos públicos, mas isso não significa aumentar a papelada — disse.

Acesse a infomatéria - Brasil tenta mais vez desburocratizar a administração pública


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