"Quem controla o controlador?": o princípio do controle de constitucionalidade — Rádio Senado
Legislativo - que poder é esse?

"Quem controla o controlador?": o princípio do controle de constitucionalidade

O segundo episódio do podcast “Legislativo – que poder é esse?” é sobre o princípio do controle de constitucionalidade. O professor e consultor do Senado Federal João Trindade Cavalcante Filho explica o que é feito para garantir que as proposições votadas no Congresso Nacional estejam em conformidade com a Constituição.

Encontre a transcrição do episódio aqui: https://cutt.ly/0QMQAMm

Produção: Rádio Senado

19/08/2021, 06h00 - ATUALIZADO EM 27/09/2023, 12h16
Duração de áudio: 35:43
Arte: Hunald Vale

Transcrição
Transcrição Episódio 2: – “Quem controla o controlador?”: princípio do controle de constitucionalidade F: Olá, eu sou a Fernanda Nardelli e estou chegando com o segundo episódio do podcast Legislativo – “Que poder é esse?”. Uma produção Rádio Senado. Nesta primeira temporada estamos conversando sobre os princípios do processo legislativo. A partir desses princípios fica mais fácil acompanhar as decisões do Congresso Nacional e até das assembleias legislativas e câmaras de vereadores. Vale lembrar que essas decisões frequentemente têm tudo a ver com o nosso dia a dia, ou seja, interessam a todos nós. Quem me acompanha no podcast é o professor e consultor legislativo do Senado Federal João Trindade Cavalcante Filho. No primeiro episódio tratamos do princípio democrático. Se você não ouviu, recomendo que faça uma busca no seu agregador de podcasts favorito para recuperar a conversa. Hoje, o assunto é controle de constitucionalidade. Vamos lá? F: Bom, João, a gente então está conversando aqui novamente para falar de mais um princípio do processo legislativo. Hoje a gente vai falar do princípio da controlabilidade ou do controle de constitucionalidade. Do que se trata, João? J: Pois é, se trata exatamente, Fernanda, de a gente saber se aquela proposição legislativa, se aquele projeto de lei, aquela PEC está em conformidade com a constituição. Eu sempre gosto de dizer que isso é como se fosse uma filtragem. É como a gente pegasse aquela água que vem barrenta lá do ribeirão. A gente não vai beber aquela água. Aquilo dali é só a matéria-prima que vai no final de um processo de depuração, de filtragem, vai virar a água que chega na nossa casa. E a mesma coisa acontece com os projetos de lei, com as propostas de emenda à constituição, quer dizer, com o que a gente chama genericamente de proposições legislativas. Você tem lá um... vários senadores, vários deputados, a população propondo projetos de lei, mas é preciso que esses projetos de lei passem por uma filtragem, exatamente para ver se eles são ou não constitucionais, se eles são ou não compatíveis com a Constituição. Então quer dizer, a Constituição serve como parâmetro para a gente ver se aquela proposição legislativa tem condições de tramitar, tem condições de ser aprovada, tem condições de virar uma lei ou de virar uma emenda constitucional. Então é um princípio básico do processo legislativo, exatamente para evitar ou pelo menos minimizar a produção de leis que sejam contrárias à Constituição, à produção de leis inconstitucionais. F: E como é que se dá esse processo, assim? Quando o projeto é apresentado, ele só é apresentado se ele for um projeto que não fere a Constituição ou ele passa por alguma comissão? Como é que funciona? J: Na verdade existem aqui várias etapas, por isso eu gosto dessa metáfora da filtragem, sabe? Porque do mesmo jeito que a água passa por uma série de filtros de tratamentos, a mesma coisa acontece com os projetos. Existe um primeiro filtro que é o poder que o presidente da Casa, seja Câmara, seja Senado, possui de devolver ao autor uma proposição que seja manifestamente inconstitucional. Então é uma espécie de uma devolução liminar, uma espécie de uma..., de um impedimento de tramitar. Quer dizer, para aqueles projetos muito absurdos existe a prerrogativa do presidente da casa de devolver ao autor dizendo “olha, isso daqui é obviamente manifestamente inconstitucional”. É até interessante que esse foi o tema que eu pesquisei na minha tese de doutorado lá na USP e é interessante você ver que, pelo menos no período que eu analisei, que foi o ano de 2015, isso praticamente não foi exercido no âmbito do Senado. Tem a previsão regimental de que o presidente do Senado pode devolver proposições, mas isso não aconteceu. A gente tem precedentes, mas é uma coisa pouco usual de acontecer no Senado Federal. Já na Câmara dos Deputados, não. Na Câmara, tudo bem que você tem muito mais deputados e consequentemente mais projetos de lei e mais impurezas, digamos assim... mais projetos manifestamente inconstitucionais. Mas lá na Câmara, no regimento interno da Câmara, quem quiser depois aprofundar nesse tema, está lá no artigo 137, parágrafo primeiro, inciso segundo... alínea B de bola do regimento interno da Câmara, há essa possibilidade de o presidente da Casa devolver projetos manifestamente inconstitucionais e isso acontece com alguma frequência. Como eu disse é basicamente que para aquela inconstitucionalidade grosseira. Um exemplo: você teve em 2019 um projeto de lei que foi devolvido pelo presidente da Câmara porque ele previa o corte do braço de pessoas condenadas por corrupção. Quer dizer, uma pena que foi abolida há aproximadamente 2000 anos e que é obviamente institucional. E aí nesse tipo de situação existe a devolução. Os projetos que não forem devolvidos, ou seja, os projetos que o presidente da casa aceitar, ainda vão passar por um controle de constitucionalidade por uma comissão. Na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, e aqui também nas outras esferas da Federação mais ainda, a gente tem vários modelos, vários jeitos de fazer esse controle. Mas a gente pode dizer que todo projeto que seja aceito tem que passar pelo controle de constitucionalidade em alguma comissão. Então a gente teria essas duas grandes instâncias, né? Na apresentação e também depois na apreciação pelas comissões. F: No caso da apresentação, você citou o artigo do regimento interno da Câmara. O regimento interno do Senado prevê isso e não é uma prática, ou não está prevista essa devolução pelo presidente da casa? J: No Senado existe essa previsão, mas talvez pelo fato dela não ser tão clara, não ser tão direta quanto acontece na Câmara dos Deputados, isso não é exercido. Vamos dizer assim, isso não é tão comum de exercer. No regimento interno do Senado, está lá no artigo 48, inciso 11... e ele vai dizer que é prerrogativa do presidente impugnar as proposições que lhe pareçam contrárias à Constituição. Quer dizer, não é uma coisa tão clara quanto na Câmara, que diz que o presidente pode devolver a proposição ao autor, caso a entenda manifestamente inconstitucional. Aqui fica uma coisa mais etérea, mais discricionária, assim. Mas eu acho que também tem uma questão de cultura institucional, mesmo. Na Câmara é realmente mais tradicional esse exercício do controle pelo presidente da Casa. F: E aí no caso das comissões, a comissão do Senado que faz esse controle é a Comissão de Constituição e Justiça, é isso? J: Na verdade isso varia muito e é, aliás, uma peculiaridade interessante do controle realizado na Câmara e do controle realizado no Senado. Por quê? Na Câmara dos Deputados, todo projeto tem uma exceçãozinha, mas é uma coisa altamente detalhada, talvez não valha a pena citar aqui, mas praticamente todos os projetos passam pela CCJ, que lá é a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania. Então quer dizer, na Câmara dos Deputados existe aquilo que eu chamo de um controle concentrado. Só quem exerce a análise de constitucionalidade dos projetos, das proposições, é a CCJ. Todos os projetos passam por outras comissões e depois passam pela CCJ e a CCJ é a única comissão que detém a prerrogativa de analisar a constitucionalidade dos projetos. No Senado não é assim. No Senado a CCJ não tem esse monopólio da análise de constitucionalidade. No Senado se adota um modelo que eu gosto de chamar de um modelo difuso, exatamente porque ele é espalhado. Quer dizer, a competência para exercer o controle de constitucionalidade no Senado não é monopólio da CCJ. No Senado nem todo projeto passa pela CCJ. Só vão passar pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania os projetos que digam respeito à competência temática dessa comissão ou outros projetos só se alguma comissão consultar a CCJ. Mas ordinariamente eu tenho vários projetos que não passam pelo crivo da CCJ, que não têm parecer da Comissão de Constituição e Justiça. E aí nos casos desses projetos que não passam pela CCJ no Senado, quem tem que fazer o controle de constitucionalidade é a Comissão de Mérito. Então, a gente tem com muita frequência no Senado a Comissão de Educação, Cultura e Desporto sendo a única comissão ouvida e tendo que se pronunciar sobre a constitucionalidade dos projetos de lei. É uma diferença interessante entre o papel da Câmara e o papel do Senado. Quer dizer, na Câmara, o monopólio do controle de constitucionalidade pela CCJ com todos os projetos passando por lá. No Senado, não. No Senado, a prerrogativa de fazer um controle de constitucionalidade nas mãos da CCJ é só quando o projeto for distribuído a ela, mas podendo ser exercido por toda e qualquer comissão quando o projeto não for destinado à análise dessa comissão especializada. F: Para avaliar se uma proposta fere a constituição, os relatores nas comissões temáticas estudam o assunto e buscam ajuda especializada. Tudo precisa ser bem fundamentado para evitar problemas lá na frente. LOC: “O que está pendente aí, presidente, é a tentativa de arguição de inconstitucionalidade. Eu quero dizer que nós debatemos com a consultoria profundamente este item e constatamos todos que pacificamente, não há nenhuma inconstitucionalidade pelo elementar fato de que, o artigo 41, que é o que nós estamos discutindo, diz no parágrafo primeiro ‘o servidor público estável só perderá o cargo [...]’, e aí vamos do que nos interessa... item terceiro, ‘[...] mediante procedimento de avaliação’. F: Essa medida evita que a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania fique sobrecarregada... me parece muita sobrecarga você ter todos os projetos passando por uma comissão, né? A CCJ da Câmara deve ser uma comissão bem cheia de proposições, né? J: Sim, é verdade. Inclusive, até 2004 ou 2006 era ainda pior, porque todos os projetos passavam pela CCJ como comissão inicial, quer dizer, ela era ouvida no começo de tudo. E aí realmente a sobrecarga era imensa e muitas vezes a CCJ se manifestava sobre a constitucionalidade de um projeto, que depois era alterado substancialmente nas comissões de mérito. E aí houve essa reforma do regimento da Câmara, não me recordo se 2004 a 2006, mas certamente em meados da década de 2000, para que a CCJ fosse a última comissão a ser ouvida. Agora é como tudo na vida, né? Tem vantagens e desvantagens. A vantagem desse modelo concentrado é que você tem uma uniformidade de critérios de controle, quer dizer, tudo vai passar pelo mesmo colegiado. Já no Senado, não. No Senado você verifica, assim, não é o melhor dos mundos em termos de qualidade do controle, você ter uma comissão que não é uma comissão especializada fazendo a análise da constitucionalidade. De acordo com as minhas pesquisas, quando você tem esse parecer sobre a constitucionalidade dado por outra comissão que não é a CCJ, por exemplo, ele tende a ser um controle que não é total. A análise da constitucionalidade de um projeto tem que levar em conta a questão formal, a iniciativa, a tramitação, o quórum, a competência federativa... quer dizer, se aquilo é tema de lei federal, ou é tema de lei estadual, ou é tema de lei municipal. Isso as outras comissões até fazem bem. Quando vai passar pela Comissão de Educação, quando vai passar pela Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo, geralmente a constitucionalidade formal, elas analisam bem, mas há uma perda em relação ao controle da constitucionalidade material, do respeito aos princípios, do respeito a direitos fundamentais, do respeito a objetivos fundamentais da República. Isso daí quando você faz o corte, você vê que na CCJ isso funciona bem melhor do que quando o controle de constitucionalidade é delegado a outras comissões. É sempre uma escolha, não é? É sempre assim... o que que você prefere? Ter uma coerência maior, uma segurança maior, mas com a Comissão de Constituição sobrecarregada ou se você quer realmente ter uma maior celeridade ainda que, com isso, o efeito seja que o controle não é tão completo quanto deveria ser, por exemplo. E em relação ao Senado mais uma vez, esse controle feito pela CCJ, você muitas vezes tem esse controle feito por consulta de alguma comissão. Então quer dizer, um projeto que originalmente não iria para a CCJ é objeto de consulta. E aí a comissão diz “olha, eu não estou segura aqui para tratar desse tema, quero ouvir a CCJ”. É interessante até, Fernanda, por que nasceu o sistema de comissões? O sistema de comissões nasceu para gerar especialização. Para você tirar aquele debate do Plenário, que é um debate generalista, e passar a cada comissão ter um grupo de parlamentares mais especializado naquela temática. Então, em princípio parece um pouco um contrassenso você atribuir a análise de constitucionalidade a uma comissão que não é especializada nisso, se o papel das comissões é exatamente o papel de ser um colegiado especializado. Mas talvez o que tenha levado o Senado e Câmara a trilharem caminhos diferentes foi exatamente esse risco que você colocou, o risco de sobrecarga da CCJ. E realmente, quando você analisa os projetos de lei apreciados pela CCJ da Câmara, você vê que tem muita coisa que é arquivada sem chegar a ter um parecer da CCJ, exatamente por essa sobrecarga que você citou. F: Você falou de uma filtragem, né? Você fez uma comparação com a filtragem. Então, vamos lá. A gente já passou por duas etapas na tramitação dessas propostas e, vamos dizer que a proposta, o projeto, passe pela comissão, passe pelas comissões, e que ele tenha algum problema ali de constitucionalidade. Isso ainda pode ser detectado antes desse projeto virar lei? J: Isso pode ser detectado, sim, existem esses mecanismos. Notadamente antes de o projeto virar lei, a gente ainda tem o momento da consulta ao Poder Executivo, né? Da consulta ao Presidente da República mediante sanção ou veto. Quando o projeto de lei é aprovado em definitivo por ambas as casas do Congresso... pensando aqui na esfera federal, né? Quando ele é aprovado em definitivo pela Assembleia, no caso estadual etc., esse projeto é encaminhado ao chefe do Executivo (presidente, governador, prefeito), que vai ter o prazo de 15 úteis para decidir se sanciona o projeto ou se inveta, se impede que o projeto vire lei. E aí, esse veto, segundo o artigo 66, parágrafo primeiro da Constituição, esse veto pode acontecer por motivação política, onde o chefe do executivo diz “não concordo com esse projeto, acho que esse projeto é ruim quanto ao mérito”, mas pode também acontecer por questão jurídica, que é exatamente a situação de um chefe do Executivo entender que aquele projeto é inconstitucional. E aí a gente tem aquilo que os estudiosos chamam de veto jurídico. Então quer dizer, ainda durante o processo legislativo, já não mais na fase parlamentar, mas na fase do Poder Executivo, existe esse controle pelo Presidente da República. Então a gente tem mecanismos sucessivos, né? Mecanismos dentro do Legislativo... a devolução, a possibilidade de devolução do projeto pelo presidente da Casa, a manifestação das comissões e mecanismos fora do Legislativo, já na fase executiva da tramitação. Mas antes de o projeto virar lei, aí você tem o momento da sanção ou veto pelo Presidente. LOC: "O presidente Jair Bolsonaro vetou o projeto de lei que permitiria a contratação de advogados e contadores sem licitação. O governo considerou que a proposta seria inconstitucional, mas o Congresso Nacional pode derrubar o veto." J: E é até interessante porque no Brasil, esse poder das comissões, esse poder de filtragem pelas comissões, é muito mais intenso do que no direito comparado. Se você for pegar, assim, outros países que tem alguma situação parecida com a do Brasil, você vai encontrar ali Portugal, vai encontrar um pouco Estados Unidos, vai encontrar Finlândia, também, com uma comissão de assuntos constitucionais, que pode apontar inconstitucionalidades no projeto. Mas em geral elas podem, no máximo, ou apontar uma inconstitucionalidade, que é o caso da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias da Assembleia da República Portuguesa, ou elas podem propor emendas, propor um remodelamento da proposição, que é o caso da Comissão de Assuntos Constitucionais da Finlândia. F: Eu quis entender como funciona esse controle de constitucionalidade em outros países e acabei chegando a uma notícia do Parlamento Português. Lá a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias considerou inconstitucional uma proposta do partido “Chega”, de castração química a pedófilos. Com a decisão, os deputados nem começaram a discutir o texto, medida criticada pelo autor do projeto: LOC: “Não há nenhuma razão no mundo para que isso não chegue a plenário. O partido tenha que ter a coragem de dizer ou se votam contra. Não podem dizer que ‘bom, isto é inconstitucional e nós não vamos nos pronunciar’. O tempo disso já acabou. Pessoas têm que saber se são contra ou são a favor, e o que está a acontecer aqui é um conluio inamissível. Portanto, nós não podemos ter aqui uma espécie de filtro. A meio que dispõe constitucional não se pode discutir. É ao Plenário que cabe votar e é o tribunal constitucional que haverá um dia de decidir. Decidir se é constitucional ou se é inconstitucional.” (Declaração do deputado português André Ventura). J: Mas no Brasil, não. No Brasil, as comissões têm um poder muito grande, que é o poder de arquivar a proposição, que é o poder de dizer “não” ao projeto. Nos termos do artigo 54 do regimento interno da Câmara, e do artigo 101, parágrafo primeiro do regimento interno do Senado, uma proposição que seja considerada inconstitucional pela CCJ é imediatamente arquivada, é um poder muito grande para a comissão. E mais, no caso do Senado, se o parecer for unânime, ou seja, se os 27 membros da comissão concordarem que aquele projeto é inconstitucional, esse arquivamento é definitivo, não cabe nem recurso ao Plenário. A gente reforça no Brasil esse controle de constitucionalidade exatamente prevendo várias etapas e também dando muito poder a cada uma dessas etapas. Isso é uma coisa que é, mais ou menos, única no mundo, sabe? Você pesquisa o ordenamento de outros países, você vê que realmente o Brasil é um caso à parte. Felizmente um caso à parte em defesa da supremacia da Constituição. F: Nesse caso que você falou do arquivamento da proposição... se for por unanimidade, né, se a comissão votar pelo arquivamento por unanimidade, ela é arquivada sem a possibilidade de recurso. E como que fica no caso de não ser unânime essa decisão? E a outra dúvida que me ocorreu aqui, quando você arquiva essa proposição, ela pode ser reapresentada? Em quanto tempo... um outro parlamentar pode reapresentar... como é que isso funciona? J: Pois é. Em relação ao parecer da CCJ do Senado, que seja pela inconstitucionalidade do projeto, mas que não seja unânime, ou seja, se tiver algum voto em separado, algum voto divergente daquele parecer, aí cabe recurso ao Plenário, porque o Plenário é o órgão máximo de cada Casa, é o órgão formado pela totalidade dos membros daquela Casa. Aí cabe recurso ao Plenário para que você rediscuta no Plenário se aquele projeto é ou não é constitucional. Em geral isso existe tanto na Câmara quanto no Senado. A diferença aqui, técnica, é que na Câmara cabe recurso ao Plenário da decisão da CCJ. No Senado cabe recurso ao Plenário da decisão da CCJ, exceto se o parecer for unânime. A contrário o senso, pensando em sentido reverso, só cabe recurso ao plenário se houver algum voto divergente. Mas em geral esse recurso, embora seja cabível, ele tem muito pouca efetividade. Do ponto de vista prático, mesmo que caiba recurso, quando a CCJ diz que o projeto é inconstitucional, ele praticamente está morto, ele praticamente está arquivado. Às vezes juridicamente ele já está arquivado em definitivo, às vezes ele está arquivado, mas cabe recurso. Mas esse é aquele recurso que assim, é difícil de ganhar, sabe? É difícil de reverter no Plenário. E aí nesse caso, sendo o projeto arquivado em definitivo, ou porque foi a decisão da CCJ e não cabe recurso, ou porque foi a decisão da CCJ, houve recurso, mas o plenário não reverteu, havendo o arquivamento em definitivo, incide um princípio constitucional, que é o da irrepetibilidade, que está lá no artigo 67 da Constituição Federal. Segundo esse princípio, os projetos rejeitados, e esse é um caso de rejeição, né?, é um caso de rejeição em sentido amplo, a rejeição por inconstitucionalidade... havendo essa rejeição, o projeto então não pode ser reapresentado. Não pode ser reapresentado outro projeto igual na mesma Sessão Legislativa, ou seja, no mesmo ano parlamentar. O parlamentar que queira insistir naquele projeto, ou vai ter que esperar o próximo ano parlamentar, então, se foi rejeitado em 2022, vai ter que esperar 2023 chegar. Ou, ainda tem uma saída: ele pode reapresentar o projeto no mesmo ano em que aquele projeto foi rejeitado, mas aí com a necessidade de apoio da maioria absoluta de qualquer das casas. Ou seja, ele vai ter que realmente suar, vai ter que realmente queimar as pestanas para conseguir a assinatura de metade, de mais da metade dos membros ou da Câmara ou do Senado, para reapresentar aquele projeto na mesma Sessão Legislativa, no mesmo ano parlamentar. Então, em resumo, o projeto quando arquivado em definitivo, por ser considerado inconstitucional é considerado um projeto rejeitado, e aí vai se submeter ao princípio constitucional da irrepetibilidade lá do artigo 67 da Constituição. F: Seria mais fácil para esse parlamentar buscar adequar, consertar esses vícios de inconstitucionalidade, né? Alguma coisa assim, do que buscar o apoio dessa maioria para poder reapresentar, né? J: Isso. E até porque as CCJs, tanto da Câmara quanto do Senado, embora tenham um poder muito grande, elas naturalmente exercem um controle que eu vou dizer que é um controle minimalista. Ou seja, elas tiram as inconstitucionalidades grosseiras. Aquilo que é de duvidosa constitucionalidade, aquilo que “olha, aqui está numa zona cinzenta”, em geral você deixa passar, quer dizer, em geral você vai ter outras etapas, como a gente ouve muito na prática. “Olha, na dúvida, deixa o Supremo dizer que é inconstitucional. Na dúvida, não vamos tolher nossa criatividade, nós somos legisladores exatamente para exercer essa criatividade, entende? Para exercer a inovação”. E aí naturalmente vai entrar em algumas zonas cinzentas. Então, é natural até que isso aconteça dessa maneira. É dentro daquela filtragem, daquelas etapas da filtragem da água, esse é o primeiro filtro, sabe? Aquela peneira mais grossa que você vai tirar o galho, vai tirar o barro, vai tirar as folhas, mas você não vai ainda exercer um controle muito fino, muito sensível daquilo que ainda vai passar pela sanção ou veto e lá na frente se isso se tornar lei, poderá vir a ser questionado judicialmente. Então assim, quando o projeto é declarado inconstitucional, é considerado inconstitucional pelas comissões, é muito difícil o parlamentar insistir naquilo, é quase como assim, existe a possibilidade jurídica, mas é quase como dar murro em ponta de faca. Até porque quando dá para salvar alguma coisa, as CCJs ainda podem fazer a chamada Emenda Saneadora. Quando, por exemplo, você tem um projeto em que alguns dispositivos são inconstitucionais, você pode fazer uma emenda supressiva, você pode fazer uma emenda para tirar aqueles pedaços inconstitucionais e salvar o restante. Então quando nem isso é possível, isso está previsto expressamente no regimento do Senado, no artigo 101, parágrafo segundo, mas isso é possível também na Câmara dos Deputados. Mas quando nem isso é possível, quando o caso é de arquivamento total da proposição, é muito difícil que realmente o parlamentar vá insistir naquilo. F: E no caso do veto... você falou do veto, né, por essa questão de inconstitucionalidade, essa questão jurídica. A gente sabe que o Congresso Nacional pode derrubar o veto do Executivo. Mas nesse caso, assim, quando esse veto tiver essa justificativa de que o projeto está sendo vetado, deixou de virar lei porque é um projeto inconstitucional, mesmo assim o Congresso tem esse poder de derrubar esse veto e manter a lei? J: Essa é uma excelente pergunta, Fernanda, e que realmente tira o sono de muita gente, mas a resposta é afirmativa. O Congresso Nacional, mesmo no caso de veto jurídico, mesmo no caso de veto por inconstitucionalidade, o Congresso Nacional pode derrubar o veto presidencial, pode rejeitar o projeto ou rejeitar o veto, e pode então dizer que aquele projeto vai virar lei mesmo contra a vontade do Presidente. Isso deriva de três razões. Uma razão pragmática, à Constituição não faz diferença entre veto por razão política e veto por razão jurídica. A tramitação em ambos os casos é a mesma. Segunda razão, uma razão, vamos dizer assim, de ordem de separação de poderes. A função legislativa, a função de produzir leis, é uma função originariamente, prioritariamente, tipicamente do Legislativo. Então, quem tem que dar a palavra final sobre se um projeto vira lei ou não, é o poder Legislativo, nem que seja contrariando a vontade do Presidente, apesar de ser importante lembrar que para contrariar a vontade presidencial, para derrubar o veto, é preciso um quórum maior, geralmente, do que o quórum de aprovar projetos. É o quórum de que é exigido, que é de maioria absoluta, enquanto que na aprovação da maioria dos projetos exige a chamada maioria simples. Mas ainda tem uma terceira questão, quando o Presidente veta o projeto por entender que ele é inconstitucional, ele está dizendo que ele, Presidente, acha que o projeto é inconstitucional. Nada garante que essa leitura do Presidente esteja correta, esteja adequada. Então, nesse caso o Congresso pode simplesmente discordar da leitura presidencial, dizer “não, essa interpretação que você está dando para esse artigo aqui é excessiva. Eu entendo que você considere isso inconstitucional, mas eu, Legislativo, quero pagar para ver. Eu quero ver o que que o Judiciário vai achar disso aqui”. Então existe essa possibilidade, sim. Já, inclusive, houve várias vezes vetos presidenciais, por razão jurídica, rejeitadas pelo Congresso Nacional. Alguns depois invalidados no Judiciário, quer dizer, alguns projetos depois o Judiciário deu razão ao Executivo, outros tantos que o Judiciário diz que o Legislativo é que estava certo mesmo. F: Quando a gente acompanha as discussões no Congresso Nacional, é muito comum ouvir argumentos relacionados à constitucionalidade das propostas nas diversas fases da tramitação, inclusive na última oportunidade de intervenção do Legislativo, que é a análise dos vetos da Presidência da República. LOC: "Na votação o líder do governo no Senado Fernando Bezerra Coelho, do MDB de Pernambuco, alertou para um entendimento de que a derrubada do veto inconstitucional, por falta de receitas para bancar os gastos de quatro bilhões e 900 milhões de reais." F: E o Judiciário, ele dá a palavra final, ele é a ponta desse filtro? J: Pelo menos em relação àquela lei, àquele projeto, sim, o Judiciário dá a palavra final. Tem vários estudiosos que falam hoje que não existe palavra final, não existe última palavra, porque mesmo quando o Judiciário declara a inconstitucionalidade de uma lei, nada impede que no dia seguinte o Legislativo reitere aquela lei, o Legislativo produza de novo aquela lei e fique nesse jogo de gato e rato, sabe? Então assim, do ponto de vista do tema em si, termina que não existe palavra final, é quase um ciclo até você chegar em alguma convergência entre os poderes. Mas do ponto de vista daquela proposição, daquela lei específica, sim. Quando o Judiciário diz que aquilo é inconstitucional e o controle feito pelo Judiciário é um controle geralmente realizado após a tramitação, após a conclusão do processo legislativo, aí realmente aquilo dali acaba, em relação àquele projeto, àquela lei, aquilo é o ponto final. F: Ainda falando do papel do Judiciário, né? Ele analisa a constitucionalidade depois que o projeto já se transformou em lei. Ele precisa ser provocado para isso? Porque a gente ouve muito, né, falar assim “ah, que entraram com uma ação”, uma ADI, né, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, e que aí sim o Supremo se manifestou. Ele precisa, o Judiciário precisa ser provocado para fazer essas manifestações? J: Sim. Em relação ao controle de constitucionalidade, inclusive a resposta é sempre, o Judiciário sempre vai ser provocado para analisar a constitucionalidade. Ou provocado para analisar a constitucionalidade de uma lei já existente, que é a regra geral, ou eventualmente nos casos em que se permite o chamado Controle Preventivo pelo Judiciário. Nos casos em que um parlamentar pode entrar com mandado de segurança direto no Supremo Tribunal Federal para questionar um projeto de lei ou uma PEC em andamento, que é algo de natureza excepcional, extraordinária, mesmo assim, o STF em especial e o Judiciário, em geral só vão agir se provocados. Seja para o controle preventivo durante a tramitação, que é excepcional mesmo, seja para o controle repressivo, depois que a lei já existe, depois que a lei já está pronta, sempre o Judiciário vai ter que ser provocado. Alguém vai ter que ir lá e, entre aspas, "denunciar" ao Judiciário que aquela lei é inconstitucional. Agora também, por outro lado, isso no Brasil não é um empecilho muito grande, porque no Brasil a gente tem um rol imenso de pessoas que podem provocar o Judiciário. Então, você pega por exemplo, qualquer partido político com representação no Congresso, qualquer partido que tenha um deputado ou um senador já pode ir lá e bater na porta do Supremo alegando que acha que determinada lei é inconstitucional. O Brasil é um dos países no mundo que mais permite esse acesso ao Judiciário, consequentemente um dos países que mais judicializa essas questões do processo legislativo. F: E a gente encerra aqui essa conversa com o professor e consultor legislativo do Senado Federal João Trindade Cavalcante Filho, que nos deu uma aula sobre o princípio da controlabilidade ou controle de constitucionalidade. No próximo episódio vamos falar sobre outro princípio do processo legislativo, o da oralidade. O podcast Legislativo – “Que poder é esse?” é uma produção da Rádio Senado, com sonorização de André Menezes e Josevaldo Souza. Hoje usamos trechos de reportagens da Rádio Senado e de reuniões de comissões do Senado Federal, além da declaração do deputado português André Ventura. Eu sou a Fernanda Nardelli e espero te encontrar no próximo episódio.

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