CPI: Brasil está exposto a propostas de fraudes, diz representante da SportRadar

Da Agência Senado | 18/06/2024, 18h54

Em depoimento à CPI da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas nesta terça-feira (18), Felippe Marchetti explicou os métodos de atuação da empresa SportRadar para detecção de fraudes e opinou que muitos clubes e jogadores no Brasil são vulneráveis a propostas de empresários ligados à manipulação de resultados. Ele destacou a atuação internacional dos fraudadores de competições e avalia que é preciso fazer um trabalho de base na educação de jogadores contra a manipulação.

Ouvido como testemunha, Marchetti é gerente de integridade da SportRadar AG, empresa sediada na Suíça que presta serviços para a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e várias casas de apostas. Em seu requerimento de oitiva (REQ 42/2024), o senador Romário (PL-RJ), relator da comissão, citou relatório emitido em março pela SportRadar que destaca o Brasil como “campeão mundial de fraudes” no setor, com 109 partidas suspeitas em um total de 9 mil partidas analisadas.

Citando a experiência da SportRadar em parcerias com ligas esportivas e autoridades policiais em todo o mundo, Marchetti ressaltou a atuação internacional dos manipuladores de resultados, que teriam descoberto melhores oportunidades na América Latina quando o combate a fraudes na Europa tornou-se mais rigoroso. Para ele, levar educação aos jogadores é fundamental para enfrentar a manipulação.

— A grande maioria dos atletas no Brasil está em condição de vulnerabilidade econômica. Eles [os manipuladores] viram um cenário muito propício para a manipulação aqui, e a partir de 2015 vimos um aumento de casos. (...) Quem está mais suscetível, mais vulnerável, são os atletas de clubes pequenos.

Inteligência artificial

Felippe Marchetti explicou o funcionamento dos mecanismos de inteligência artificial da SpotRadar que monitoram em tempo real as cotações em casas de apostas — legais e ilegais — e comparam a movimentação de apostas real com a esperada. Ele citou relatórios da empresa que levaram a importantes investigações sobre manipulação de jogos no Brasil, mas ressalvou que a exposição de estatísticas não substitui a responsabilidade de uma análise qualitativa.

Em resposta a questionamento de Romário, o representante da empresa opinou que as casas de apostas estariam interessadas na solução das fraudes, porque elas também perdem dinheiro com a manipulação, mas faltavam meios para empresas de apostas sediadas no exterior comunicarem irregularidades às autoridades brasileiras. Ele defendeu a adesão do Brasil à Convenção de Macolin, que trata do combate internacional à manipulação de resultados esportivos.

—  Esse fluxo de informação entre todos os atores é fundamental para o combate ao sistema [de fraudes], para que não só as casas de apostas, mas também atletas, dirigentes e todos os interessados na proteção do esporte saibam a quem recorrer, como recorrer e de que forma essa informação vai ser trabalhada depois da denúncia.

Romário ponderou que, apesar de anos de investigações de manipulação, as casas de apostas continuem tendo prejuízos de “milhões” e não procurem o Ministério Público.

— Isso é uma coisa que me causa muita estranheza. Assim, eu acredito que tem alguma coisa, eu não sei o que é, nem imagino.

Em resposta ao senador Eduardo Girão (Novo-CE), que também questionou sobre o interesse das chamadas bets no combate à manipulação, Marchetti concordou que as casas de apostas também são vítimas de fraudes.

— Vejo com bons olhos uma casa de apostas patrocinar um serviço de integridade para uma federação esportiva, ou patrocinar um workshop para os clubes que patrocina.

Textor

Também em resposta a Romário, Marchetti disse que a SportRadar não detectou anomalias nas partidas mencionadas pelo empresário John Textor, sócio majoritário do Botafogo, como alvo de manipulação.

— Inclusive, a movimentação do mercado de apostas vai contra as alegações — explicou.

O presidente da CPI, senador Jorge Kajuru (PSB-GO), porém, citou a reunião secreta do colegiado com John Textor, na qual a maioria dos senadores teria visto indícios de provas. Marchetti disse que não podia falar sobre a metodologia de outras empresas de rastreamento de fraudes — Textor citou o trabalho da Good Game! —, mas defendeu a análise da SportRadar.

— Dentro da nossa técnica, dos nossos parâmetros de avaliação, que são (...) validados tanto cientificamente quanto pela Corte Arbitral do Esporte, a gente não verificou nenhuma evidência nem nenhum indício de manipulação de resultados nas partidas citadas.

Marchetti considerou que não haveria sentido uma acareação entre representantes da SportRadar e da Good Game!, mas declarou que “quem tem que explicar a metodologia com que trabalha é a empresa que está fazendo as acusações”.

‘Coincidência’

O senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) citou o caso do Globo Futebol Clube, de seu estado, que reuniu 16 atletas de todo o Brasil com “vestígios de que já passaram por um tipo de manipulação”. Felippe Marchetti, citando relatórios, afastou a possibilidade de coincidência, lembrando que o Globo teria manipulado duas ou três partidas no Campeonato Potiguar, mas disse que não pode afirmar categoricamente que o clube tivesse conhecimento da fraude.

— A gente começa a levantar, cruzar evidências que a gente está pegando do mercado de apostas com histórico de atletas, e aí conseguir predizer, muitas vezes, o que pode acontecer.

Styvenson solicitou cópia de relatório da SportRadar que, analisando histórico de atletas e condição financeira das entidades, teria identificado dez clubes com potencial de manipulação, dos quais oito efetivamente estiveram envolvidos em casos de fraudes. Felippe Marchetti sublinhou que todos os relatórios de partidas suspeitas nos últimos dois anos já estão disponíveis para o exame da CPI.  

O senador Carlos Portinho (PL-RJ) avaliou que falta cuidado da CBF na detecção de fraudes, pois os campeonatos mais importantes do país são supervisionados pela SportRadar por meio de acordo com a Fifa para a emissão de relatórios de uma página.

— Não é possível que (...), mesmo depois de aberta esta CPI, a CBF não tenha feito a contratação mais robusta de um relatório de uma empresa, ou duas, ou três, ou quantas fossem necessárias para garantir a integridade das competições — opinou Portinho.

Crime organizado

Os senadores também manifestaram preocupação com a revelação de uma suposta dívida da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa — que comprou a empresa MCE, operadora de jogos da Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj) — com a organização Primeiro Comando da Capital (PCC). Felippe Marchetti declarou desconhecer o caso específico ou quaisquer casos de envolvimento do crime organizado em manipulação de resultados no Brasil, mas não descartou a hipótese.

— É o que a gente vê internacionalmente, por exemplo, na máfia da Albânia, que tem envolvimento com tráfico de armas e tráfico de pessoas. Esses caras têm envolvimento com manipulação de resultados na região dos Balcãs. Então, pensando com a cabeça de crime organizado, faria sentido o crime organizado se envolver com a questão de manipulação de resultados.

Styvenson, que apresentou à CPI requerimento de oitiva de representante da Loterj, manifestou desconfiança diante da “resistência” da agência de jogos do Rio de Janeiro à adoção de mecanismos de transparência e compliance.

— Tem que chamar aqui a estatal pra que ele possa esclarecer coisas como essa, o porquê de não chamar [a SportRadar]. Não sei se a SportRadar foi convidada, porque ele fez um workshop com o Paraná, mas não fez com a Loterj.

Kajuru acrescentou que não tem medo de enfrentar o PCC na CPI, se for necessário.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)