Brasil já teve 2 presidentes militares eleitos nas urnas

Ricardo Westin | 05/11/2018, 11h42

Quando subir a rampa do Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro se tornará o terceiro militar a ganhar a Presidência nas urnas. Antes de Bolsonaro, que é capitão reformado do Exército, os militares que governaram o país escolhidos pelo voto popular foram Hermes da Fonseca (1910-1914) e Eurico Dutra (1946-1950).

Os presidentes do passado, apesar de separados por três décadas, tinham muito em comum. Hermes e Dutra estavam no topo da hierarquia militar, eram idolatrados na caserna, ocupavam postos do alto escalão do governo e se lançaram na disputa pelo Palácio do Catete como candidatos do establishment.

Hermes era marechal e fora ministro da Guerra do presidente Affonso Penna. Dutra ocupava o posto de general e também chefiara o Ministério da Guerra, no governo ditatorial de Getúlio Vargas. Como ministros, executaram medidas que modernizaram as Forças Armadas, o que lhes rendeu o apoio maciço das tropas.

Os dois venceram a eleição sem grande esforço. Hermes foi o candidato oficial das oligarquias estaduais, que manipulavam a seu favor as urnas da República Velha. Na época de Dutra, as votações não sofriam tanta fraude. O que contou foi o apoio público que recebeu do sempre popular Vargas.

Hermes e Dutra também tinham suas diferenças. No Brasil de 1910, ser candidato militar era um problema. Em 1945, um trunfo.

Quem enfrentou o marechal Hermes nas urnas foi o senador Ruy Barbosa (BA). Segundo documentos históricos guardados no Arquivo do Senado, Ruy fez discursos em que atacou o adversário citando justamente a sua origem militar.

— As nações, senhores, não armam seus Exércitos para serem escravizadas por eles. As nações não fazem seus marechais para que eles venham a ser na paz os caudilhos de facções ambiciosas — bradou Ruy num discurso.

Na visão dele, qualquer fardado que chegasse à Presidência transformaria o Brasil numa ditadura, tal qual haviam feito os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Hermes, por sinal, era sobrinho de Deodoro.

General x brigadeiro

Para os aliados de Hermes, o Brasil não deveria temer a farda do marechal.

— Subindo ao poder, o marechal Hermes da Fonseca fará um governo eminentemente civil, sem que as classes militares se proponham a superpor-se ao elemento civil, porque este é o compromisso assumido por Sua Excelência perante o país, além de que na sociedade já vai passando a fase guerreira — argumentou o senador Cassiano do Nascimento (RS).

Ruy Barbosa batizou sua candidatura de Campanha Civilista. O chefe da nação, para ele, tinha que ser civil. Sem o suporte das elites estaduais, contudo, a Campanha Civilista naufragou.

Na campanha do general Dutra, ao contrário, a patente militar não serviu de arma para os adversários. Até porque o principal oponente também era um fardado, oriundo da Aeronáutica: o brigadeiro Eduardo Gomes.

O consultor legislativo do Senado Fernando Trindade, que tem formação em história, explica:

— Dutra governou logo depois que a Segunda Guerra Mundial acabou e no momento em que a Guerra Fria se iniciou. Nesse contexto belicoso, era natural que um militar assumisse o poder. Isso ocorreu não só no Brasil. Tivemos Churchill no Reino Unido, Perón na Argentina, Eisenhower nos Estados Unidos, De Gaulle na França.

No Brasil, militares apareceriam nas cédulas eleitorais até o golpe de 1964. Em 1950, Getúlio Vargas derrotou Eduardo Gomes, candidato outra vez. Em 1955, JK venceu o general Juarez Távora. Em 1960, Jânio Quadros bateu o marechal Henrique Lott.

Dutra tomou posse trajando farda, mas prometeu que não faria um governo militar e que seria “o presidente de todos os brasileiros”. A promessa foi cumprida. Ele permitiu que a Assembleia Nacional Constituinte elaborasse uma nova Constituição com total liberdade. Não reagiu sequer quando os constituintes lhe reduziram o mandato de seis para cinco anos.

— Depois do longo período de exceção em que vivemos [a ditadura do Estado Novo], o presidente Eurico Dutra aí está altaneiro, discreto e modesto, sem procurar popularidade barata, preocupado somente em cumprir o seu dever — discursou o senador Novaes Filho (PSD-PE).

— O senhor presidente conhece perfeitamente suas atribuições e diz, proclama, grita e tem demonstrado com a eloquência dos exemplos que jamais sairá do seu “livrinho vermelho”, que é a Constituição — acrescentou o colega Olavo Oliveira (PSP-CE).

Enquanto Dutra encerrou o mandato com a popularidade nas alturas, Hermes saiu execrado do Catete. Seu governo foi marcado por um truculento estado de sítio, pela execução dos rebeldes da Revolta da Chibata e pela intervenção federal em diversos estados, com a derrubada de governadores e o bombardeio de Salvador.

Viúvos no Catete

No âmbito familiar, uma infeliz coincidência aproxima Hermes e Dutra. Ambos ficaram viúvos durante o mandato. A mulher do marechal, Orsina da Fonseca, morreu em 1912. No dia seguinte, o senador Nilo Peçanha (RJ) propôs ao Senado que criasse uma comissão para levar um abraço de condolências ao presidente.

— Penso que o Senado não é insensível ao desgosto por que acaba de passar o chefe da nação pela perda irreparável de sua estremecida esposa — afirmou Nilo, que obteve a aprovação de sua proposta por unanimidade. Hermes voltaria a se casar em 1913, com a caricaturista Nair de Teffé.

A mulher do general, Carmela Dutra, morreu em 1947. Católica radical, ela tinha o apelido de Dona Santinha.

— O infausto acontecimento privou a sociedade brasileira de um dos seus mais nobres ornamentos. Dona Carmela enobreceu a sociedade pela inteligência e pela força militante da sua profunda fé católica — discursou o senador Georgino Avelino (PSD-RN).

O Brasil também teve militares que viraram presidentes sem passar pelo crivo popular. Foram sete, que chegaram ao poder após golpes. Os primeiros foram Deodoro e Floriano, protagonistas da derrubada da Monarquia, em 1889. Depois, os generais da ditadura de 1964: Humberto Castello Branco, Arthur da Costa e Silva, Emílio Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo. O historiador e militar reformado Sergio Murillo Pinto, autor do livro Exército e Política no Brasil, afirma:

— Os militares, em mais de uma ocasião, entraram na política atropelando a Constituição. Hermes e Dutra mostram que houve exceções. Hermes fez um governo desastroso, mas Dutra garantiu a volta do país à normalidade democrática. Para a democracia, o importante é que o presidente e o governo não sejam tutelados pelos militares e que a Constituição seja sempre respeitada.

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Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)