Aeronautas pedem inclusão da categoria nas regras de aposentadoria especial

Milena Galdino | 03/03/2020, 13h58

Representantes de pilotos, copilotos e comissários de bordo pediram, em audiência da Comissão de Direitos Humanos (CDH) nesta terça-feira (3), a inclusão dos aeronautas na lista de profissões com direito a aposentadorias especiais por exposição a agentes nocivos químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes (PLP 245/2019).

O PLP regulamenta a aposentadoria especial àqueles segurados do Regime Geral que exercem atividades expostos a agentes nocivos à saúde, bem como aqueles que põem em risco sua integridade física pelo perigo inerente à profissão.

Daniel Bianco, vice-presidente para a América do Sul da Organização Mundial de Pilotos de Linha Aérea (Ifalpa), calculou que os seis mil pilotos que trabalham no Brasil representam 0,006% na população geral de trabalhadores, de cerca de 100 milhões.

Ele contou que a própria idade é um fator de risco para a atividade dos pilotos, pela defasagem natural que a profissão causa nos sentidos: visão, audição e no equilíbrio. Além disso, Bianco apontou que há perda cognitiva e de tempo de reação.

— Tudo isso impacta a segurança do voo — afirmou.

As constantes mudanças de fuso horário e o trabalho noturno deterioram o metabolismo, segundo ele. Há também o aumento dos problemas cardiovasculares e de cânceres e o fato de pilotos e comissários de bordo serem os profissionais mais expostos à radiação solar, que aumenta conforme a altitude do voo.

— Também temos as alterações de pressurização, oxigênio e umidade das cabines.

Esse ponto foi o foco do presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Aeroespacial, Flávio Suto, na sua exposição. Ele acrescentou o ruído, as vibrações de corpo inteiro e as constantes diferenças atmosféricas na decolagem e aterrissagem como fatores de preocupação. Também lembrou que os comissários de bordo estão sujeitos às mesmas condições dos pilotos e a elas são submetidos ao longo do horário de trabalho.

— A exposição constante a uma baixa pressão atmosférica, chamada de hipobárica, causa fadiga, doenças neurológicas, cardiovasculares e descompressivas. Na camada onde voam os aviões, o ar é muito rarefeito, então a aeronave capta o ar externo, aquece, filtra e vai para dentro do espaço confinado da cabine, sendo um ar frio e seco — destacou o médico do trabalho.

Outros países

Daniel Bianco, da Ifalpa, citou como outros países lidam com as peculiaridades da aposentadoria de aeronautas. De acordo com ele, na Argentina a aposentadoria geral é de 60 anos para mulheres e 65 para homens, com 30 anos no mínimo de contribuição — regra semelhante à brasileira até a reforma da Previdência.

Segundo ele, as estatísticas colocam a expectativa de vida dos pilotos argentinos em 68 anos. Eles têm regime especial de aposentadoria: 50 anos de idade e 30 anos de serviço, sendo um ano de serviço reduzido a cada 400 horas voadas.

No caso do Uruguai, a regra geral é aposentadoria aos 60 anos (homens e mulheres), mas, após dez anos no ofício, pilotos e copilotos recebem bonificação de sete anos por cada cinco anos trabalhados a bordo de aeronaves de empresas nacionais.

Já nos Estados Unidos é adotado um regime misto entre o geral e o acordo coletivo da empresa. Na regra geral, quanto mais a pessoa trabalha, mais próxima da integralidade ela está. A idade para integralidade varia de 62 a 70 anos. No caso dos aeronautas, não há idade mínima de aposentadoria, mas o máximo é 65 anos. O piloto tem então duas fontes de renda da aposentadoria: aquela paga pelo governo e outra paga pelo fundo de previdência privada.

No Canadá, não há idade mínima: quanto mais contribuir, mais o trabalhador vai receber de aposentadoria. Naquele país a idade média de aposentadoria é de 63 anos, atingindo-se a integralidade com 65. Não há idade mínima para os pilotos se aposentarem também, mas na Air Canada — a maior empresa de aviação canadense — o tempo de aposentadoria é em média, de 50 anos de idade e 19 anos de serviço.

Já na Espanha, a regra geral é aposentadoria a partir de 65 anos, desde que haja 38 anos e meio de contribuição. No caso dos aeronautas, o tempo de serviço na função reduz o tempo de aposentadoria. Depois de 25 anos de serviço, o tripulante pode se aposentar sem perder a integralidade. No vizinho Portugal, a regra geral de 66 anos e três meses é reduzida para 65 anos, no caso dos que trabalharam pelo menos 15 anos em aeronaves.

A Bélgica, que vem gradativamente aumentando a idade para aposentadoria, reduz atualmente em dez anos a idade mínima de tripulantes de voo, sendo que pilotos e copilotos precisam comprovar 20 anos de serviço na cabine, enquanto os comissários, 23.

— Como se vê, no mundo inteiro não se buscam privilégios, apenas o reconhecimento de um trabalho que custa a saúde do profissional e que é estratégico e vital para os países e as sociedades — sintetizou Daniel Bianco.

Regulamentação

A audiência foi presidida pelo senador Paulo Paim (PT-RS). Ele lembrou que uma das maiores exigências de quem se opôs à PEC da Reforma da Previdência (PEC 6/2019, transformada na Emenda Constitucional 103/2019) foi a volta da previsão de aposentadoria especial para profissões que, de alguma forma, prejudicam sistematicamente a saúde dos profissionais — que havia sido tirada pela PEC. Paim disse que agora é preciso regulamentar cada caso particular para “dar direito a quem tem direito”.

O senador Esperidião Amin (PP-SC), relator do projeto que regulamenta aposentadorias especiais (PLP 245/2019) na Comissão de Assuntos Econômicos, afirmou que trazer segurança jurídica à aposentadoria dos aeronautas vai poupar a judicialização.  De acordo com ele, cerca de 85% dos pedidos de aposentadoria especial estão na Justiça para serem concedidos.

A advogada Márcia Furtado, representante do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), ressaltou que “a aposentadoria especial é uma forma de compensação para quem trabalhou com agentes nocivos à saúde”. Ela explicou que existe um custo alto pela judicialização dos pedidos de aposentadoria especial. Só em 2019, segundo a advogada, mais de 300 aeronautas recorreram ao sindicato pedindo ajuda para se aposentarem. Fora isso, há os advogados privados conduzindo ações dos seus clientes.

— Esse processo leva uns oito anos. O perito é pago, valores vão se acumulando com juros sobre juros e, quando sai a aposentadoria, o benefício é pago de maneira retroativa. Isso é um custo alto para a União. Melhor seria uma aposentadoria administrativa — sugeriu.

O presidente do SNA também estava na reunião. Ondino Neto frisou que o que está em questão não é apenas a aposentadoria especial de uma categoria, mas a segurança no transporte de 120 milhões de passageiros transportados todos os anos no Brasil.

— Estamos falando de um transporte seguro, por isso todas as vezes que vemos um fator de risco, ele precisa ser eliminado.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)