Violência política de gênero foi o tema da última exposição do II Ciclo de Palestras do Legislativo

O Ciclo é uma iniciativa do Programa Interlegis, do ILB, do Senado Federal em parceria com o Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados – CEFOR e com o Programa de Interação Legislativa – Prolegis.
30/09/2021 15h10

Partindo do conceito recentemente aprovado pelo Congresso Nacional para designar violência política contra as mulheres, a Assessora da Bancada Feminina na Câmara dos Deputados, Iara Aparecida de Oliveira Cordeiro, iniciou sua palestra apresentando as causas que caracterizam a violência de gênero.  A primeira delas é a violação do direito de votar e ser votada. Iara fez um histórico das violações e conquistas das mulheres desde o direito a votar, em 1932, quatrocentos anos depois dos homens. Cita o exemplo de Alzira Soriano, que mesmo antes de as mulheres terem adquirido o direito ao voto, foi eleita a primeira prefeita da América Latina, em 1928. Outra forma de violação dos direitos das mulheres à participação política é o acesso ao Fundo Eleitoral. Em 2018, as bancadas femininas da Câmara e do Senado apresentaram questionamento ao Tribunal Superior Eleitoral sobre o acesso aos recursos públicos destinados às campanhas eleitorais. Se há 30% de mulheres candidatas, elas deveriam ter direito a 30% dos recursos financeiros e ao tempo de propaganda no rádio e TV para fazerem suas campanhas defenderam as deputadas e senadoras. “O Tribunal acatou a representação e, com isso, a bancada feminina teve um aumento de 50% no número de mulheres eleitas. Eram 51 deputadas na legislatura anterior e, em 2018, foram eleitas 77 deputadas. Esse dado é muito importante para mostrar como o investimento é fundamental para a eleição de mulheres. E elas sendo eleitas é uma forma de combater a violência de gênero na política que as afastam dos espaços de poder de decisão”, afirma Iara Cordeiro.

Importância da participação da mulher na política

Usando um recurso fotográfico para mostrar que o problema da participação da mulher na política não é apenas no Brasil, Iara exibiu várias fotografias de reuniões de políticos em várias partes do mundo. Depois, tirava das fotos os homens, deixando apenas as mulheres, evidenciando assim o quanto é limitada a presença de mulheres nas esferas de poder mundial. Iara questiona, então, qual a importância da presença feminina na política. “Primeiro, porque só se legisla para aquilo que se conhece. Se o Parlamento for formado por homens brancos e idosos, as leis aprovadas vão refletir o que essas pessoas pensam”, Iara responde à própria indagação. “O direito a ter herança, a ter a guarda dos filhos, ao divórcio, ao próprio CPF, a uma conta no banco, a estudar, a frequentar uma universidade, o direito ao serviço público, tudo isso foi garantido pela luta de diversas mulheres que questionavam o status quo e exigiam presença na sociedade porque eram integrantes dessa sociedade”, acrescenta Iara.

Bancada feminina da Câmara dos Deputados

Mais de 200 projetos defendidos pela bancada feminina já foram aprovados pela Câmara dos Deputados nesta legislatura, segundo dados apresentados por Iara. “Um deles foi o que tipifica o feminicídio. Antes, a mulher era assassinada ou sofria violência que a deixava deficiente, como foi o caso de Maria da Penha, e não existiam dados sobre essas violências. Hoje é possível mensurar esses fatos. Antes, a cultura que existia na sociedade era de que ‘em briga de marido e mulher ninguém põe a colher’. Deixa que eles resolvam. Quando na verdade a coisa não é bem assim”, exemplificou Iara Cordeiro, que apresentou uma série de leis que foram aprovadas em benefício das mulheres. “A gente precisa falar muito sobre a violência política de gênero porque na medida em que você fala, que você esclarece, que mostra que esse é um problema, as pessoas deixam de naturalizar essa violência como uma coisa de fazer política, quando na verdade não é”, defende Iara.

Dificuldades das mulheres em participar da política

Iara apontou várias causas que dificultam a participação das mulheres na política. A primeira delas diz respeito à socialização tradicional dos papéis da mulher. A sociedade já espera que a mulher se case, seja mãe, dona de casa, cuide do marido e dos filhos. É um papel desenvolvido dentro de casa, e não fora. A segunda causa é o desequilíbrio das responsabilidades familiares em prejuízo das mulheres. “As mulheres têm uma sobrecarga muito maior dos cuidados. Elas cuidam mais das crianças, dos enfermos, do próprio marido, da casa - que exige uma logística enorme para administrar. Isso recai tudo sobre a mulher, quando deveria ser dividido entre todos que compartilham aquele espaço. Tem maridos que dizem que ajudam. Mas, quando se diz que ajuda, é porque entende que essa não é obrigação sua. É obrigação do outro”, exemplifica Iara. Outras causas são: a estereotipagem da mulher mãe, dona de casa; uso de temática exclusiva – mulher não entende de orçamento, tem que cuidar do social, da educação; exclusão na seleção para liderança dos partidos – as mulheres nunca são escolhidas; e a existência de poucos espaços que apoiam a participação feminina, como a existência de creches.

E, por último, Iara falou das violências invisíveis e de gênero na política. Sobre essa dificuldade, apontou a interrupção sistemática feita pelos homens quando uma mulher faz uso da palavra; o hábito de chamar a mulher de louca, histérica, descontrolada, para desacreditá-la; e a terceira violência invisível, aquela na qual os homens roubam das mulheres o crédito por suas realizações. Iara citou exemplos de mulheres que tiveram seus trabalhos roubados pelos maridos.

Outros assuntos abordados

A criação do Observatório Nacional da Mulher na Política fez diferença no tratamento dado pela imprensa às mulheres, e a violência política e eleitoral contra elas, que transformou-se em lei aprovada recentemente pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República (Lei 14.192 de 04/08/2021).

Iara destaca ainda que a Violência Política de Gênero não se limita ao momento eleitoral: mulheres sofrem a violência antes das eleições, durante e quando assumem os mandatos. A violência política vivenciada pelas mulheres é diferente da vivenciada pelos homens; tem natureza sexual, envolvendo o corpo e a moral: peso, roupas, identidade sexual, sexualidade. “A Violência Política de Gênero é muito difícil de ser identificada porque as mulheres acabam, de alguma forma, se responsabilizando pela agressão que sofrem e não denunciam. Sofrem tudo em silêncio, sozinhas. Até porque se denunciarem, se levarem pro Conselho de Ética, a denúncia não tem prosseguimento”, afirma Iara.

Ela encerra apresentando dados de pesquisas que mostram que as administrações de serviços públicos geridos por mulheres são mais eficientes. Que as prefeituras administradas por mulheres conseguem reduzir drasticamente o índice de mortalidade infantil. E que elas também são mais produtivas no Parlamento.  “Um estudo sobre a Câmara dos Deputados mostrou que as mulheres foram proporcionalmente mais produtivas do que os homens, tanto em número de proposições apresentadas quanto em proposições aprovadas, e que possuem forte atuação em temas ligados às violência contra a mulher, participação política feminina e direitos humanos”, finaliza Iara sobre a atuação das mulheres no Congresso Nacional.

Currículo

Iara Cordeiro é formada em Administração, pós-graduada em Gestão e Políticas Públicas pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo FESPSP, com formação no Curso Internacional em Políticas Públicas, Justiça e Autonomia das Mulheres na América Latina e Caribe, pelo Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais – CLACSO. Atuou como assessora no  Programa Nacional da Gestão Pública e Desburocratização GesPública, entre 2007 e 2011; como Diretora Social da Administração Regional de Brasília RA  I, entre 2011 e 2013; e como Assessora Técnica da Bancada Feminina na Câmara dos Deputados, entre 2013 e 2016, onde foi membro do Comitê Gestor Pró-Equidade da Câmara dos Deputados e do Conselho Editorial da Campanha Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha, da Secretaria de Políticas para as Mulheres SPM. Foi eleita Conselheira Tutelar do Jardim Botânico – DF no triênio 2016/2019. Atualmente, é assessora da Bancada Feminina na Câmara dos Deputados.

No final da apresentação, Iara Cordeiro respondeu às perguntas enviadas pelas(os) participantes.