Artigo de Renan Calheiros sobre Dia do Direito ao Consumidor

Secretaria de Imprensa da Presidência do Senado - Sexta-feira, 15 de Março de 2013
15/03/2013 00h00

No dia de hoje comemora-se o Dia Mundial dos Direitos do Consumidor. Essa data nos remete ao presidente norte-americano John Kennedy, que, em 1962, enviou ao congresso a mensagem em defesa do direito dos consumidores. A iniciativa abriu caminho para as atuais leis de proteção ao consumidor em todo o mundo. 

No Brasil, o tema adquiriu importância quando movimentos populares, na metade do século passado, reclamavam contra o custo de vida e a falta de produtos essenciais. Desde então, já se plantava na sociedade brasileira as noções básicas de proteção aos consumidores. 

Em 1976, em São Paulo, o tema tomou corpo com a criação do Grupo Executivo de Proteção ao Consumidor. Em meio a uma crescente inflação, devido aos efeitos de uma grave crise econômica, tais movimentos já sugeriam a criação de uma instituição que cuidasse dos direitos dos consumidores. 

A consequência natural foi a inclusão do tema no rol de direitos e garantias fundamentais dos cidadãos na Constituição Federal de 1988, seguindo exemplos bem sucedidos de países como Portugal e Espanha. 

Dessa forma, tornou-se ainda mais evidente a necessidade de um texto legal que unificasse e fortalecesse a noção de que o consumidor, a parte vulnerável nas relações de consumo. 

Em 1990, surgiu a Lei 8.078, que se tornou conhecida como o Código de Defesa do Consumidor. Uma iniciativa, é sempre imperioso frisar, uma contribuição do Congresso Nacional para aprimorar a cidadania no Brasil.

O código, reconhecido como um dos mais evoluídos do mundo, foi o grande marco na evolução da defesa do consumidor brasileiro. O Brasil é uma das poucas nações a conferir o status de código ao tema defesa do consumidor, o que fortaleceu sua aceitação social.

O Código de Defesa do Consumidor é a maior contribuição do direito privado brasileiro para os outros países. Ele nos colocou na vanguarda da legislação mundial. Por isso, o nosso texto legal continua, após duas décadas, servindo de inspiração para vários países que pensam em adotar legislações semelhantes.

O Código de Defesa do Consumidor é um assunto que muito me diz a respeito. Em 1998 e 1999, quando ocupei o Ministério da Justiça, participei ativamente de sua consolidação e expansão para que ele não se tornasse uma daquelas leis que não pegam. As ações no Ministério deram-lhe força institucional para torná-lo conhecido e, sobretudo, fazê-lo respeitado. 

Recordo-me da proibição de envio de cartões de crédito a consumidores, sem a devida solicitação, fato esse que gerava uma série de contratempos e de abuso nas relações de consumo. A medida acabou com a prática desrespeitosa das administradoras que enviavam os cartões não solicitados e cobravam anuidade. As bandeiras dos cartões perceberam que o código de Defesa do Consumidor era para ser respeitado. 

Outra inovação implementada foi a obrigatoriedade da indicação de preços nos produtos vendidos em supermercados. 

O código exigia e ainda exige que o preço seja colocado no produto e não apenas nas gôndolas, como se fazia. Nosso esforço foi fazer entender que não estávamos contra o código de barras, que, sem dúvida alguma, agiliza os procedimentos comerciais. Os dois mecanismos podem coexistir.

Por meio de Termos de Ajustamento de Conduta, evitamos muitos conflitos e milhares de ações judiciais que poderiam estar entulhando os nossos tribunais. Lembro-me especialmente de dois exemplos: na crise cambial de 1998, quando o dólar explodiu, muitos consumidores perderam as condições de honrar prestações de automóveis indexadas à moeda norte-americana. 

As financeiras de leasing não tinham interesse algum em retomar tamanha quantidade de veículos financiados. Foi um impasse. Mas, por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta com financeiras, bancos de montadoras, consumidores os prazos contratuais foram dilatados. Dessa forma, os compradores puderam honrar os pagamentos, evitando-se, assim, um trauma econômico no Brasil.

O mesmo ocorreu com os fabricantes que vendiam lâmpadas inadequadas para a voltagem da rede brasileira, fato que diminuía a vida útil desse produto. Foi então celebrado um Termo de Ajustamento de Conduta e o problema solucionado sem a necessidade de judicialização do litígio.

Assim, todas essas ações contribuíram para a consolidação do Código de Defesa do Consumidor. Mas, como se sabe, também as leis se subordinam à ação deteriorante do tempo. 

Novas relações de consumo surgiram com a rede mundial de computadores e muitos outros entraves entre comerciantes e consumidores se apresentam com a evolução da tecnologia e ainda com novas formas de relacionamento comercial. Diante da complexidade das relações de consumo, imposta, principalmente, pelo comércio eletrônico, o Senado criou uma comissão modernizar o texto do Código de Defesa do Consumidor. 

Comissão esta que foi brilhantemente conduzida pelo ministro Hermann Benjamin, um dos melhores especialistas da matéria a quem rendo minhas mais sinceras homenagens.

Dentre uma série de adequações a serem introduzidas no código está a preservação da autodeterminação e da privacidade dos dados pessoais. Nesse quesito, é importante ressaltar, as alterações deverão tipificar como infração penal o ato de veicular, hospedar, exibir, licenciar, alienar, utilizar, compartilhar, doar ou de qualquer forma ceder ou transferir dados, informações ou identificadores pessoais, sem a expressa autorização de seu titular e consentimento informado, salvo exceções legais. 

A premissa básica que norteia o aprimoramento do código é manter os direitos dos consumidores. O amadurecimento da consciência de que o consumidor é a parte mais frágil na relação de consumo deu-nos, a todos, a certeza de que esse marco legal deve ser revisto para acompanhar as inovações do mercado de forma que os consumidores continuem desfrutando da proteção que merece. 

Em boa hora a presidente Dilma Rousseff anunciou a criação de uma nova política federal de defesa dos consumidores. O governo anunciou medidas na manhã de hoje, da qual tive a honra de participar, que transformará a defesa do consumidor, de fato, em uma política de Estado no Brasil e vai fortalecer os Procons, vitais na defesa do cidadão. 

O governo vai enviar um projeto de lei ao Congresso que prevê que os acordos feitos em todos os Procons serão considerados títulos executivos judiciais, o que pretende evitar que os consumidores tenham que procurar o judiciário. Além disso, as decisões se tornarão jurisprudência, reduzindo a necessidade de buscar os próprios Procons.

Foram anunciadas ainda medidas específicas para o comércio eletrônico: um decreto vai garantir que consumidor terá direito a informações claras e objetivas sobre a empresa e sobre o produto que eles está adquirindo. 

Além disso, esse mesmo decreto vai obrigar as lojas online a criar canais de atendimento ao consumidor e vai estabelecer procedimentos para quando o cliente se arrepender de uma compra.

Esse é o papel das instituições: fazer e aprimorar leis de forma que o cidadão seja integralmente contemplado. Aqui tramita, por exemplo, o projeto de lei 50/2012 do senador Lobão Filho, do qual fui relator, que aumenta o valor das causas aceitas pelos juizados especiais cíveis estaduais de 40 para 60 salários mínimos. A proposta modifica o Código de Defesa do Consumidor para proibir a apelação a instâncias superiores da Justiça em ações individuais envolvendo relações de consumo e inferiores a 60 salários mínimos. Aproveito este momento para fazer um apelo ao Presidente da CCJ, meu amigo Vital do Rego, no sentido de agilizar a análise desta matéria.

Por fim desejo reafirmar o nosso compromisso com a manutenção e ampliação dos direitos dos consumidores nas relações comerciais do país, que é também dever do Senado e uma forma de promover a justiça social.

Renan Calheiros
Presidente do Senado Federal

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