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A desigualdade do ensino público no Brasil ficou evidenciada ao longo dos quase dois anos da pandemia de covid-19 que afetou o mundo e interrompeu aulas presenciais devido à necessidade de isolamento social. Estudantes carentes, sem condições de acesso a computadores ou tablets, professores sem banda larga percorrendo longas distâncias em busca de sinal de internet e desmotivação generalizada estão entre os problemas que mais afetaram a educação no país.
Um quarto das escolas públicas não tem acesso à internet, conforme o Censo Escolar 2020. Mesmo nas instituições com conectividade, 70% dos professores em áreas urbanas têm dificuldade em usar a tecnologia devido à baixa velocidade da conexão, segundo a Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nas Escolas Brasileiras, de 2019, do Comitê Gestor da Internet no Brasil. Levantamento feito pela Fundação Lemann com cerca de 27 mil escolas públicas brasileiras, usando dados do censo e um medidor de velocidade, o Simet, apontou que apenas 5.425 instituições de ensino dispõem de banda larga em velocidade adequada. Para chegar a essa conclusão, divulgada em agosto, os pesquisadores usaram o critério do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) que define a velocidade de acordo com o tamanho da escola.
Com debates no Plenário e em comissões e a apresentação de diversas propostas legislativas, senadores se mobilizaram na busca de medidas para minimizar os prejuízos na formação dos 47,3 milhões de estudantes matriculados na educação básica, segundo números do Censo Escolar de janeiro de 2021.
Ao longo dos últimos dois anos, as Comissões de Educação (CE) e Senado do Futuro (CSF), a Subcomissão Temporária para Acompanhamento da Educação na Pandemia e a Comissão Temporária da Covid-19 aprofundaram a discussão. Presidente da CSF, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) disse em entrevista à Agência Senado que a educação pública no Brasil já apresentava deficiências em "tempos normais", sendo preocupante o agravamento do quadro durante a crise sanitária. Um exemplo apontado pelo parlamentar foi a dificuldade de acesso de muitos estudantes às tecnologias para aulas em caráter remoto, principalmente nas escolas de regiões mais empobrecidas do país. Izalci criticou a ausência de atuação efetiva do poder público na área e afirmou que “falta de investimento em educação mata uma geração inteira".
— Já sabíamos que existia essa situação, mas a crise sanitária nos esclareceu que o problema é muito maior do que o imaginado. Em Brasília, capital da República, 30% dos alunos não tiveram acesso, durante dois anos, a qualquer instrumento tecnológico. Nossa escola deixou de ser atrativa e isso está acabando com sonhos dos jovens. Não se faz educação de qualidade sem um mínimo de estrutura e orçamento. Precisamos deixar o discurso e promover de fato a eficiência: Investir em ciência, em laboratórios e prestigiar e valorizar os professores e diretores de escolas, que são heróis — disse Izalci.
Esperança
Presidente da CE, o senador Marcelo Castro (MDB-PI) considera "constrangedora" a posição do Brasil em rankings como o do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), que mede o desempenho escolar e é aplicado a cada dois anos desde 2000. À Agência Senado, Castro apontou a necessidade de uma “corrida das autoridades" para, pelo menos, diminuir a baixa classificação e a descontinuidade do ritmo do ensino em comparação com outros países.
Para o senador, um sinal do empenho dos parlamentares por melhorias na educação foi a aprovação e promulgação da emenda constitucional que tornou permanente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Ele mencionou ainda a apresentação do PLP 235/2019, que institui o Sistema Nacional de Educação (SNE). Trata-se de uma política similar ao Sistema Único de Saúde (SUS) e ao (Sistema Único de Segurança Pública (Susp), com o objetivo de alinhar políticas da União, dos estados e dos municípios, em articulação colaborativa.
Entre as diretrizes do sistema, estão: universalizar o acesso à educação básica e garantir padrão de qualidade; erradicar o analfabetismo; garantir equalização de oportunidades educacionais e articular os níveis, etapas e modalidades de ensino. A proposta foi aprovada pela CE em novembro, na forma de um substitutivo do senador Dário Berger (MDB-SC), e aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), antes de seguir para o Plenário.
— Não tenho dúvidas de que o Fundeb, aprovado em 2020, e o SNE serão saltos gigantescos para o aprimoramento da qualidade do ensino no Brasil — avaliou o parlamentar.
Educação X Economia
Educador por formação, o senador Flávio Arns (Podemos-PR) é autor do PLP 235/2019 e presidente da Subcomissão Temporária para Acompanhamento da Educação na Pandemia, instalada em setembro de 2021. O colegiado promove ciclos de debates sobre o cenário da educação no Brasil durante a crise sanitária causada pelo coronavírus, no intuito de propor melhorias. Em entrevista à Agência Senado, Arns considerou fundamental o empenho do Congresso sobre o tema, "já que a educação exerce papel fundamental sobre a recuperação econômica do país".
Professora de duas escolas municipais em Santa Cruz do Capibaribe (PE), Francisca Pereira Araújo relata a batalha diária dos docentes para minimizar os danos sobre o aprendizado e garantir que os alunos não fiquem sem aulas: abrir mão da privacidade ao transformar as próprias casas em salas de aulas, enfrentar longas caminhadas em busca de acesso à internet e dar aulas embaixo de árvores. Francisca ressalta que, além das dificuldades enfrentadas, os professores foram obrigados a superar o medo da doença, a preocupação com a contaminação de parentes idosos e o acompanhamento de familiares acometidos com covid.
Mas tanto empenho — aliado a ações que tentaram unir escolas, famílias e estudantes — não conseguiu evitar prejuízos incalculáveis para a educação. Na pandemia, crianças e jovens frequentaram pouco as aulas. Outros não puderam nem cumprir as atividades previstas. Os motivos são muitos: falta de acesso a computador ou a internet, a contaminação pela covid, ter largado os estudos para trabalhar ou ter sido obrigado a executar tarefas domésticas e cuidar de alguém da família que ficou doente. Para a professora Francisca, os danos são de difícil reversão e serão refletidos e contabilizados ao longo dos próximos anos.
— Muitos professores não sabem usar plataformas como YouTube, não têm celulares ou notebooks de qualidade; a memória é pequena nos poucos aparelhos disponíveis e há baixa velocidade para comportar tanto material e tantas mensagens. Outros também foram afetados pelo medo, com a insegurança pelo vírus, vivenciando luto pela perda de parentes. Foi um período muito desafiador, com muitas dores e dificuldades. Nada substitui professores e alunos em sala de aula. Então, toda essa situação trará resultados que vamos levar muito tempo para reverter — lamentou.
No 3° ano do ensino médio da Escola Estadual Professora Calpúrnia Caldas de Amorim, em Caicó (RN), Maria Aparecida Diniz Faustino, de 20 anos, disse que perdeu a noção dos dias sem aulas até a implantação do ensino remoto. Foi um período de o alto nível de desgaste da equipe escolar na busca por técnicas alternativas de estudo, o que tornou o período ainda mais conturbado, afirma. Segundo Aparecida, as aulas a distância iniciadas após meses sem respostas provocaram uma “redução absurda de número de alunos com o passar do tempo”.
— No começo foi legal, embora difícil nos acostumarmos com essa rotina. Atividades exageradas, numa carga diária até duas vezes maior e da qual não estávamos dando conta. A experiência com as aulas remotas foi interessante, mas não substitui o ensino presencial. Houve muitas desistências, muitos saíram da escola e buscaram trabalho em lojas ou supermercados. Mas, sem estudo, não tem faculdade, nem emprego.
Ouvidos pelos senadores ao longo de 2021, especialistas sugeriram medidas como a adoção da educação inclusiva para todos, medidas que atenham o aprendizado ao essencial para crianças e jovens em cada etapa e chances de retomada de teor para quem teve conteúdos perdidos. Em debate na CSF no dia 5 de novembro, o presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Luiz Miguel Martins Garcia, também cobrou ações para a valorização dos profissionais da educação, com possibilidade de melhorias em formação e crescimento na carreira, bem como avaliações periódicas do ensino. Para o debatedor, o país precisa aproveitar o potencial de transformação do aprendizado proporcionado pelo pós-crise pandêmica.
Outra participante de audiência pública da CSF, a diretora-geral do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Cláudia Costin, informou que 54,73% dos estudantes acima dos 8 anos de idade estão em níveis insuficientes de leitura no Brasil. Somente 10,8% dos jovens do terceiro ano do ensino médio aprenderam o suficiente de matemática e, 37,1%, de português, conforme pesquisas de 2019. Metade dos jovens brasileiros de 15 anos não têm nível básico de proficiência em leitura, conforme dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) de 2018 apresentados pela especialista.
Cláudia Costin afirmou, no entanto, que nem todas as notícias são ruins. Segundo ela, a educação no Brasil também apresenta dados positivos que trazem a sensação de "copo meio-cheio". Um exemplo é o fato de que, em 2019, 69% dos jovens de 19 anos tinham concluído os estudos — uma evolução comparando-se a 2012, quando a taxa foi de 52%.
Uma possível retomada obrigatória das aulas presenciais em 2022 ainda não é consenso entre especialistas da área. Divergências sobre o fim do ensino híbrido ou remoto no país foram expostas em audiências públicas como a que discutiu caminhos para a recuperação da educação, promovida pela subcomissão que acompanha o tema.
Na ocasião, a coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, considerou inadmissível que todos os estudantes e profissionais de educação sejam obrigados a comparecer às escolas, apesar da queda no número de mortes com o avanço da vacinação. Senadores e especialistas concordam, no entanto, que é preciso agir para recuperar o déficit educacional provocado pela pandemia e que é possível resgatar o atraso educacional provocado pela crise sanitária.
Em debate na mesma subcomissão, em 3 de novembro, o relator das emendas destinadas à educação na Comissão Mista de Orçamento (CMO), senador Wellington Fagundes (PL-MT), anunciou que os recursos para o Ministério da Educação devem ter aumento da ordem de 28% em 2022, em comparação a 2021, podendo chegar a R$ 134,7 bilhões. Com esse incremento de verba, o parlamentar se mostrou otimista quanto à adoção de medidas para garantir um retorno seguro dos estudantes às escolas em todo o país, num cenário de pós-pandemia.
Corrida contra o tempo
Reforçam as ações dos parlamentares nessa “corrida contra o tempo”, propostas como o PL 3.520/2021, da senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE), que institui o Plano Nacional de Enfrentamento dos Efeitos da Pandemia de Covid-19 na Educação, a derrubada do veto ao PL 3.477/2020, que destina R$ 3,5 bilhões da União garantir serviços de internet aos estudantes da escola pública, e a execução da Lei 13.987, de 2020, originária do PL 786/2020, que permitiu a distribuição dos alimentos da merenda escolar às famílias dos estudantes que tiveram as aulas suspensas.
Engrossam a lista o PL 3.462/2020, do senador Paulo Paim (PT-RS), que cria o auxílio-conexão. A intenção é assegurar a pessoas de baixa renda acesso à educação a distância gratuita por meio de internet de banda larga durante o período de calamidade pública. E o PL 3.491/2020, do senador licenciado Confúcio Moura (MDB-RO), que disponibiliza crédito para a aquisição de computadores e tablets destinados a estudantes da rede pública do ensino básico.