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A área desmatada em 2019 na Amazônia, a maior floresta tropical do planeta, foi 30% superior à destruída em 2018. No mesmo período, o número de autuações por crime ambiental no país caiu 20%. Esses são dados do primeiro ano de governo do presidente Jair Bolsonaro, que tomou posse em janeiro de 2019. De acordo com analistas do setor ambiental, já é certo que, em razão do ritmo atual, os índices de desmatamento na Amazônia vão aumentar em 2020 na comparação com 2019.
Nesta sexta-feira (5), comemora-se o Dia Mundial do Meio Ambiente, data instituída pela Organização das Nações Unidas em 1972. A Agência Senado entrevistou um senador que defende e outro que condena as medidas ambientais do governo — respectivamente, Marcio Bittar (MDB-AC) e Fabiano Contarato (Rede-ES). Os dois concordam que, em relação ao que o Brasil vinha fazendo ao longo das décadas anteriores, Bolsonaro deu uma guinada de 180o na política federal para o meio ambiente. Para Bittar, a mudança de rumo é positiva. Na avaliação de Contarato, é danosa para o Brasil e o planeta.
— O presidente acerta. O Brasil tem, sim, graves problemas ambientais. Mas eles não estão na floresta ou no campo. Eles estão na cidade, como a falta de saneamento básico — avalia Bittar.
— O meio ambiente está sendo vilipendiado, sucateado, desmantelado, destruído, arrasado. Neste Dia Mundial do Meio Ambiente, infelizmente, não temos o que comemorar — afirma Contarato, que é presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado.
De acordo com Marcio Bittar, é preciso “parar de tratar a Floresta Amazônica como um santuário”, porque, segundo ele, isso é prejudicial para a população que vive na Região Norte:
— Todo mundo acredita que o maior problema do Norte é o desmatamento. Isso é uma imbecilidade. Se o desmatamento fosse mesmo um problema, a Europa hoje não existiria, os Estados Unidos não existiriam. Esses lugares são ricos justamente porque no passado alteraram a vegetação nativa. Os lugares pobres, ao contrário, não a alteraram. Nós temos 86% do bioma amazônico preservado, e o Norte é a região mais pobre do Brasil, mais até do que o Nordeste. Se preservar a vegetação fosse mesmo sinônimo de riqueza, nós seríamos hoje a região mais rica do Brasil.
Bittar descreve a Região Centro-Oeste como exemplo de sucesso. Ele ressalta que a agropecuária avançou sobre a vegetação do Cerrado nas últimas décadas, mudando a paisagem e elevando fortemente a produção nacional de alimentos. O Norte, ao contrário, está subutilizado, segundo ele. O senador diz que, por causa das exigências ambientais, muitos recursos naturais que poderiam ser extraídos do subsolo da Amazônia, como gás e petróleo, acabam ficando intactos.
— Na questão da Amazônia, o grande desafio é preservar o homem e melhorar a qualidade de vida. Fala-se tanto da floresta, mas se esquece do homem que está lá dentro e vive numa situação paupérrima e insalubre. Eu cito, por exemplo, o Igarapé São Francisco, que corta a cidade de Rio Branco ao meio e virou um esgoto a céu aberto. Falta aterro sanitário nas cidades, temos a questão do lixo hospitalar. Em São Paulo, veja o caso do Rio Tietê.
De acordo com Bittar, o exagero na preocupação com a Amazônia é resultado da pressão de países que não cuidaram das próprias florestas:
— Lacramos a Amazônia por causa de países como a Noruega e a Alemanha. A maior parte do PIB [Produto Interno Bruto] da Noruega vem de petróleo e gás. A Alemanha investe pesado em usinas termelétricas à base de carvão. A coisa é tão descarada que esses países fazem exatamente aquilo que dizem que nós não devemos fazer. É má intenção. Eles fazem uma lavagem cerebral nas pessoas. Resulta disso uma grande desinformação no Brasil. Se derrubam uma árvore na Amazônia, o camarada no Sul e no Sudeste até chora. Mas se morre alguém numa reserva extrativista da Amazônia, ninguém fica chocado. Parece que as coisas valem mais que os seres humanos.
Fabiano Contarato, por sua vez, afirma que o governo Bolsonaro provoca um enfraquecimento e até uma destruição deliberada das estruturas governamentais de preservação do meio ambiente. Como exemplos disso, ele cita a transferência da gestão das florestas públicas das mãos do Ministério do Meio Ambiente para as do Ministério da Agricultura, a extinção da Secretaria de Mudanças do Clima e da Coordenação de Educação Ambiental (esta ligada ao Ministério da Educação) e a diminuição da presença de representantes da sociedade civil no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama, órgão consultivo do Ministério do Meio Ambiente).
— Além disso, funcionários do Ibama e do ICMBio responsáveis pela fiscalização de crimes ambientais vêm sendo vítimas de assédio moral. Órgãos ambientais que eram comandados por técnicos foram ocupados por militares. ONGs estão sendo criminalizadas — alerta o senador.
Contarato lembra que, antes de ser eleito presidente da República, Bolsonaro já defendia o fim do Ministério do Meio Ambiente.
— Por causa da pressão, ele não conseguiu fazer isso de direito, mas está conseguindo fazer de fato. Após 28 anos de sua criação, o Ministério do Meio Ambiente está sendo desmantelado.
Segundo o senador, o interesse do governo ao adotar tal política é privilegiar grupos econômicos que lucram com o avanço sobre o meio ambiente. Ele afirma que essa é uma “visão míope”, uma vez que já está demonstrado que a economia e o meio ambiente não são incompatíveis e podem andar lado a lado.
Ainda de acordo com Contarato, o governo federal está violando o artigo 225 da Constituição (“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”). Ele afirma que, por essa razão, apresentou em torno de 50 ações judiciais contra o presidente Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
— Ao permitir o desmatamento, a grilagem de terras, a liberação recorde de agrotóxicos e a extração de minérios em minas inseguras, o governo está, no fim das contas, violando o principal bem jurídico que existe: a vida humana. Sem o meio ambiente protegido, não existe vida. Embora seja óbvio, isso é algo que o governo nega. Nós, no Senado, precisamos ser mais proativos e ter mais coragem e resistência para fazer valer aquilo que está estabelecido na Constituição Federal.
As ações tomadas por Bolsonaro e Salles despertaram as críticas de todos os ex-ministros do Meio Ambiente. Em maio de 2019, oito antigos titulares da pasta assinaram um documento conjunto, apesar das divergência ideológicas entre eles, denunciando o desmonte das políticas de preservação do meio ambiente.
Em setembro, o Ministério Público Federal elaborou um documento contendo uma série de recomendações necessárias para que o Ministério do Meio Ambiente voltasse a efetivamente cuidar da conservação ambiental.
A Agência Senado solicitou ao Ministério do Meio Ambiente entrevista com algum porta-voz que comentasse as políticas da pasta. Como resposta, foi enviado um vídeo curto em que o ministro Ricardo Salles fala sobre o Dia Mundial do Meio Ambiente. Entre outros pontos, ele afirma que haverá a liberação de verbas para a conservação de floresta, o fechamento de lixões e a transformação de lixo em energia elétrica.
O professor de gestão ambiental Raoni Rajão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que quem atua no desflorestamento ilegal não são as grandes indústrias do agronegócio, que compreendem a importância de manter as florestas de pé, mas sim alguns empresários do setor rural, que desmatam além do permitido por lei para ampliar irregularmente a sua área de exploração, e também os grileiros, que invadem terras públicas, obtêm a titulação delas, desmatam essas áreas para valorizá-las e depois as revendem.
— Setores do agronegócio mais ligados à indústria e à exportação sabem que explorar o meio ambiente de forma predatória é, no fim das contas, um tiro no pé. Em primeiro lugar, porque a destruição da floresta contribui para as mudanças climáticas em todo o planeta. Minha equipe, por exemplo, fez estudos que mostraram a relação do desmatamento em Mato Grosso e Rondônia com a redução de um mês na estação chuvosa. Isso é um golpe mortal na possibilidade de haver duas safras por ano numa mesma área. Em segundo lugar, porque o acesso de produtos brasileiros como couro, carne e grãos aos mercados internacionais fica mais restrito: empresas boicotam, acordos comerciais se tornam mais difíceis. Os produtores sérios, que são a maioria, não podem silenciar diante disso. Se não querem ser confundidos com os produtores que praticam a agropecuária predatória, precisam repudiar fortemente a criminalidade ambiental.
Na avaliação de Rajão, a imagem do Brasil no exterior está se deteriorando rapidamente por causa da guinada nas políticas ambientais:
— Quando o governo diz que é preciso acabar com uma “indústria das multas” e que o Ibama não pode mais destruir os equipamentos usados no desmatamento, ele está passando uma clara mensagem. Quem está querendo cometer crime ambiental se sente motivado a agir. É como se a polícia avisasse que não vai mais reprimir o roubo de carros. Os ladrões vão passar a agir tranquilamente. Isso é ruim para a marca Brasil. Até pouco tempo atrás, o país era respeitado internacionalmente. Nós fomos a única nação tropical com níveis substanciais de desmatamento que conseguiu reduzi-lo em 80% entre 2004 e 2012. Foi a maior contribuição mundial em termos de redução na emissão de gases do efeito estufa. Agora a marca Brasil está perdendo a credibilidade. Por causa disso, é natural que os investidores estrangeiros como um todo deixem de aplicar dinheiro no país e escolham outros destinos. Qual empresa vai querer associar sua imagem a um país que é conivente com a exploração predatória do meio ambiente ou a incentiva? A economia nacional perde.
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O presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), Bartolomeu Braz, concorda que os grandes produtores rurais não são os responsáveis pelo desmatamento no país:
— O Código Florestal [de 2012] exige que as propriedades rurais tenham de 20% a 80% de sua área protegida, dependendo da região do país em que se localizem. A punição é severa para quem desmata além dessas porcentagens, e o produtor que age de forma ilegal ainda perde acesso ao crédito nas instituições financeiras. Todo esse cuidado com a sustentabilidade é muito importante para a imagem positiva da produção brasileira no mercado internacional. É, portanto, o produtor rural quem protege o meio ambiente no Brasil.
Braz, contudo, discorda de que a atual política ambiental seja negativa e esteja prejudicando as exportações do agronegócio:
— A política ambiental do governo é acertada porque busca a regularização das propriedades rurais que não têm dono [com o registro da terra]. E é quando se regulariza a terra que se pode punir quem eventualmente cometer algum crime ambiental naquele local. A política ambiental é tão acertada que o agronegócio do Brasil nunca exportou tanto quanto agora.