Discurso devolução simbólica mandato de João Goulart em sessão do Congresso Nacional em 18 de dezembro de 2013
O Congresso Nacional não deve recusar ou fugir de suas obrigações institucionais ainda que elas impliquem em um revisionismo histórico, eventualmente constrangedor para alguns poucos.
Repor a verdade sempre que necessário. Foi o que fizemos este ano, por iniciativa do Senador Inácio Arruda, quando revogamos a decisão da Mesa Diretora do Senado de 9 de janeiro de 1948 que, arbitrariamente, havia cassado o mandato de Luis Carlos Prestes e seu suplente Abel Chermont.
Ainda que simbólica e tardiamente, o mandato popular foi restituído ao seu único e legítimo detentor, após 55 de um silêncio institucional indefensável.
Agora novamente. Em uma sessão memorável, na madrugada do último 21 de novembro, a maioria de deputados e senadores chancelou o projeto de resolução dos ilustres senadores Randolfe Rodrigues e Pedro Simon que, objetivamente, nos reconcilia com a verdade ao apagar uma nódoa da história brasileira.
Anular a sessão do dia primeiro de abril de 1964 na qual foi declarado vago o cargo de presidente da República, quando João Goulart ainda estava em solo brasileiro tentando resisitir ao golpe junto com terceiro exército e sua equipe, representa, além de justiça, a exumação da própria história brasileira. Estamos recusando a falsidade que perdurou por 49 anos e nos reencontrando oficialmente com a verdade. Afinal, a mentira é tão nociva a verdade quanto o silêncio.
Estamos declarando que João Goulart não era um fugitivo, mas sim uma vítima que tentou resisitir a um golpe militar que fechou esta Casa por três oportunidades.
Não podemos, não pretendemos, claro, retroagir e nem retroceder no tempo. Igualmente não estamos manufaturando uma nova história, reescrevendo-a ao nosso gosto ou apagando os fatos vergonhosos da vida nacional.
A versão, aquela dos vitoriosos de momento, não se confunde com história. A versão, calçada na mentira, é efêmera e inconsistente, já a verdade é eterna e sólida.
Derrubar a versão, sabidamente ardilosa, representa nosso reencontro com a verdade, base de toda democracia e que reiteradas vezes foi soterrada pela mesma ditadura que depôs João Goulart. Amparo-me no eterno ensinamento de Francis Bacon:
“A verdade é filha do tempo, não da autoridade."
Anular aquela sessão, sem apagá-la da memória, é reconhecer que João Goulart foi deposto. É afirmar que ele foi vítima de um golpe, de uma ilegalidade. É igualmente uma desculpa histórica que o Congresso Nacional deve ao País, aos seus cidadãos e ao presidente João Goulart e sua família.
Não podemos revogar muitas das páginas pálidas da nossa história, mas sempre devemos reformá-las a fim de iluminar as futuras geracões do País no respeito a verdade que é um dos pilares da democracia. Iluminar como fez o Congresso naquele noite, cujas luzes acesas denunciavam o andamento do golpe pela via do legislativo, mesmo após a leitura da carta afirmando que João Goulart estava em território Nacional. Carta esta redigida pelo inesquecível Senador Darcy Ribeiro, então chefe da Casa Civil. O documento informava que o chefe da Nação, no Rio Grande do Sul, se encontrava "em pleno exercício de seus poderes constitucionais".
Mesmo assim, a revelia da lei e do regimento, às 3h45 da madrugada de 2 de abril, acompanhado do presidente do Supremo Tribunal Federal, Álvaro Ribeiro da Costa, foi dada posse ao Presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli que ficou no cargo por menos de duas semanas até a consumação do golpe.
A história da história não tem ponto final, especialmente se ela foi forjada na falsidade e, nesse caso, ela precisar ser reescrita.
Se não podemos revogar páginas da nossa história, podemos e devemos revogar a máxima de Joseph Goebbels que “de tanto se repetir uma mentira, ela acaba se transformando em verdade."
Senhoras e Senhores,
A verdade é a essência da democracia. Por isso a exumação do corpo do Presidente João Goulart, do qual estamos sempre nos despedindo, por isso a comissão da verdade, oportunamente criada pela Presidente Dilma Roussef para levar adiante a arqueologia da nossa verdadeira história. Também por esta iniciativa que, certamente, irá contribuir para tornar nossa história recente menos opaca, é que gostaria de cumprimentar a Presidente Dilma. Tudo isso - a exumação, a comissão da verdade, o cancelamento da sessão, o resgate histórico -; tudo isso é porque não se constróem homens e nações erguidos sobre mentiras.
Como Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, em nome da instituição, peço desculpas pela inverdade patrocinada pelo estado contra um ilustre brasileiro, um nacionalista, patriota, reformista e que, talvez, tenha conseguido reunir uma das melhores equipes de governo na história do Brasil.
Muito Obrigado todos pela presença neste dia histórico para o Parlamento e para o Brasil.