Burle Marx: o arquiteto-paisagista que se tornou ecologista e colecionador de espécies da flora brasileira

19/04/2023 10h19

A série de matérias sobre os artistas modernistas com obras de propriedade do Senado homenageia, nessa edição, o modernista Burle Marx (1909-1994). Paisagista, desenhista, arquiteto, pintor, ecologista, botânico, escultor, gravador, litógrafo, ceramista, tapeceiro, decorador e designer têxtil e de joias, Burle Marx se tornou internacionalmente reconhecido como arquiteto-paisagista, com inúmeros projetos realizados em diversos países.

O acervo do Museu do Senado possui quatro obras do artista modernista. Três delas são telas pintadas com técnicas variadas e a última, uma tapeçaria em algodão de 3,28 x 4.83m, de 1973, exposta em uma parede do Salão Negro. Na depredação que o Congresso Nacional sofreu, no dia 8 de janeiro deste ano, a tapeçaria foi arrancada da parede, rasgada e urinada. A equipe de restauração do Museu avaliou que a recuperação da obra, por meio de contratação de uma empresa especializada, custará cerca de RS 250 mil.

Nascido em São Paulo, Roberto Burle Marx, filho de um alemão com uma pernambucana, viveu no Rio de Janeiro até os 19 anos, mas, em 1928, devido a um problema nos olhos, mudou-se para a Alemanha, com a família, para tratamento de saúde. Em Berlim, estudou canto e frequentou teatros e ateliês de arte. Foi naquele país, nas estufas do Jardim Botânico de Dahlem, que ele teve contato mais profundamente com espécies da rica flora brasileira.

De volta ao Brasil, em 1930, o artista fez curso de pintura e arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes (Enba), no Rio de Janeiro e, em 1932, realizou seu primeiro projeto de jardim residencial, a convite de Lúcio Costa. Entre 1934 e 1937, Burle Marx residiu em Recife, onde ocupou o cargo de diretor de parques e jardins da cidade, e, ao retornar ao Rio de Janeiro, começou a trabalhar como assistente de Cândido Portinari.

Em 1949, a paixão por plantas impulsionou Burle Marx a comprar um sítio de 800.000 m2, em Campo Grande, no Rio de Janeiro, onde começou a adquirir e catalogar exemplares de plantas de diversas regiões do país, para possuir uma coleção própria da biodiversidade brasileira. Em 1985, o sítio foi doado ao governo federal e passou a se chamar Sítio Roberto Burle Marx, transformando-se em importante patrimônio paisagístico, arquitetônico e botânico.

A partir da década de 50, a vocação para o paisagismo levou Burle Marx a se dedicar mais intensamente a essa área de atuação, tanto no Brasil quanto no exterior. São dele, por exemplo, entre muitas criações ao longo de pelo menos 50 décadas, os projetos paisagísticos do Eixo monumental de Brasília (1958) e do Aterro do Flamengo no Rio de Janeiro (1959).

A pintura, que Burle Marx encarou como a paixão das horas vagas, também o levou a diversas exposições coletivas, individuais e até póstumas, em vários países. Os trabalhos como designer têxtil e de joias também fizeram parte de exposições, assim como os desenhos, muitos dos quais sobre a arquitetura paisagística brasileira. Ao longo da carreira, foram também inúmeras as premiações, homenagens e títulos que o artista recebeu, tanto pelo conjunto da sua obra como pela contribuição ao paisagismo brasileiro.

A coordenadora do Museu do Senado, Maria Cristina Silva Monteiro, destaca que, em todos os campos de atuação de Burle Marx, a paisagem natural brasileira aparece como pano de fundo. “Burle Marx era encantado com a natureza e, com ela, encantava a todos com seu trabalho inovador como botânico e pesquisador, realizando excursões por todo Brasil, à procura de novas espécies para incorporar à sua coleção particular e também para os parques e jardins que criava”, explica Cristina.

A partir de 1950, as pinturas do artista passaram a incluir a abstração com o uso de cores azul, amarelo e verde mais vivos. As composições geométricas em acrílico começaram a fazer parte das telas de Burle Marx, mais intensamente, a partir dos anos de 1980. Os desenhos a nanquim, que o artista utilizava para obter gradações em tonalidades diversas, foram inspirados, muitas vezes, da trama finíssima de folhagens e galhos.

A chefe do Serviço de Gestão de Acervo Museológico do Museu do Senado, Lisiane Matte Bastos, lembra que a intimidade com o mundo vegetal fez de Burle Marx um artista sem igual. “A profunda vivência de Burle Marx com as plantas e a experiência adquirida de paisagista e botânico fizeram com que ele construísse uma linguagem própria e criasse uma técnica muito individual que perpassa todo o seu trabalho. Burle Marx utilizou a natureza como matéria prima para suas composições, assim como os pintores utilizam as tintas, os pincéis e as telas”, descreve Lisiane.