Acervo do Museu tem quadro de Djanira, primeira artista latino-americana a ter uma obra no Vaticano

A pintura da artista, intitulada "Sertaneja do Sertão", está exposta na Residência Oficial da Presidência da Casa.
30/11/2022 15h25

A série Nosso Museu, sobre os artistas modernistas com obras de propriedade do Senado, homenageia, nessa publicação, Djanira da Motta e Silva, primeira artista latino-americana a ser representada no Museu do Vaticano, com a tela Sant’Ana de Pé.

A artista se destacou como pintora, ilustradora, desenhista, muralista, cartazista, costureira modista e cenógrafa brasileira. Seus quadros retratavam o cotidiano a partir das lembranças que tinha da própria infância, em especial, trabalhadores e gente simples do campo. Retratos, paisagens, festas folclóricas e a temática religiosa também faziam parte do repertório de Djanira, que se aliou ao modernismo ao adotar formas geométricas e cores vibrantes.

Origens

Paulistana, nascida em 1914, era descendente de imigrantes austríacos por parte de mãe e indígena por parte de pai. De origem humilde e abandonada pelos pais, foi criada por vizinhos da família, chegando a trabalhar como boia-fria em cafezais de São Paulo e como cozinheira e costureira, experiências retratadas em muitas de suas obras.

Djanira entrou em contato com as artes somente em 1937, quando contraiu tuberculose e precisou ficar internada para tratamento em um sanatório. Quando se reestabeleceu da doença, mudou-se para o Rio de Janeiro onde abriu a pensão Mauá, local que ficou conhecido por abrigar intelectuais e artistas da época. Ela passou a ter aulas de pintura com esses hóspedes artistas e, paralelamente, a frequentar o curso noturno de pintura do Liceu de Artes e Ofícios da Cidade.

Carreira

A primeira participação em uma exposição foi em 1942, no Salão Nacional de Belas Artes. No ano seguinte, a artista realizou a primeira exposição individual na Associação Brasileira de Imprensa. Em sua segunda exposição, novamente no Salão de Belas Artes, recebeu o título de menção honrosa.

Em 1944, em Londres, Djanira participou da Mostra de Pintores Brasileiros, na Royal Academy of Arts, ano em que também expôs em vários países da América Latina, como Uruguai, Argentina e Chile.  Entre 1945 e 1947, a artista residiu nos Estados Unidos e realizou exposições individuais em Washington e Boston. No mesmo período, participou da exposição de Arte Moderna no Musée National d’Art Moderne, em Paris. A partir de 1950, a artista realizou viagens de estudos por outros países, a exemplo da antiga União Soviética, e também pelo interior do Brasil, à procura de inspiração para novos trabalhos artísticos.

São muitas as obras que Djanira no Brasil e no exterior. Entre as mais conhecidas, destacam-se o mural Candomblé, pintado entre 1950 e 1951, para a residência de Jorge Amado, em Salvador, e um outro para o Liceu Municipal de Petrópolis. Entre 1963 e 1964, ela fez o painel Santa Bárbara, no túnel que leva o mesmo nome no Rio de Janeiro.

Muito religiosa, ela entrou para a Ordem Terceira do Carmo em 1963 e, em 1972, recebeu, do Papa Paulo VI, um diploma e uma medalha. Foi nesse período que Dajanira elaborou a tela Sant’Ana de Pé para o Museu do Vaticano, tornando-se a primeira artista latino-americana a ser representada na instituição.

O coordenador do Museu do Senado, Alan Silva, nos conta que o quadro da residência oficial mostra uma mulher comum, sem adornos, com um vestido simples, predominantemente vermelho, sentada em uma cadeira comum, aparentemente posando para sua retratista. Ele destaca que a artista tem como característica representar o brasileiro no quotidiano, com diversidade de cenas e detalhes da cultura nacional.

— Os quadros de Djanira são marcados por uma simplicidade de contornos que remontam à própria história de vida da artista. Por outro lado, são ricos em expressividade e nos remetem a uma leitura profunda da religiosidade e da cultura nacional, porque mostram o brasileiro no dia a dia, no trabalho, na igreja, nas festas folclóricas, bem como um Brasil convidativo, com sua diversidade de cores e paisagens. Essa era Djanira, a artista do comum, mas que nada tinha de comum, posto que sua obra modernista e icônica é internacionalmente reconhecida  — explica.

Ricardo Movits, chefe do Serviço de Exposições, Curadoria e Comunicação (SEECC), do Museu do Senado, lembra que a obra de Djanira sempre se destacou por mostrar o brasileiro em seu ambiente simples e natural do dia-a-dia, da religião, do trabalho e de festejos.

— Esses arquétipos se repetem na obra dela e também a identificam como uma das mais originais representantes do modernismo em nosso país. O legado que Djanira deixou ao povo brasileiro é enorme. Somente o Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), do Rio de Janeiro, guarda 813 obras da artista — ressalta Movits.