Entrevista com Senador Paulo Paim - Bloco 5


ENTREVISTADORA– Por tudo o que o senhor falou aqui, a gente, na Constituinte, viveu um momento único.

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Único, único e verdadeiro.

ENTREVISTADORA– Eu peguei uma frase do senhor, dizendo que o senhor não pode se lembrar da Constituinte sem que fique emocionado e chore.

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Isso é verdade.

ENTREVISTADORA– Eu queria que o senhor – acho que ao longo da entrevista até justificou um pouco tanta emoção – dissesse: o que é que lhe traz lágrimas em relação à Constituinte particularmente?

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Na verdade, o que mais mexe comigo é que foi um momento muito bonito. Foi um momento em que nós saíamos de um período de exceção, praticamente, e o povo brasileiro foi às ruas para defender causas. Não eram nem questões ideológicas, não eram contra esse ou contra aquele, como hoje se vê na internet: as pessoas se digladiando, se matando. Parece que quando eu abro aquele WhatsApp, porque de todo grupo que chega para mim, no meu celular, eu não saio, de nenhum, eu fico olhando só, mas não respondo também, virou uma política de ódio. E a visão nossa na Constituinte, eu tenho certeza, da maioria que estava ali, era humanitária, cada um na sua visão, claro, mas tinha uma visão humanitária de querermos o melhor para o Brasil. E hoje eu não vejo isso.

As políticas humanitárias desapareceram. Parece que o interesse é ver quem pode lucrar mais. E muitas vezes a questão pessoal ultrapassa a visão do coletivo, da Nação, do País, da Pátria, que a gente ama tanto. Nós falávamos de quilombolas, falávamos de sem-terra, falávamos também dos produtores rurais, porque eles cumpriram o seu papel e cumprem até hoje. Então, tínhamos uma visão. Quando olhávamos para aquele texto da educação, havia a força que vinha da sala de aula, que vinha dos professores.

Enfim, eu acho que as causas que mexiam com a nossa alma, com o nosso coração naquele período é que nos dão essa emoção de afirmar que vale a pena fazer o bem sem olhar a quem. Eu sentia aquilo. Quando eu saía de casa, eu saía orgulhoso, e vinha para cá, debatia, discutia e tinha com quem conversar. Com o Centrão dava para conversar. Hoje você não tem com quem conversar. É preciso estabelecer um diálogo para chegar àquilo que é possível, não ao ideal, porque eu sei que o projeto bom não é aquele que eu idealizo, mas aquele que é possível construir. Mas hoje você não tem isso. Hoje há quase uma selvageria instalada. E não é só no Congresso, parece que é na sociedade. É isso que me deixa muito triste.

Quando eu lembro tudo isso, claro, penso que eram bons tempos aqueles. Bons tempos eram aqueles da Assembleia Nacional Constituinte, quando as políticas humanitárias me faziam crescer. Dizem que há a inteligência da emoção, e eu acredito muito na inteligência da emoção. Quando você ia para o debate, por exemplo, um Senador dizia: "Tá, Paim. Tudo bem! Até aí não dá, mas até aqui nós vamos". E avançávamos.

É isso que mexe muito, muito com o coração da gente e faz com que, claro, eu, com quase 70 anos, me emocione ao lembrar momentos como aquele, por exemplo, da discussão do texto da reforma agrária. Você não sabe como foi tenso aquilo. Era microfone voando no ar, mas cada um defendendo aquela causa com o coração, independentemente de uma posição ou de outra. E saía um texto razoável, saía um texto razoável. Isso emociona muito.

ENTREVISTADORA– O senhor diz que ele é razoável depois de defendê-lo com tanta veemência?

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – O texto da reforma agrária.

ENTREVISTADORA– Ah! Da reforma agrária.

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Eu falei especificamente da reforma agrária. Você não imagina como foi aquela noite da reforma agrária. Era jatinho andando pelos céus do Brasil, trazendo uns e levando outros de volta. Naquela noite nós fomos chamados para ir para o aeroporto em carro de camburão para buscar – camburão em certo sentido, em passeata ou em carreata –, para trazer os Parlamentares que nós queríamos. E havia os que levavam os Parlamentares para outro lado, porque a disputa era muito grande. Mas no fim, depois de muito embate, de muita discussão, de muito calor humano, saiu aquela votação da reforma agrária. Foi um momento inesquecível.

ENTREVISTADORA– Senador, vou fazer uma pergunta filosófica: o senhor acha que a política ainda consegue retomar esse sentido de Nação?

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – No momento em que nós pararmos de idolatrar homens e mulheres e discutirmos projeto de pais, projeto de nação, no momento em que nos dedicarmos às grandes causas, aos projetos coletivos e não pessoais, eu acredito. Eu acredito.

Este País, por exemplo, tem tudo para dar certo. Olha, eu fiz poucas viagens no mundo, porque acho que o meu papel é aqui dentro mesmo. Não adianta estar viajando, viajando, viajando. Por exemplo, quando eu fui para o Japão, eu fui representando o mundo do trabalho, numa delegação de empresários. Eles me escolheram e eu fui. E lá eu vi aquele povo que, para plantar, muitas vezes tem que fazer uma escadinha na montanha. Vi lá também que o idoso é considerado um mestre, um sábio e é disputado no mercado de trabalho para passar a sua experiência. Mesmo quando ele é demitido de uma empresa, já há um acerto entre as empresas para passá-lo para outra empresa para ele continuar lá dando conselhos, orientando, pela sabedoria acumulada que tem.

Aqui no Brasil, a gente não entendeu ainda a importância de investir muito na educação e de valorizar também a nossa velhice, aqueles que já aprenderam. Por outro lado, eu digo muito, muito, muito que educação, ensino técnico é algo fundamental para um País como o nosso, que é rico. Por isso é que eu falei das montanhas, da escadinha. Olha que terra fértil, linda, com água à vontade, com belezas, com minérios nós temos! O povo brasileiro é um povo tranquilo. Apesar dos momentos que nós passamos, a verdade é que não houve nunca um confronto direto do povo, uma guerra civil, por exemplo. Houve golpes, mas não chegou a acontecer guerra civil, porque o nosso povo é um povo muito pacífico, eu diria até ordeiro e trabalhador.

Enfim, eu acredito muito, sim, que nós podemos ter um belo projeto de Pátria, de Nação, quando as pessoas passarem a olhar um pouco para dentro, não só para fora, a olhar para o lado espiritual. Isso vem na forma de agir. E não pensar só no material. No momento em que cada um olhar para dentro de si e disser: "Bom, eu fiz a minha parte", se todos puderem assim caminhar, com certeza teremos um Brasil, de fato, para todos.