Entrevista com Senador José Serra - Bloco 5


ENTREVISTADORA – Senador, o Ministério Público foi muito fortalecido com a Constituição. O senhor acha que isso foi positivo ou foi negativo para o País, a maneira como ele usou esse poder? Porque, com certeza, foi resultado de um dos lobbies de corporativismo que nós presenciamos aqui na Constituinte. O senhor falou do corporativismo e eu me lembrei disso.

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Todas as áreas de servidores públicos eram muito fortes, porque havia Parlamentares ligados a elas. No caso do MP, o principal Parlamentar que defendia o setor, que cuidava o setor, que eu me lembro, era o Ibsen Pinheiro, que era Vice-Líder do PMDB – portanto, tinha um peso muito grande, porque líder e vice-líder têm um peso enorme. Mas eu diria que todos os setores se organizaram nessa direção. Isso, aliás, faz parte do trabalho legislativo. Eu sempre encarei dessa maneira.

ENTREVISTADORA – O senhor diria que participar da Constituinte foi uma experiência marcante na sua vida pessoal e parlamentar?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Foi. Afinal de contas, é a Carta Magna. E há coisas que estão lá porque eu trabalhei para isso, e há coisas que não estão apesar de eu ter trabalhado, e há coisas que estão e que eu não queria que estivessem. Mas, de toda maneira, você tem uma relação próxima. Foi um capítulo decisivo. Permitiu-me também ter uma visão mais ampla das questões de políticas públicas, de organização da Nação, porque você acaba se envolvendo em temas que, de outra maneira, você não trataria.

ENTREVISTADORA – Foi uma experiência que ficou para a sua vida pessoal e política?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Sem vida nenhuma.

ENTREVISTADORA – Mas eu já perguntei duas vezes e o senhor não me disse: o que o senhor não queria que estivesse lá? O senhor falou esta frase: "Há coisas que estão lá e que eu gostaria que estivessem, e há coisas que não estão lá e que eu não gostaria que estivessem". Então, é isso que eu queria que o senhor dissesse, ou seja, alguma coisinha que o incomoda muito, que incomodou o governador, incomodou o prefeito.

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Eu diria que, do ponto de vista econômico-financeiro, a questão básica é o excesso de vinculações, basicamente o excesso de vinculações e indexações – indexações, ou seja, correção monetária, valor real, coisas desse tipo. Isso não é matéria de Constituição.

ENTREVISTADORA – E dificultam a vida de um...

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Por exemplo, você tem uma taxa de inflação de 100% e você quer reduzi-la. Se você reajustar tudo em 100%, você não reduz, está certo? O grande drama das políticas de estabilização é este: as pessoas precisam acreditar que vai dar certo para aceitá-las. Porque, se a inflação baixar para cinquenta, você não perderá se tiver tido um reajuste menor que cem, está certo? Mas isso é só o futuro que diz. A credibilidade tem um peso enorme.

Então, a indexação automática de tudo cria problemas, às vezes, insolúveis, sobretudo com inflação alta. Agora nós estamos em uma época de inflação baixinha, que é inédita na história brasileira desde dez anos ou quinze antes da Constituinte. A inflação no Brasil foi saindo de controle na segunda metade dos anos 70 e terminou em 1980 e 1981 com três dígitos.

Então, sem dúvida nenhuma, as indexações e vinculações, correção monetária etc. se generalizaram. Mas a Constituição foi feita nesse contexto, e ficaram cravadas coisas que não precisavam ter ficado.

ENTREVISTADORA – Dá para corrigir, Senador?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Você entrar em batalhas que podem ter um custo muito alto não vale a pena se já houver uma certa acomodação. Eu acho que se acomodaram as condições do texto constitucional ao País. Hoje você... Se acomodou, você não tem programas gritantes nessa matéria.

ENTREVISTADORA – E funcionam como uma certa proteção também se a inflação subir.

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Quando a inflação é baixa, também não protege, no sentido de que não é necessário.

ENTREVISTADORA – Há uma frase do senhor que é ótima: o Centrão não era direita, era o atraso. E há...

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Eu cito o Fernando Henrique: o Brasil não tem pensamento conservador ou comportamento, o que é conservadorismo em outros lugares aqui é atraso.

ENTREVISTADORA – Mas o senhor estava se referindo...

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Por exemplo: eles são bons para gasto público.

Eu vou te dar um caso que é incrível. Na Constituinte foi feito um grupo, logo no começo, encarregado de preparar o texto que seria, então, votado pela totalidade. Era a chamada Comissão de Sistematização. Eu apoiei a ideia, mas foi um erro, foi um erro daqueles de que você se arrepende. Eu não fui decisivo, não tive nem peso nisso, apenas apoiei, não falei contra. E por quê? Porque, digamos: você tem seiscentos. Quinhentos ficam esperando que cem apresentem um resultado no texto e ficam fazendo o quê? É um erro isso.

Então, o que aconteceu? A Sistematização fez o seu relatório e ele foi para o plenário. E, no plenário, o Centrão – aí é que se usou o termo – fez um outro texto constitucional; aproveitou boa parte desse que a sistematização tinha feito, mas fez o seu, botou em votação e ganhou. Entende? Tudo aquilo que foi feito... Não é que tenha sido inútil, no sentido de que foi aproveitada uma parte, mas foi feito pela maioria.

Então, isso atrasou a Constituição, isso tornou-a mais prolixa. Esses fatores ajudaram. Foi um erro metodológico grande.

ENTREVISTADORA – E essa sua frase se referia a isso? A questão de que o Centrão não era direita, era atraso, estava se referindo a esse comportamento.

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – É, e o texto aprovado pelo Centrão era mais gastador do que o texto da Comissão de Sistematização. Se você quiser: a Comissão de Sistematização poderia ser considerada mais à esquerda do que a média da Constituinte, e o Centrão mais à direita do que a média da Constituinte, mas a proposta do Centrão era mais gastadora. No Brasil, o conservadorismo é gastador.

ENTREVISTADORA – O senhor chamava de populismo também esse comportamento?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – O populismo não é só da esquerda; o populismo é um fenômeno mais amplo na política.

ENTREVISTADORA – O senhor falava, na Constituição, em algumas entrevistas que eu li do senhor, o senhor falava dessa questão: atrás do gasto está o populismo.

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Eu falo até hoje.

ENTREVISTADORA – Mas o senhor acha que foi necessário o movimento do Centrão na medida em que a Comissão de Sistematização excluiu a grande maioria da Constituição? Ou não?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Não é necessário, foi inevitável. Não, foi inevitável. Lamentável, não deveria ter sido feito assim. Estou falando a posteriori. Na época, eu não falei contra ter uma Comissão de Sistematização. Em seguida, a maioria falou: "Opa, vamos fazer o nosso texto." Aproveitaram parte da sistematização, mas, de toda maneira, aprovaram o outro texto.

ENTREVISTADORA – O oposto...

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Por exemplo, o capítulo tributário: nós negociamos – eu, o Dornelles – com o pessoal que comandava o Centrão para manter intacto aquilo que tinha sido aprovado na sistematização. Conseguimos, mas em uma ou outra coisinha mexeram.

ENTREVISTADORA – Aí o senhor já apontou alguma coisa onde houve...

Desculpe. É o oposto do que o Maílson disse nesse livro em que estão as entrevistas de vocês dois. Ele disse que o Centrão evitou o pior. No meio disso, há um grupo que diz o seguinte: a esquerda – e aí está incluído o senhor em posição de esquerda – puxava a Constituição para um lado, e o então Presidente Sarney criou o Centrão para puxá-la para a direita.

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Não, não é assim. Não é assim. Primeiro, o Maílson, ex-Ministro, ou era Ministro na época... Eu sempre conversei com ele – ele deve ter dito isso.

ENTREVISTADORA – Ele era Secretário-Geral, não é?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Ele era o Secretário-Geral, mas chegou a assumir um ministério – eu não me recordo se foi exatamente ainda na Constituinte. Mas eu pedi várias vezes opinião, levei em conta que... A minha ideia era fazer uma coisa boa, não partidária, entende? Sempre tive... Cooperou bastante com o espírito público quando eu fui Relator.

Agora, talvez ele esteja se referindo a outras questões, ao esquema de propriedade e a outras questões estruturais, não propriamente à questão do gasto – com relação ao Centrão – ...

ENTREVISTADORA – Não, ele fala que...

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – ... à economia de mercado...

ENTREVISTADORA – Ele fala que o Centrão evitou o pior em relação à totalidade da Constituição, porque ela cairia muito para a esquerda. Ele está falando nesse sentido.

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – É, basicamente pensando, provavelmente, nessas questões institucionais, propriedade privada, estado do mercado, coisas assim.

ENTREVISTADORA – Há uma frase ótima do senhor nesse livro sobre a Constituição. O senhor fala: "Não, eles achavam, porque eu vinha de uma história assim e assim, que eu era muito à esquerda. Eu acho que eu era mesmo." Eu achei muito curioso este "Eu acho que eu era mesmo". Hoje, olhando aquele homem que o senhor era lá, o senhor se define como um homem de centro, de esquerda ou de direita?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – No entanto... Eu vinha com a imagem de um homem de esquerda, mas as posições que eu defendi em matéria fiscal não foram as da esquerda.

ENTREVISTADORA – E hoje?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – E nem as da direita, foram posições que eu acho austeras.

ENTREVISTADORA – O senhor, inclusive, não tinha uma posição estatizante, como a esquerda tradicionalmente tinha, não é?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – É. Em matéria de estatização e gasto público.

Hoje, falar em esquerda e em direita é falar de algo que não tem substância.

ENTREVISTADORA – Aquele olhar do senhor hoje, olhando o Deputado SENADOR JOSÉ SERRA que chegou aqui: o senhor tem momentos muito emocionantes para relatar nessa sua vivência da Constituição? O senhor lembra de momentos de ter esbarrado numa questão e dizer "Nossa! Que país é este?" O senhor lembra de momentos em que disse "Nossa, que bom, que grupo bom!"? Gostaria que o senhor pudesse contar para a gente alguma história, história mesmo, causo.

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – É difícil lembrar assim, de maneira organizada.

ENTREVISTADORA – Ah, Senador, nenhuma situação?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Mas fiquei muito satisfeito quando se aprovou o novo texto, muito orgulhoso por ter participado ativamente, por ter conseguido implantar algumas ideias. Não fiquei frustrado por outras ideias não terem tido a mesma acolhida. Ficou, sobretudo, a satisfação por ter trabalhado muito e isso ter sido, em boa medida, reconhecido também. Isso acabou marcando a minha atuação parlamentar e política posteriormente.

ENTREVISTADORA – O senhor julga que foi um avanço para o País então?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Em relação ao que havia, foi. Agora, avançou-se tudo o que se podia? Não, mas nós estamos na política para isso...

ENTREVISTADORA – Há alguma coisa que depois...

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – ...para ampliar os limites do possível.

ENTREVISTADORA – Trinta anos depois...

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Eu sempre fui da linha de que a política é a arte de ampliar os limites do possível, ao contrário da linha que diz que a política é a arte do possível – não compartilho dessa ideia.

ENTREVISTADORA – Trinta anos depois, então, o senhor acha que valeu a pena? Faria de novo, com as autocríticas que o senhor fez aqui?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Se eu fizesse de novo com a cabeça de hoje, faria melhor. (Risos.)

ENTREVISTADORA – E uma nova Constituição: quando, Senador?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Não, eu não acho que seja o caso. Acho que é possível fazer uma mudança moderada e organizada na Constituição, mas essa é outra discussão, que fica para outro momento.

ENTREVISTADORA – Reforma constitucional, Senador?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – É.

ENTREVISTADORA – Quando?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Não, isso é coisa para o próximo governo, você teria que preparar neste ano. Há pontos de estrangulamento que você pega, detecta e resolve.