Entrevista com Senador José Serra - Bloco 3


ENTREVISTADORA – Como foi a história do Fundo de Participação dos Estados e Municípios ou outros fundos constitucionais que são importantes também?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Essa é uma questão muito delicada, porque leva em conta o seguinte: Norte, Nordeste e Centro-Oeste têm menos da metade da população, mas tinham já maioria simples, se você somasse Senado e Câmara, ou perto. Na verdade, a Constituinte aumentou essa diferença. Tinham um peso muito grande. E, para essas regiões, o Fundo de Participação é a principal ou, pelo menos, uma receita crucial.

O que é o Fundo de Participação? O Fundo de Participação é um fundo formado por uma parte do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), que é federal, e por uma parte do Imposto de Renda. Se não me falha a memória, era cerca de 11% ou 12% de cada um que ia para o fundo de participação, distribuído segundo o inverso da renda por habitante; portanto, para as regiões mais pobres. Deve haver outros critérios, mas esse era o mais importante. Na comissão tributária, que tratou de finanças e tributação, muitas das propostas levavam esse fundo para 30% das receitas. O que nós conseguimos fazer foi moderar, e subiu para algo em torno de 20%. Ou seja, a fatia do Imposto de Renda e do IPI, o Imposto sobre Produtos Industrializados.

Mas houve também outro tipo de concessões. Eu me lembro das pressões do Rio Grande do Sul e do Pedro Simon, particularmente, que, se não me engano, era o governador na época – ele não estava na Constituinte, ele devia ser governador. Uma foi criar uma espécie de compensação pelas exportações industriais. Uma coisa que eu mantive, que me parece essencial, foi a isenção de impostos sobre os produtos industrializados exportados, para incentivar a exportação de manufaturados. Eles alegavam que saíam perdendo, porque o ICMS já não poderia incidir – o ICM, que depois mudou para ICMS, eu explico depois por quê – e reclamaram. Então, nós fizemos que uma parte do IPI, 10%, iria para ressarcir os Estados pela não cobrança do ICM sobre exportações e manufaturados. Essa foi uma típica negociação; não estava em programa nenhum, mas foi uma negociação regional. O pessoal do Sul tendia a ser menos durão em vários assuntos do ponto de vista da participação do Estado, mas tinha também as suas demandas. Então, foi criado assim esse incentivo do IPI, sem que eu tivesse entusiasmo pela ideia.

ENTREVISTADORA – O senhor acha que equilibrou mais?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – É. Tudo mais constante, ficou menos desequilibrada a distribuição.

ENTREVISTADORA – Pode explicar essa mudança do ICM para ICMS, que o senhor falou "eu explico depois"?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Nós ampliamos a abrangência do ICM. Ele passou a incidir, por exemplo, sobre transporte, sobre comunicações, que aliás, é um dos fatores mais importantes que mantém a arrecadação do ICMS – telecomunicações, que são uma fonte incrível; energia elétrica, que é outra fonte fundamental e insonegável, baratíssima de arrecadar; transportes e energia elétrica. Isso ajudou muito os Estados onde o ICM tinha peso.

ENTREVISTADORA – Quais Estados?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Basicamente Sudeste. Centro, Sudeste, hoje, todo mundo. Estamos falando de muitos anos atrás.

ENTREVISTADORA – Senador, hoje em dia, desde a Constituinte, que eu me lembre, ainda continua se falando em reforma tributária.

Existe muita crítica à quantidade de tributos que o Brasil tem, e fala-se na necessidade dessa reforma para reduzir, criar o IVA, o Imposto Sobre o Valor Adicional...

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – O IVA é inviável.

Quem fala em criar o IVA não se aprofundou no assunto.

ENTREVISTADORA – Em sua avaliação, os problemas que se apontam em relação ao sistema tributário brasileiro começaram com a Constituinte ou já vinham desde então ou foram se acrescendo da Constituinte para cá?

Há realmente, na sua avaliação, um número excessivo de tributos, tributos que se somam uns aos outros, que são, como se diz, regressivos, um sistema tributário regressivo?

Qual é a sua avaliação hoje? O senhor acha que é preciso fazer uma revisão geral do sistema tributário?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Eu concordo com quase todas as críticas, mas sou contra se fazer uma nova reforma tributária. Por quê? Porque o resultado vai ser pior do que o atual. Quando se trata da Constituição, o Congresso pega as rédeas nos dentes, não entra nem o Executivo. Então, como na Rita Lee, "loucuras", é a gente imaginar loucuras, porque eu vejo como funciona. Então, é uma posição muito pragmática. Tem que se ir fazendo mexidas por leis, por portarias, por coisas que são mais modestas, mas menos arriscadas em que o Executivo tem poder de veto.

O Executivo, qualquer que seja ou qualquer que tenha sido, sempre é um pouco mais racional em matéria de despesa pública do que o Congresso, pela sua natureza. A Fazenda tem que administrar as finanças do conjunto do País, e o Deputado tem que apresentar resultados regionais e setoriais que facilitem a reeleição. Entende? Então, é um perigo isso. É um perigo.

ENTREVISTADORA – E sobre a partilha de recursos entre União, Estados e Municípios e a correspondente divisão de despesas que existe hoje, o senhor acha que é necessário ajuste?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Não, eu tenho uma posição heterodoxa na matéria. Nove entre dez Parlamentares vão dizer que sim, que há uma concentração excessiva na União, etc. Eu acho que não e que a divisão que resultou foi razoável. Acho razoável o que temos aí, e se pode ir corrigindo na margem uma questão aqui, um problema ali, etc., mas é algo em que não eu não me meteria. Se você levar isso... Primeiro, é preciso uma emenda constitucional e, como eu disse, o Executivo não tem poder de veto. Segundo, o Congresso vai ser pródigo.

ENTREVISTADORA – O senhor disse que é contra o Imposto sobre Valor Adicionado, IVA. Por que essa posição, Senador?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Vamos esclarecer. O ICMS já é um IVA porque ele incide sobre o valor adicionado.

Na verdade, quando se fala de IVA, era para haver um só, no Brasil inteiro. Ou seja, igual para todos os Estados. Agora, há um problema que, a meu ver, inviabiliza isso: como você vai repartir? Você arrecada um imposto. Qual o critério de repartição para Estados e Municípios? É impossível. Você não vai conseguir chegar a um critério aceitável pelo Congresso, e vai ser inevitável que setores, inclusive de Estados, regiões, etc., vão querer ter ganhos adicionais em relação àquilo que hoje recebem com o seu ICMS ou as transferências federais. Porque – veja bem – o IVA acabaria o IPI também, porque o IPI também é um imposto sobre valor adicionado.

Ou seja, se você for ter que mudar tudo, e mudar tudo, com o Congresso dando a última palavra, do ponto de vista financeiro, vai desequilibrar mais a União. É por isso, não é conceitualmente. E 90% das pessoas que falam do IVA não raciocinam, não levam em conta esses fatores, entende? Falam em termos ideais. Lógico que seria melhor ter um imposto sobre bens e serviços tipo IVA, depois o Imposto de Renda e um imposto patrimonial. Aí estaria tudo resolvido, o sistema simplificava, né?

ENTREVISTADORA – O senhor já defendeu isso? Na Constituinte, o senhor lutava contra os gastos. O senhor disse que era absolutamente contra o Capítulo do Sistema Financeiro, que foi mais ou menos empurrado, não é?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – A questão da taxa de juros de 12%. Não, eu era contra entrar na Constituição o Capítulo do Sistema Financeiro. Isso não é coisa para Constituição. Mas também havia o receio, que eu já tinha, de que iam tentar cravar um limite para a taxa de juros na Constituição. Taxa de juros de 12% é um absurdo! Proibir pela Constituição? Não faz sentido.

ENTREVISTADORA – Foi um drible do Gasparian no senhor?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Ele ganhou no plenário final; nas comissões, não. Mas na votação de plenário houve uma grande batalha em torno da reforma agrária. A meu ver, em boa medida sem muito fundamento. É que ela serviu para diferenciar o que seria esquerda de direita, o que era conveniente para os dois lados, quem é mais conservador e quem é mais progressista. Na prática, não faziam isso as duas propostas. E eu não era entusiasta da questão da reforma agrária pensando nos custos que tem uma reforma agrária, você desapropriar. Uma coisa é desapropriar como em Cuba do Che Guevara, com armas, com fuzis, e outra é você pagar direitinho, com correção monetária e tudo, que é como poderia ser aqui. Então, eu não era muito a favor, mas isso era o que dividia.

Agora, para não perder o fio, você tinha perguntado...

ENTREVISTADORA – Eu tinha perguntado sobre a sua posição contra o Capítulo do Sistema Financeiro, que, depois, o senhor...

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Ah, sim. E aí, no caso do sistema financeiro, eu sabia que, tendo o título, viriam coisas loucas, está certo? E foi o que aconteceu.

ENTREVISTADORA – Conte para a gente as coisas loucas.

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – E o Fernando Henrique, que foi o Relator dos temas que seriam tratados na Constituinte, os incluiu pela pressão, não por convicção.

ENTREVISTADORA – Dizem que o Centrão ajudou o Deputado Fernando Gasparian, justamente numa negociação envolvendo a reforma agrária.

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Lógico! O que aconteceu? Agora me lembro da reforma agrária, da relação.

É que houve um dia em que foi votada a reforma agrária, as desapropriações. A proposta mais à esquerda, chamemos assim, perdeu. O Centrão a derrotou. Em seguida, veio a questão dos juros. Então, muita gente que tinha votado contra a reforma agrária quis compensar fazendo uma coisa que parecia mais progressista, mais de esquerda, que foi a limitação dos juros. Entende? Acho que isso ajudou a aprovar.

Para a tribuna eu me lembro eu falei contra o teto de 12%, não porque alguém achasse que o juro, no Brasil, devia ser mais alto, não era isso, mas na Constituição fixar a taxa de juros? Falamos eu, o Cesar Maia e o Delfim Netto. Nós fomos derrotados por ampla maioria.