Entrevista com Senador Edison Lobão - Bloco 4


ENTREVISTADORA – Existe alguma coisa que o senhor aponte como pior artigo da Constituição como um todo, especificamente da reforma agrária?

EDISON LOBÃO (MDB - MA) – Não. Ela acabou não entrando em vigor até o momento, porque dependia – ou depende ainda – de uma regulamentação. A regulamentação é fundamental nesses artigos constitucionais muito polêmicos.

Então, por exemplo, a greve, o direito de greve, veio por meio da Constituição de 1946. E o artigo da Constituição dizia assim: "É reconhecido o direito de greve, a ser regulamentado em lei." Como o legislador brasileiro levou anos e anos para fazer essa regulamentação, o direito de greve não era exercido no seu todo. A greve existia ilegalmente.

Assim é com a reforma agrária também. Enquanto não se chega a uma conclusão mais densa, mais lógica, mais objetiva, usa-se o Estatuto da Terra, que vem ainda da época da revolução, como disse – foi feito pelo Presidente Castelo Branco –, com alguns aperfeiçoamentos. Foi isso que se fez.

ENTREVISTADORA – O senhor esteve à frente também das negociações em torno do presidencialismo e do mandato de cinco anos.

Conta um pouco para gente como é que foi esse momento.

SENADOR EDISON LOBÃO (MDB - MA) – Veja, a própria Constituição, num de seus artigos, no capítulo Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, manda fazer uma avaliação. Está aqui o artigo:

Art. 2º No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País.

A Constituição brasileira, essa de 1987 e 1988, ficou muito indefinida no que diz respeito ao presidencialismo ou ao parlamentarismo. No início, pensou-se em se adotar o sistema parlamentarismo de Governo. E muitos artigos da Constituição se encaminharam para essa direção. Prevaleceu, ao final, o presidencialismo, a ser confirmado ou não, segundo esse artigo, cinco anos depois.

Bem, o fato é que essa discussão vem sendo travada há muito tempo e precisa de uma definição. O mundo moderno, excetuando-se os Estados Unidos, preferiu o parlamentarismo, ainda que seja o parlamentarismo monárquico, como é o caso da Inglaterra e de outros países.

ENTREVISTADORA – O senhor acha que seria oportuno, nos próximos anos, o Brasil fazer um novo plebiscito ou enfrentar de novo de outra maneira essa questão de parlamentarismo ou presidencialismo?

SENADOR EDISON LOBÃO (MDB - MA) – Eu acho que seria. Nós tivemos uma experiência malsucedida com a saída do Presidente Jânio Quadros. Implantou-se o parlamentarismo a toque de caixa para salvar a situação institucional do País naquele momento. O parlamentarismo não funcionou bem. E o Presidente João Goulart, que sucedeu a Jânio Quadros, acabou por conseguir fazer um plebiscito em que retomava para si os poderes presidencialistas. Portanto, o parlamentarismo não deu certo. Isso foi desembocar, anos depois, exatamente na revolução de 1964. Foi o que aconteceu.

ENTREVISTADORA – Senador, então, esse é um voto que o senhor mudaria? O senhor foi presidencialista e agora está defendendo o parlamentarismo. Há outros votos? Eu queria que o senhor explicasse essa mudança de posição e se há outros votos que o senhor mudaria. Posso ler os votos todos, ou o senhor prefere falar primeiro do parlamentarismo e presidencialismo?

SENADOR EDISON LOBÃO (MDB - MA) – Pode ler que até me ajuda.

ENTREVISTADORA – Depois, a gente fala das emendas.

O senhor votou a favor da pena de morte, da proteção ao emprego contra demissão sem justa causa, do presidencialismo, do mandato de cinco anos para o então Presidente Sarney, cuja emenda foi da sua autoria, da anistia aos micro e pequenos empresários; votou contra a limitação do direito de propriedade privada, o mandado de segurança coletivo, a jornada semanal de 40 horas, o turno ininterrupto de seis horas, a unicidade sindical, a proibição do comércio de sangue, a soberania popular, a criação de um fundo de apoio à reforma agrária, a legalização do jogo do bicho e a desapropriação da propriedade produtiva. Eu quero saber, contando o parlamentarismo, qual o senhor manteria ou não.

SENADOR EDISON LOBÃO (MDB - MA) – Aí são vários votos que eu havia dado na ocasião.

Falou-se no turno de seis horas, que é coisa que se fez agora com a reforma trabalhista e que está dando um efeito muito positivo, tanto para o empresário quanto para o trabalhador. Nenhuma lei pode ser boa, no campo trabalhista, se ela não atende às duas partes. Se atende apenas ao capital, ela não é boa; se atende apenas ao trabalhador, ela tende a quebrar o empresário, e o trabalhador ficar sem emprego nenhum. Portanto, é preciso que seja bom para as duas partes. Esse turno de seis horas negociado entre as partes é uma boa coisa.

O mandato de cinco anos do Presidente da República. Na verdade, o mandato era de seis. Naquela época, o Sarney assumiu o governo para um mandato de seis anos. Depois, se disse que ele lutou pelo mandato de cinco. Não, ele tinha seis! Ele tinha seis e ficou com cinco, já numa composição geral que nós fizemos na Constituinte, com o que ele, de algum modo, aceitou e não criou caso. O Sarney foi o grande embaixador da redemocratização do País.

Ele propôs essa Assembleia Nacional Constituinte e depois até fez um comentário, uma observação – ele, Presidente da República – a respeito do resultado final da Constituinte. Ele dizia mais ou menos o seguinte: com essa Constituição que temos, resultante da Constituinte, o País ficava quase que ingovernável, pelas razões que eu aqui expliquei.

ENTREVISTADORA – O senhor governou o Maranhão logo depois, quando senhor foi eleito governador e já governou sob a égide da Constituinte. No que essa Constituição ajudou e no que dificultou, no seu governo, na sua experiência? Depois, eu queria emendar para que o senhor falasse também da sua experiência como ministro, os defeitos e as qualidades que fizeram parte do seu...

SENADOR EDISON LOBÃO (MDB - MA) – Quando eu assumi o governo do Estado do Maranhão, não havia ainda o instituto da reeleição. Eu governei por quatro anos ou menos que quatro, porque a minha posse se deu em abril, e o mandato terminaria no dia 1º de janeiro de 1991, mas, como eu tive que antecipar a minha saída do governo para ser candidato à reeleição, eu, de fato, governei por três anos e três meses. Graças a Deus, eu fui muito bem-sucedido. O que demonstra isso? O fato de eu ter deixado o governo com 85% de aprovação popular, eu me elegi Senador sem nenhuma dificuldade, sem nenhum contratempo. Eu construí mais rodovias asfaltadas no Estado do Maranhão do que a soma dos governadores anteriores. A Fundação Getúlio Vargas disse, no relatório que fez, que eu havia realizado a melhor administração para a Educação do Brasil entre todos os governadores da época. Nós dobramos o número de alunos, o número de salas de aula. Reduzimos drasticamente a mortalidade infantil, com a introdução maciça da vacina. E fizemos...

ENTREVISTADORA – Então, a divisão de recursos...

SENADOR EDISON LOBÃO (MDB - MA) – E fizemos uma reforma administrativa absoluta no Estado, que resultou na dispensa de um número grande de funcionários que não trabalhavam e que já nem existiam mais.

ENTREVISTADORA – Então, a divisão de recursos que a Constituição destinou para o Estado foi satisfatória? Desculpe interromper.

SENADOR EDISON LOBÃO (MDB - MA) – Foi, foi satisfatória. E eu acho que ainda hoje é. Agora, o que regula, de fato, a satisfação dos Estados e dos Municípios no que diz respeito à sua economia é a folha de pessoal. Se a folha de pessoal é muito elevada, ninguém governa bem; se a folha de pessoal é colocada em níveis aceitáveis, governa-se bem. Foi por isso que se fez depois a Lei de Responsabilidade Fiscal, que obriga os Estados e os Municípios a um limite nos seus gastos com servidores públicos, sem o que, as folhas no Brasil inteiro estariam puxando para trás o País e, em si mesmos, os Estados e os Municípios.

ENTREVISTADORA – Mas isso é consequência do que foi aprovado na Constituição de 1988?

EDISON LOBÃO (MDB - MA) – Não, a Lei de Responsabilidade Fiscal veio depois, veio após, mas a Constituição de 1988 teve uma preocupação com isso também.

ENTREVISTADORA – Então, pelo que eu estou vendo e que o disse até agora, o senhor avalia que, apesar de ser muito extensa, prolixa, a Constituição brasileira de 1988, apesar de todos os conflitos, saiu uma boa Constituição?

O SR. EDISON LOBÃO (Bloco Maioria/MDB - MA) – Saiu uma média Constituição, no meu entendimento.

ENTREVISTADORA – Média?

EDISON LOBÃO (MDB - MA) – É. Eu não diria boa, mas ela, com o tempo, foi sendo modificada – como recomendou aquele art. 3º das Disposições Transitórias – e melhorada. Eu espero que cada emenda que se faça tenha o condão de melhorá-la ainda mais.

ENTREVISTADORA – O senhor foi Ministro...

SENADOR EDISON LOBÃO (MDB - MA) – Mas de tal modo a Constituição não era boa que o constituinte fez esta recomendação: alterá-la cinco anos depois.

ENTREVISTADORA – O senhor foi Ministro das Minas e Energia. Com esse conhecimento e experiência, como é que o senhor avalia essa área, o que regulou a Constituição nessa área de exploração dos recursos minerais, do petróleo, da energia elétrica, da questão nuclear? O que a Constituição estabeleceu? Isso favoreceu o desenvolvimento do País ou não?

EDISON LOBÃO (MDB - MA) – Eu acho que aí foi o ponto positivo da Constituição. Ela não embaraçou os governos no sentido de impedi-los de realizar o progresso nesse setor fundamental para o País. Se não se tem energia elétrica farta e a preço competitivo, o País não anda. A Constituição autorizou o uso dos potenciais e recursos para a construção de hidrelétricas, mesmo estando eles em reservas indígenas. O subsolo e os recursos minerais e hídricos pertencem à União Federal, que deles dispõe segundo o seu interesse, é o que a Constituição estabelece.

Em muitos casos, há negociações difíceis com os índios brasileiros, o que eu acho positivo. Eu próprio negociei muito com índio. O caso de Belo Monte é um exemplo. Ainda hoje se diz que os índios foram expulsos da periferia do Rio Xingu, onde se implantou a hidrelétrica de Belo Monte, que é a segunda maior do Brasil e a terceira maior do mundo. Isso é absolutamente falso. Mudou-se o eixo da hidrelétrica para que pudesse ela ser construída em uma área onde não havia frequência de índios. O índio mais próximo da hidrelétrica de Belo Monte está a 32km de distância, na borda do lago. Portanto, o lago não invadiu reservas indígenas. É um lago mínimo, porque na Amazônia está se construindo hidrelétrica praticamente sem nada. Pois bem, não fosse a hidrelétrica de Belo Monte, aí sim as reservas indígenas continuariam sendo invadidas pelas enchentes, como sempre foram. As enchentes, que aconteciam todos os anos, e que ainda acontecem em torno do Xingu, porém hoje sob controle da barragem, sempre afetavam as reservas indígenas, e hoje não afetam mais. Portanto, a hidrelétrica de Belo Monte foi um bem muito grande aos índios brasileiros, e não um mal.

ENTREVISTADORA – Senador, há algum momento – o senhor que é bom de contar histórias – na sua lembrança de todo o processo constituinte, apesar dos conflitos, que seja da sua maior emoção? E algum de maior dor ou de maior tristeza?

SENADOR EDISON LOBÃO (MDB - MA) – Eu acho que o processo todo foi comovente. Ao final dele, o Dr. Ulysses conseguiu uma área de terras ali um pouco atrás do Palácio do Planalto, a fim de que cada Constituinte plantasse uma árvore que simbolizasse a sua participação no processo constituinte. E aí, então, todos os Deputados e Senadores eleitos Constituintes à época foram lá. Foi uma cena comovente: uma árvore, que é uma vida, e que haveria de avançar e erguer-se como demonstração do esforço feito por nós todos pela elaboração de uma Constituição democrática, porque essa é uma Constituição democrática. Ela pode ter os seus excessos sociais, que são os tais direitos sem a correspondência dos deveres, mas ela é uma Constituição democrática. Ela é tão democrática que há um artigo, nas Disposições Transitórias, que vem à intenção do Ulysses Guimarães e que diz assim: o Poder Público fica obrigado a entregar um exemplar da Constituição a todo brasileiro, de graça, que é para que ele tenha a Constituição como uma cartilha na sua vida. Aquilo é uma coisa comovente do ponto de vista das ideias do Presidente Ulysses Guimarães, que foi um democrata extraordinário, que lutou, que se exibiu de corpo inteiro ao perigo da noite para demonstrar que não há salvação fora do regime democrático.

ENTREVISTADORA – Esses foram, então, seus momentos mais emocionantes: o discurso final do Ulysses, quando ele primeiro falou da Constituição Cidadã e o bosque?

SENADOR EDISON LOBÃO (MDB - MA) – É.

ENTREVISTADORA – Eu acho que a Virgínia tem uma derradeira pergunta para fazer ao senhor.

VIRGÍNIA MALHEIROS GALVEZ – Senador, era só para saber, como cidadão e como pessoa mesmo, se o senhor diria, só complementando, que isso marcou a sua vida.

SENADOR EDISON LOBÃO (MDB - MA) – Marcou. A minha eleição foi feita após uma campanha intensa em que eu dizia que estava indo para o Senado, como representante do povo do meu Estado, para elaborar uma nova Carta Constitucional brasileira que pudesse garantir direitos merecidos pelo povo brasileiro. Eu não falei outra coisa a não ser isto: a minha fidelidade ao desejo do povo, aos desejos mais legítimos do povo brasileiro, e eu procurei me manter nessa posição. Há uma emenda que eu assinei, eu e 138 Constituintes, criando e estabelecendo os poderes atuais do Ministério Público, que são poderes extraordinários, para que ele pudesse exercer de fato o papel de fiscal da legislação e representante do povo. O Ministério Público moderno é regido por esse dispositivo, por esse capítulo da Constituição, que eu ajudei muito a construir.

Isso tudo me fez ter a sensação de uma responsabilidade e de um dever cumpridos para com o povo do meu Estado do Maranhão.

ENTREVISTADORA – Senador, há alguma outra história que o senhor queira contar ou alguma emenda que o senhor queira mencionar, alguma proposta sua, como a do direito da licença remunerada de 120 dias para mulheres grávidas, gestantes depois do parto? Há outras também: direitos a subsídios a ex-Presidentes e a ex-governadores – eles só aprovaram a primeira parte. O senhor apresentou 73 emendas em distintas condições: teve sete aprovadas integralmente; 11, parcialmente. De alguma, como citou agora, o senhor tem especial orgulho?

SENADOR EDISON LOBÃO (MDB - MA) – O direito de paternidade – eu votei a favor. É de um Deputado do Paraná. Ele depois foi Ministro da Saúde.

ENTREVISTADORA – Alceni Guerra.

EDISON LOBÃO (MDB - MA) – É...  O Alceni Guerra. Ele comoveu o Plenário da Constituinte.