Entrevista com Senador Edison Lobão - Bloco 1


ENTREVISTADORA – Em 9 de abril de 2018, registramos o depoimento do Senador Edison Lobão sobre a sua participação na Assembleia Nacional Constituinte de 1987 e 1988, como parte do projeto de história oral comemorativo dos 30 anos da Constituição.

Participam da gravação os servidores Virgínia Malheiros Galvez, Tania Fusco, Ricardo Alagemovits e Chico.

Senador, na Constituinte, o senhor já tinha uma carreira consolidada na política, que vinha desde o governo Jango: três mandatos de Deputado e iniciava o quarto como Senador constituinte. O senhor pode relatar um pouco da sua carreira no jornalismo e na política antes da chegada à Constituinte e que expectativas o senhor trazia para o processo constituinte?

SENADOR EDISON LOBÃO (MDB - MA) – Eu cheguei a Brasília como servidor público. Era assessor do Ministro Virgílio Távora, no Ministério da Viação e Obras Públicas, em 1962. Portanto, estou em Brasília há 56 anos. A Capital federal era uma cidade pequena, com apenas 200 mil habitantes naquela época. Hoje nós temos 3,5 milhões de habitantes. Em seguida, eu fui para o jornalismo e dirigi a sucursal de alguns jornais daqui, do Rio de Janeiro e de São Paulo. Fui editor do Correio Braziliense e fui diretor de jornalismo da Rede Globo também.

Daí, em 1978, eu ingressei na política. Era eleitor em Brasília, transferi meu título eleitoral para o Maranhão e me candidatei a Deputado Federal. Fui eleito com uma votação surpreendente para mim à época. Em seguida, na reeleição, fui o Deputado mais votado da história do Estado. Daí, passei para o Senado, uma luta muito difícil. Havia, nessa época, apenas dois partidos, cada qual com três sublegendas. Eu me elegi Senador. No passo seguinte, fui eleito Governador no Estado do Maranhão e, depois disso, Senador mais três vezes. Durante este mandato, eu estive no Ministério de Minas e Energia por seis anos, nos governos Lula e Dilma.

Antes de tudo isso, antes de ingressar na política, eu, de fato, já estava nela porque era um jornalista político, escrevia uma coluna sobre a República nos jornais do Brasil e fazia política. A coluna era de natureza política, convivendo, portanto, com todos os políticos, com ministros, com Presidente da República – e foram vários –, com governadores e autoridades de modo geral. Foi aí que despertou em mim a vocação política.

Eu procurei o Senador Sarney, que, na época, era o Presidente da Arena do Estado do Maranhão. E ele me estimulou a ingressar na política. Eu fui a Brasília como candidato e tive, graças a Deus, até hoje, muito sucesso.

Eu já acumulo quatro mandatos de Senador. Sou, junto com José Agripino e Alvaro Dias, um dos Senadores mais antigos, hoje, do Senado, com quatro mandatos. Nenhum outro tem quatro mandatos vividos de Senador. Ou seja, 32 anos no Senado.

E assim eu me tornei político. Gosto da atividade pública, entendendo que é através da política que se consegue, de fato, servir à causa do povo. A política é a vida mais larga que se pode encontrar para a prestação de solidariedade ao povo brasileiro.

ENTREVISTADORA – Senador, com uma histórica rica dessa na política, seguramente o senhor trouxe essas experiências, particularmente nessa arte de fazer política, para a Constituinte. Há algum episódio ou história em que o senhor possa mostrar a importância da sua vivência anterior, principalmente como Presidente da Comissão de Reforma Agrária?

SENADOR EDISON LOBÃO (MDB - MA) – Eu fui o primeiro Vice-Líder do governo, a partir de 1979, da Câmara dos Deputados – como Deputado. Ali foi uma experiência rica: eu tinha que debater todos os dias, com uma oposição que era aguerrida, e defender o governo das acusações que recebia frequentemente. Isso tudo me fez ganhar alguma força nos conhecimentos que já possuía da atividade política.

Eu convivi com Pedro Aleixo – era um grande homem da vida pública brasileira; com Tancredo Neves, estreitamente; Ulysses Guimarães era um grande amigo que eu admirava profundamente. Adauto Cardoso, Bilac Pinto, Aliomar Baleeiro...  Eram homens de primeiríssima linha. Daniel Peia, Auro Soares de Moura Andrade...  Depois, com Petrônio Portella, que se tornou um líder extraordinário, que é pouco reverenciado ainda hoje na política, pouco reconhecido. Deve-se a ele o processo de distensão do período revolucionário até chegarmos à Democracia de volta.

Mas havia tantos outros líderes com os quais eu convivi, e fui com eles aprendendo.

Durante a Constituinte, surgiu uma comissão muito rumorosa e que estava destinada, por sua própria natureza, a gerar grandes progressos, que era a Comissão da Reforma Agrária. Decidiram os Líderes de então constituir esse órgão com 23 membros. E assim foi feito.

Os partidos de Oposição, liderados pelo Mário Covas, indicaram 11 membros, e eram todos de esquerda avançada. E os partidos que estavam no governo – do outro lado, portando – indicaram quase que 11 fazendeiros. E eu, eleito Presidente, tive que ficar no meio, decidindo todas as querelas.

Eleito Presidente da Comissão, recordo-me que nomeei o Deputado Oswaldo Lima Filho, que era do PTB de Pernambuco e havia sido Líder do partido, à época, do Presidente João Goulart.  Era um homem que tinha ideias muito fortes a respeito do campo e da reforma agrária – ele havia lutado muito por isso à época do governo João Goulart. Ele, portanto, se tornou o Relator. E havia dois Vice-Presidentes: um era de Mato Grosso, Saldanha Derzi, fazendeiro, grande fazendeiro, representando os grandes fazendeiros do Brasil; e o segundo Vice-Presidente era um Deputado da Bahia, comunista. Veja como as forças se entrechocavam ali.

Bom, a Comissão foi andando, e eu fui várias vezes ao interior do País verificar como estavam os campesinos, sempre acompanhado de Oswaldo Lima Filho e de outros membros da Comissão, até que chegamos ao dia da votação final.

Como eu estava prevendo um radicalismo na hora da votação, transferimos a reunião de uma sala de Comissão para o Plenário do Senado Federal. E o que aconteceu? O Plenário foi insuficiente para abrigar todos os Deputados que quiseram participar da reunião, ainda que como livre direito deles, sem direito a voto, e os Senadores também. As galerias ficaram repletas de fazendeiros e de trabalhadores rurais – procurei fazer uma divisão dos lugares. Fizemos uma investigação antes, na entrada dessas pessoas, e apreendemos muitas armas, revólveres, facas e assim por diante, o que fiz muito bem, sem o que poderia até ter havido uma desgraça durante a paixão das votações ali e dos debates. Tive que responder a mais de 150 questões de ordem durante essa votação.

Em dado momento – a reunião começou às 5 horas da tarde, e chegamos, mais ou menos, às 7 horas da manhã do dia seguinte sem que ainda houvéssemos concluído a votação –, sobe à Mesa do Senado o Relator, Oswaldo Lima Filho, e ameaça o Presidente com um revólver, que estava pendurado na cintura, dizendo que, se eu votasse aquele relatório desempatando – porque eu desempatava tudo – pelo lado dos pecuaristas e fazendeiros de um modo geral, ele me daria um tiro. Quem me defendeu na hora foi o fazendeiro Saldanha Derzi, o Senador Saldanha Derzi, que portava também um revólver com bala dundum – eu nem sabia o que era bala dundum. O fato é que houve aquele entrechoque ali. Eu consegui dominar a situação e pusemos em votação. Aconteceu o que eu imaginava: ficaram 11 votos de um lado, 11 votos do outro, e eu tive que desempatar a votação. Foi um drama nesse dia.

Um dos membros da Comissão que era da esquerda – não se sabe até hoje por que razões; disse que havia sido cooptado pelo fazendeiro –, resolveu desaparecer da Comissão e foi para o seu Estado natal, o Pará, e durante a noite foi trazido de volta quase à força pelos companheiros, para que comparecesse e votasse. E assim se deu.

Foram episódios dessa natureza, de grande tensão, que marcaram a elaboração da Constituição brasileira que hoje temos.

ENTREVISTADORA – Só para completar, nesse dia em que o senhor votou, o senhor estava votando o substitutivo do Rosa Prata ou o relatório original do Oswaldo Lima Filho?

SENADOR EDISON LOBÃO (MDB - MA) – Era o substitutivo do Rosa Prata porque o do Oswaldo Lima Filho pareceu a todos, ou a muitos, extremamente radical, de esquerda, como que impraticável. E tivemos, então, de partir para uma solução que se não era boa era pelo menos mais amena do que o relatório original do Relator.