Entrevista com Senador Cássio Cunha Lima - Bloco 4


ENTREVISTADORA – Vamos falar das questões políticas um pouco, Senador.

O País e a própria assembleia viveram momentos de muita disputa política entre as suas próprias lideranças, entre o Presidente da Assembleia, do PMDB, e o Presidente da República na época, entre o Deputado Ulysses Guimarães e o Presidente Sarney, em especial em relação à questão do mandato presidencial. Houve a questão do Centrão, as questões de conteúdo relacionadas aos interesses do Centrão, os cinco anos, inclusive, a reforma agrária, o presidencialismo, o parlamentarismo e tantas outras questões.

Como o senhor acompanhou as questões mais importantes relacionadas à disputa política dentro da Constituinte? Como o senhor atuou? O que o senhor lembra desses momentos de maior disputa política, em especial na questão Ulysses, Sarney, Mário Covas? O que o senhor lembra? O que o senhor gostaria de registrar como memória disso?

SENADOR CÁSSIO CUNHA LIMA (Bloco Social Democrata/PSDB - PB) – O meu alinhamento político era com o Senador Mário Covas, que era o Líder do Partido, e, como já foi dito, eu era Vice-Líder. Só que, nesse tema, eu tinha uma divergência, porque Covas e a maioria desse agrupamento político defendiam o parlamentarismo, e eu defendi o presidencialismo. Eu votava nos quatro anos para Sarney. Eu votei nos quatro anos para o Presidente Sarney. E quem votava nos quatro anos para o Sarney era tido e tratado como oposição ao governo. Essa era uma questão fundamental, era fulcral. Naquele instante, as concessões de rádio e de televisão eram dadas gratuitamente. Lembro-me bem de que o então Ministro das Comunicações Antônio Carlos Magalhães me chamou no gabinete dele e disse: "Olha, você vai ser o Luís Eduardo [o Luís Eduardo, filho dele, Deputado da Bahia] da Paraíba. Basta que você ajude o Presidente Sarney com o mandato de cinco anos; a gente não quer nem os seis." A Constituição anterior garantia seis anos para o mandato do Presidente da República. Então, o Presidente Sarney já tinha, num ato que hoje compreendo sábio e maduro – àquela altura, eu não tinha essa compreensão –, auto encurtado o seu mandato para cinco anos, só que nós queríamos quatro anos. E esse foi um fator de divisão de águas na relação com o governo Sarney.

Eu me mantive irredutível na defesa dos quatro anos, votei pelos quatro anos e deixei de receber – e não me arrependo disso – concessão de televisão em João Pessoa, concessão de televisão em Campina Grande, emissoras de rádio nas duas cidades. E quem votou àquela altura recebeu essas concessões porque isso era dado como moeda de troca neste sistema que, ainda hoje, infelizmente, persiste na política brasileira do toma lá, dá cá. É uma cultura que vem de longe e que, infelizmente, ao invés de melhorar, está piorando a cada dia. E eu continuo um crítico dela. Não se pode fazer relação política com esse tipo de barganha, com esse tipo de negociação, com esse tipo de toma lá, dá cá. Então, àquela altura, mantive minha coerência, mantive a defesa dos quatro anos para o Presidente Sarney, apesar das ofertas que o governo fazia àquela altura; recusei todas elas. E registro novamente: não me arrependo; pelo contrário, orgulho-me disso.

Houve um momento em que chegou a votação do sistema de governo. É um episódio que eu gosto de contar sempre porque foi a única votação, ou uma das poucas, cujo quórum foi 100%. O Dr. Ulysses, quando tocou a campainha, chamando a sessão do dia seguinte, disse mais ou menos isto: "Amanhã será votação do sistema de governo. A única justificativa de ausência que eu vou aceitar é o atestado de óbito. Então, compareçam, porque vamos votar o sistema de governo do Brasil." E aí foi todo mundo, inclusive Afonso Arinos, que já estava com a situação de saúde difícil. Acho que o próprio Afonso Arinos foi numa cadeira de rodas e votou. Cem por cento! Cem por cento dos Constituintes votaram, e, nessa instância, eu votei pelo presidencialismo, porque era minha convicção. Quando Mário Covas viu no painel meu voto em favor do presidencialismo, olhou para mim e disse: "Até você, Cássio?" E eu disse: "Mas eu sempre fui presidencialista!" Ele imaginava meu voto a favor do parlamentarismo. Hoje eu reconheço que, se talvez tivéssemos feito uma experiência parlamentarista no Brasil, teríamos evitado uma série de crises que o País enfrentou.

Isso é um processo de amadurecimento político que você vai acumulando ao longo da sua vivência, mas, de fato, o presidencialismo brasileiro precisa de uma reflexão, porque não é normal que um sistema presidencialista como o nosso tenha, em tão curto espaço de tempo, tantas crises como nós já tivemos, a começar por dois Presidentes que foram impedidos no exercício dos seus mandatos.

Havia, sim, naquele instante, objetivando um pouco a resposta à sua pergunta, uma disputa para um presidencialismo mais mitigado de um governo muito fragilizado, que era o governo do Presidente Sarney, que passou a enfrentar crise econômica e hiperinflação, que perdeu bases no Congresso, e o desejo de se implantar um parlamentarismo, em que, de fato, o Dr. Ulysses poderia surgir como Primeiro-Ministro para conduzir o Brasil. Então, houve uma disputa muito acirrada nessas duas posições políticas, prevaleceu o Centrão, prevaleceu a maioria que o governo fez à época com esse tipo de benesses, distribuindo rádio e televisão pelo Brasil afora entre os Parlamentares; outros instrumentos foram utilizados também nesse sentido. E saímos, em seguida à promulgação da Constituição de 1988, para a eleição presidencial, em que, infelizmente, o Dr. Ulysses teve uma votação muito pequena, e merecida a votação. Naquele instante, apesar de estar no PMDB – eu não tinha ido ainda para o PSDB –, eu votei em Covas. Meu pai era o meu líder, eu pedi autorização a ele, que disse: "Não há problema. Vá ao Dr. Ulysses e comunique a ele que você tem suas razões para votar em Mário Covas." Assim fiz; numa conversa muito constrangedora, fiz a comunicação. E votei em Mário Covas, por tudo o que tinha acontecido, por toda a vivência que nós tínhamos experimentado na Assembleia Nacional Constituinte.

Houve esse embate, sim. Era uma queda de braço constante. Isso monopolizou a disputa e o embate político durante a Constituinte.

Houve um momento em que se fazia um terrorismo muito grande quanto à possibilidade de um novo golpe militar. Um suposto golpe militar era usado como força de pressão nos Constituintes, para que eles concedessem os cinco anos para Sarney. O recado era muito simples: "Sarney tem direito, em tese, a seis anos de mandato. Ele está abdicando de um ano e, portanto, aceita os cinco anos. Mas reduzir para quatro anos ele não aceita, e poderemos ter um golpe militar no Brasil por conta disso." Então, havia, nos bastidores esse zum-zum-zum, e ninguém caiu nessa conversa, apesar de muito jovem.

Há uma história muito curiosa: meu pai era muito amigo de Saulo Ramos, que era o Consultor-Geral da República. E Saulo me liga certa vez, dizendo: "Olha, eu estou precisando conversar com você. Pode vir aqui em casa?" E eu disse: "Vou, com o maior prazer!" Fui à casa de Saulo. Ele fez todas as lembranças da amizade com meu pai, e eles, de fato, eram grandes amigos, tinham advogado juntos em São Paulo. E aí fez esta leitura: "Olha, o Brasil está no risco, a democracia está muito frágil, está começando agora. Veja bem! Eu acho que é importante seu voto para os cinco anos de Sarney. Há um risco. Não estou dizendo que vai acontecer, mas, se vierem quatro anos, pode haver uma instabilidade na caserna, nos militares." Eu ouvi aquilo tudo, voltei para casa. Meu pai sempre foi meu oráculo, meu orientador político. Aí reproduzi a conversa que eu tive com Saulo. Eu disse: "Olha, conversei com Saulo, e ele disse isso, isso e isso." Meu pai deu uma risada e disse: "Não, não leve a sério Saulo, não, porque ele está fazendo terrorismo. Isso é para usar um argumento mais forte para conquistar seu voto. Mantenha sua posição. Você já não tem um compromisso nesse sentido? Mantenha a sua linha, não perca a sua coerência!" E aí foi naturalmente o fator definitivo e decisivo para eu manter, obviamente, a posição que tive na defesa e no voto dos quatro anos para Sarney.

Teríamos abreviado, obviamente, o processo eleitoral. As eleições, que ocorreram em 1989, teriam ocorrido em 1988, um ano antes, junto com as eleições municipais. E quem sabe, talvez, tivéssemos obtido um resultado diferente daquele que obtivemos em 1989 com a eleição do Presidente Collor?

ENTREVISTADORA – A imprensa registra um acompanhamento muito próximo por parte do Gen. Leônidas, inclusive, não por isso, mas com relação ao interesse que as Forças Armadas tinham na possibilidade de intervenção na ordem interna. Não sei se o senhor se lembra disso.

SENADOR CÁSSIO CUNHA LIMA (Bloco Social Democrata/PSDB - PB) – Eu me lembro disso. Na verdade, havia esse resquício da ditadura. Nós estávamos saindo ainda desse período de ditadura. Como eu disse, Ronaldo Cunha Lima, meu pai, foi cassado, em 1968, na condição de Prefeito de Campina Grande. Cumprimos um exílio dentro do próprio Brasil, não tivemos de morar no exterior, e o fato é que havia esse resquício.

Há outro episódio muito pitoresco. Acho que ninguém conhece essa história. Havia um Deputado da Paraíba, o querido amigo Edivaldo Motta. Edivaldo era muito irreverente, muito brincalhão. Quem o conhece sabe disso. Eu estava chegando do Congresso, com ele, a casa, na 302, no Bloco A, onde morávamos, já perto de 2h, 3h da manhã. Quando chegou a reta final, trabalhávamos madrugada adentro. Aí trabalhávamos de manhã, de tarde, de noite, de madrugada, para poder cumprir o prazo de elaboração da Constituição. Estava chegando ao prédio um Deputado mineiro, cujo nome não vai me ocorrer. Era um alto. Talvez, se eu lembrar o nome na entrevista, eu diga. Nós estávamos chegando do Congresso. "Vocês estão chegando do Congresso?" Aí o Edivaldo disse: "Não, nós estamos indo para o Congresso." "Por quê?" "Você não soube, não? O Exército tomou o Congresso Nacional." Ele era muito brincalhão, o Edivaldo Motta. É a cara dele isso! "O Exército cercou o Congresso Nacional, e estamos voltando para lá, para resistir. Vamos resistir, não vamos permitir novo golpe." Ele disse: "Não é possível!" Ele pegou o carro e foi para o Congresso. No outro dia, esse senhor estava zangado com o Edivaldo. Foi um trote que o Edivaldo Motta passou, um trote, literalmente um trote. Ele não contou conversa, voltou para o Congresso, para vir resistir contra o cerco do Exército ao Congresso Nacional.

Então, havia também essas coisas, enfim, um pouco de presença de espírito, de brincadeira. Mas houve um momento em que esses rumores sobre a possibilidade de um golpe eram muito fortes.