Entrevista com Senador Fernando Collor - Bloco 3


ENTREVISTADORA– Senador, eu quero voltar um pouquinho à Constituição.

O senhor falou da medida provisória, que foi, por exemplo, o que facilitou o Plano Collor, que foi instituído por uma medida provisória. Mas há críticas à medida provisória. Do seu ponto de vista como Presidente, era uma coisa positiva que lhe permitia governar, mas, do seu ponto de vista como Senador, nem tanto. A minha pergunta é a seguinte: a medida provisória reduz a importância do Congresso?

SENADOR FERNANDO COLLOR (Bloco Moderador/PTC - AL) – Sem dúvida!

ENTREVISTADORA– Ou ela torna o Presidente refém dos humores do Congresso?

SENADOR FERNANDO COLLOR (Bloco Moderador/PTC - AL) – Sem dúvida, é uma coisa e outra, mas principalmente a primeira, porque a medida provisória ainda traz no seu bojo esse ponto que desaprecia a ação do Legislativo, pois a medida provisória é aquilo: quando a gente assina uma medida provisória, ela passa a ter vigência imediata depois da publicação no Diário Oficial, e ao Congresso Nacional, o Poder ao qual, pela atribuição da Constituição, cabe elaborar as leis, resta apenas o papel de homologar ou não homologar aquilo que já está não só decidido, mas com o seu efeito já em prática.

ENTREVISTADORA– Senador, há outra coisa: o senhor falou da questão do Judiciário. A Carta de 1988 facilita a relação entre os três Poderes da República ou a dificulta?

SENADOR FERNANDO COLLOR (Bloco Moderador/PTC - AL) – Dificulta.

ENTREVISTADORA– Por quê?

SENADOR FERNANDO COLLOR (Bloco Moderador/PTC - AL) – Porque cria esse problema de que estávamos falando agora há pouco, ou seja, essa questão da judicialização do Poder Legislativo. O Poder Legislativo está sendo judicializado. Então, o Poder Legislativo fica nesse embate. De um lado, há as medidas provisórias. Se formos ver quantos projetos nasceram da lavra de Parlamentares, confrontando esse número com o daqueles que nasceram da lavra do Poder Executivo via medidas provisórias, veremos que há uma diferença enorme. Há uma diferença enorme! A volúpia com que são assinadas as medidas provisórias é tamanha que não nos dá tempo de pensar em outra coisa a não ser em como vamos votar nessa ou naquela medida: "Vamos votar assim? Vamos votar contra? Vamos votar a favor?"

Ainda há os famosos "jabutis", aquelas questões que vêm embutidas. Por exemplo, em uma medida provisória que trata de previdência, é embutida uma matéria tributária, que não tem nada a ver com o objeto principal da medida provisória.

Então, nós ficamos cerceados, de um lado, pelo Poder Executivo, que legisla via medida provisória, e, de outro lado, pelo Poder Judiciário, não porque o Poder Judiciário – volto sempre a frisar isso – queira ou deseje, mas porque tem de oferecer respostas a questionamentos que nós próprios estamos fazendo sobre aquilo que nós próprios escrevemos na Carta Constitucional, isto é, para que o Poder Judiciário interprete aquilo que nós escrevemos. É como se a gente escrevesse alguma coisa aqui e dissesse: "Eu não entendi o que eu escrevi. Por favor, interprete aqui o que eu acabo de escrever."

Então, é uma situação de extremo incômodo, porque o Poder Legislativo, que é o Poder – levando o termo à sua mais precisa acepção – da legitimidade, que é o Poder mais legítimo que nós temos, pois é o Poder Legislativo a Casa do povo, é a Casa da Federação... Enfim, as casas do povo e da Federação – Câmara e o Senado – ficam, na realidade, à mercê, nos seus debates, nas suas discussões, no seu dia a dia de trabalho, de debater sobre o que trata a medida provisória tal ou, então, quando há alguma dúvida, de esperar uma resposta a uma consulta que foi feita ao Supremo Tribunal Federal sobre determinado artigo, sobre o que aquilo significa, sobre se aquilo pode ser aplicado da maneira como está se aplicando, ou se aquilo é inconstitucional, se fere alguma norma constitucional, e assim por diante.

ENTREVISTADORA– É uma armadilha. Na verdade, o Legislativo fica quase numa armadilha.

SENADOR FERNANDO COLLOR (Bloco Moderador/PTC - AL) – Sim, fica em uma situação. Fica cerceado, fica num corner. Fica num ringue de boxe, fica num corner. Ele não tem como sair disso.

Então, é necessário que a Carta Constitucional possa ser oxigenada, possa respirar melhor, possa ser mais translúcida, possa ser mais cristalina, mais límpida, sem tantas coisas, sem tantas intervenções, seja no quotidiano das pessoas, seja na própria execução dos Poderes naquilo que lhes cabe realizar.

ENTREVISTADORA– O senhor fala como se a sensação fosse de paralisação, e a gente tem um pouco essa percepção de que o Congresso, muitas vezes, está paralisado. É engraçado!

Mas, na minha pergunta agora, eu vou voltar no tempo um pouco.

O senhor era governador na época da Constituinte. A gente queria saber se, como governador, o senhor manteve um contato mais próximo com a Bancada do seu Estado, juntamente com outros governadores, para acompanhar as questões regionais, e se o senhor tinha alguma experiência mais próxima de algumas das lideranças da Constituinte que o senhor gostaria de destacar.

SENADOR FERNANDO COLLOR (Bloco Moderador/PTC - AL) – Das lideranças da Constituinte, foram muitas. Podemos começar pelo Dr. Ulysses, uma grande figura, um homem extraordinário. E, como governador, eu mantinha um contato sempre muito presente com nossa Bancada e também com o Relator da Constituinte, o então Deputado Bernardo Cabral.

Houve um fato muito interessante. Quando governador, eu iniciei a luta contra os supersalários, contra os salários exorbitantes pagos a funcionários graduados do serviço público. Foi uma luta que se resumiu na palavra "marajás", ou seja, uma luta contra os marajás do serviço público. Então, nós verificamos que as origens do marajaísmo estava em dois ou três artigos da Constituição que proporcionavam aquela cascata de anuênios, biênios, triênios, quinquênios, decênios, e isso tudo se acumulava, o que gerava salários astronômicos. Então, eu fui ao então Relator da Assembleia Nacional Constituinte, ao Relator dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, o Deputado Bernardo Cabral, levando a ele esta minha solicitação: "Olha, se nós quisermos acabar com os marajás, nós temos de mexer nesses artigos." E aí dei a sugestão sobre quais artigos deveriam ser mexidos, com o que ele concordou plenamente, fazendo incluir na Carta de 1988 artigos que, aí sim, não permitiriam que germinassem mais marajás no serviço público. Infelizmente, anos depois, quando deixei a Presidência, esses artigos voltaram a ser introduzidos, porque atendiam a interesses de castas poderosas do serviço público. E o fato é que os marajás voltaram a existir.

Mas esse é apenas um exemplo do relacionamento que eu mantinha com os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, juntamente também com nossos Parlamentares da Bancada Federal de Alagoas, que, enfim, tiveram um desempenho muito bom e muito aplaudido.

ENTREVISTADORA– Uma das questões, imagina-se, foi a da distribuição das verbas, dos tributos entre Estados, União e Municípios. E o capítulo "Da Ordem Tributária" é, hoje, muito criticado por ser muito extenso e por não garantir que haja um equilíbrio na distribuição de recursos e na atribuição de deveres.

SENADOR FERNANDO COLLOR (Bloco Moderador/PTC - AL) – Isso, muito bem!

ENTREVISTADORA– O senhor também tem essa opinião?

SENADOR FERNANDO COLLOR (Bloco Moderador/PTC - AL) – É claro! Essa é outra discussão que faltou colocar nessa nova Assembleia Constituinte exclusiva, que é a discussão do Pacto Federativo. O que a Constituição de 1988 fez? Ela disse: "Vão caber agora aos Estados e aos Municípios esses encargos." Mas, para fazer face a esses encargos, ela tinha também de dizer: "Para fazer face a esses encargos, esta Constituição decide que vai haver recursos provenientes desse fundo assim, assim e assado, do FPM e do FPE, que ficarão com um percentual maior, para que esses encargos possam ter o seu correspondente financeiro para sua execução." E não foi feito assim.

Então, há esse estrangulamento de que, ao longo desses últimos anos, aqui e acolá, sempre se fala. Há o movimento dos prefeitos, dos vereadores dos Municípios, dos governadores de Estado, porque eles passaram a ter responsabilidades que antes eles não tinham, sem que tivessem ao mesmo tempo sido proporcionadas a eles condições para fazer face a esses encargos.

Então, tem de ser rediscutido o Pacto Federativo. Do jeito que está, não pode continuar.

ENTREVISTADORA– Isso é mais ou menos urgente ou não, Senador?

SENADOR FERNANDO COLLOR (Bloco Moderador/PTC - AL) – Isso é muito urgente! Isso é muito urgente!

ENTREVISTADORA– Poderia esperar?

SENADOR FERNANDO COLLOR (Bloco Moderador/PTC - AL) – A situação de penúria por que passa a imensa maioria dos Municípios brasileiros é muito grande, sobretudo depois de um período de profunda recessão por que nós passamos. Isso apenas agrava. Se isso é urgente? É, mas nem sempre o que é urgente podemos fazer no dia seguinte. Temos de adaptar a urgência que nós temos hoje, a possibilidade real de tratar dessa questão, que é urgente, e de solucioná-la. E, se o remédio for uma nova assembleia, uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva para tratar desses temas, nós teremos de ter pelo menos um período de quatro anos.