Entrevista com Senador Paulo Paim - Bloco 1


ENTREVISTADORA– Em 20 de março de 2018, registramos o depoimento do Senador Paulo Paim sobre sua participação na Assembleia Nacional Constituinte de 1987/88, como parte do projeto de História Oral, comemorativo dos 30 anos da Constituição.

Participam da gravação Virginia Malheiros, Tânia Fusco, Ricardo Alagemovits e Chico Boneta.

 

 

ENTREVISTADORA - Na Constituinte, o senhor teve o seu primeiro mandato parlamentar. O senhor tinha, então, 37 anos e era sindicalista. Eu pergunto: como o senhor chegou à Constituinte? Quer dizer, um pouquinho antes, a sua história e como o senhor veio a ser candidato e foi eleito?

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) - Olha, nós, naquela época, já fazíamos – isso foi importante para eu chegar à Constituinte – algo que estamos fazendo agora, agora, na vida pública, principalmente para eleger candidatos ligados a esse ou àquele setor.

Na verdade, eu comecei minha vida como líder estudantil. De forma rápida, dá para sintetizar. Eu fui presidente de grupo na sala de aula já, no primário. Em seguida, quando terminei o primário, fui para Porto Alegre vender frutas na feira livre com um primo meu. Eu tinha 10 anos, mas fui obrigado a ir. De 10 a 12 anos, eu fiquei em Porto Alegre, mas fiz um teste no Senai e passei no Senai.

Por isso, eu defendo até hoje o Sistema "S". Defendi na Constituinte e defendo até hoje, porque acho fundamental a formação técnica para que a nossa juventude tenha uma formação que lhe permita até cursar uma universidade, podendo até pagar se for o caso. Claro que o ideal é a escola pública.

Mas, depois de me formar no Senai, fui para o Ginásio Noturno Para Trabalhadores, aí já com 14 para 15 anos, e virei presidente do Ginásio Noturno Para Trabalhadores. Aí, já era a época da ditadura, por volta de 1964/1965. Eu sou de 1950. Atravessei aquela época do golpe militar sendo presidente do Ginásio Noturno Para Trabalhadores.

Mas, como a gente já fazia mobilizações, trazia a moçada até Porto Alegre, fazer aquelas passeatas pedindo a liberdade, eu fui convidado pelas forças da época, as forças que mandavam no País, a abandonar o Ginásio Noturno Para Trabalhadores. Disseram: "Olha, você vai sair daqui e vai para o Ginásio estadual de Santa Catarina". Era um outro ginásio, também noturno, numa outra região. Mas eu tinha de assumir o compromisso de, lá, não me meter de novo em grêmio e não ser presidente do grêmio. Eu disse: "Não, está legal." Molecão, aí cheguei lá, me apresentaram para a diretora, dizendo que eu iria estudar lá e tal.

Tudo bem. Dois meses depois, eleições para o grêmio estudantil, Escola Estadual Santa Catarina, no bairro Santa Catarina. Quem vir isso aqui vai lembrar. Nunca me esqueço. A diretora era Diretora Iló, gente boa também. Disse: "Entrou, pode ser candidato." Está bem. Resultado: vieram as eleições, ganhei quase por unanimidade as eleições. Daí a diretora, de forma muito tranquila, disse: "Paim, não vai dar. Nós vamos agora para uma assembleia, e tu vais ter que dizer que não pode assumir a presidência do grêmio do nosso colégio".

Pois bem, calcule: toda aquela gurizada rebelde. Fomos para uma assembleia. Resultado: por unanimidade, eles referendaram que eu não podia sair do grêmio.

Aí, o que acontece? As forças da época disseram: "Deu pra ti. Vais ter que sair daqui também."

Aí, saí e fui para as fábricas e ali fui crescendo, primeiro como... E eu pertenço até hoje ao grupo Tramontina. Daí me tornei presidente de Cipa, por um processo inovador que eu trouxe para cá. Hoje, para você eleger para Cipa, o representante do empregado é votado na fábrica; e o do empregador é indicado pelo empregador.

Nunca me esqueço do Dr. Manfroi, diretor gente finíssima. Eu disse: "eu aceito participar da Cipa, mas tem que ser votado." E fui eleito então Presidente da Cipa.

ENTREVISTADORA– Vamos explicar o que é Cipa, Senador.

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Cipa, Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, que acho um equívoco. Ali, você tem, digamos, seis empregados e seis empregadores, mas todos têm de combater o acidente. Então, eu consegui inovar naquela região e consegui que os 12 fossem eleitos pelo voto direto.

Estou contando isso porque, dali em seguida, aparece... Eu começo nas assembleias, no Sindicato de Metalúrgicos de Canoas...

E o que tem a ver com a Constituinte? Vamos ver mais à frente.

Resultado: chego lá, o sindicato devagar, tal. Em resumo da história, eu me apresento como candidato a Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Canoas. Daí o Dr. Manfroi – faço aqui uma homenagem o citando, porque foi muito querido comigo – me diz: "Olha, Paim, você optou por sair da Cipa, ir para lá, mas só vou dizer uma coisa. Vá e não me volte aqui derrotado. Vai e ganha essas eleições."

Fui, ganhei as eleições disparado e assumi por quatro anos a Presidência do Sindicato de Metalúrgicos de Canoas. Na sequência, antes de terminar os quatro anos, fui eleito Presidente da Central Estadual de Trabalhadores do Rio Grande do Sul, que unia todos os sindicatos.

Na sequência, fui eleito Secretário-Geral da CUT, quando foi criada em nível nacional, e aí entra a história que tem a ver.... todo esse roteiro. Daí, veio a Assembleia Nacional Constituinte, e eu comecei a participar dos debates já para formulação de propostas para a Constituinte, todo animado. E, nesse processo, realiza-se no Rio Grande do Sul um congresso estadual de trabalhadores, de onde tiraram quem seriam os representantes dos trabalhadores na Assembleia Nacional Constituinte. Claro, ia disputar o voto, ia escolher o partido. Resumo: Valdomiro Orso, faço outra homenagem, já falecido também, era o Presidente da Federação dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul. Saiu o meu nome e o dele. Ele subiu no palanque e disse o seguinte, no meio do congresso: "Olha, se nós colocarmos dois, não vamos eleger nenhum. Renuncio ao meu nome. Vou viajar o Estado com o Paim, e nós vamos eleger o Paim."

Foi assim que eu saí como indicado para ser Deputado Federal Constituinte.

Partido. Aí me disseram: escolha o partido que você bem entender que nós vamos todos apoiar. Aí, eu optei pelo PT e, assim que eu cheguei, eu e o Olívio Dutra – naquela época o PT elegeu dois – ficamos entre os dez mais votados e viemos para a Assembleia Nacional Constituinte. Foi assim que eu cheguei aqui no Congresso Nacional para começar essa construção da Constituição cidadã.

ENTREVISTADORA– Atuar na Comissão de Ordem Social, particularmente na Subcomissão de Direitos dos Trabalhadores e dos Servidores Públicos, foi uma escolha pessoal do senhor ou foi uma indicação do seu Partido?

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Essa é uma pergunta interessantíssima também, aqui a provocação de vocês é muito boa.

Foi uma opção minha. No momento lá havia três candidatos: Lula, Olívio Dutra e eu, para ser aquele que ia tratar do capital e do social, que vai cuidar ali de todos os direitos dos trabalhadores da área pública e da área privada, enfim, do campo e da cidade, que era a marca do PT.

Aí o Lula disse: "Olha, eu vou abrir mão. O Paim é Secretário-Geral da CUT Nacional e está aqui." Aí me passaram para Vice-Presidente nacional. O Jair Meneguelli era Presidente e eu era Vice. "Eu vou abrir mão." Aí o Olívio Dutra também disse: "Olha, o Paim já é um dirigente nacional conhecido e tal. Eu também abro mão para que o Paim fique, então, sendo o coordenador da Bancada nessa área do mundo do trabalho pela experiência que ele tem. Não que nós não tenhamos, mas que ele também tem construída no dia a dia. E o posto a que ora ele chega..." E assim eu fui indicado, então, para ser o coordenador da Bancada do PT nessa área, principalmente do Capítulo da Ordem Social. Então, foi uma caminhada que uniu o movimento sindical, o Partido e as forças progressistas que assim entendiam.

A partir daí – eu me lembro muito bem –, nós nos reuníamos na sede da Contag aqui, em Brasília. Reunimos lá a Bancada chamada mais progressista – eu prefiro este termo –, e lá, com a assessoria do Diap, Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, elaboramos uma proposta, que todos assinaram e nós entregamos exatamente na Comissão da Ordem Social, onde seriam discutidos os direitos dos trabalhadores, dos aposentados e pensionistas. E lá, no debate na comissão, nós fomos avançando, e, para mim, saiu um texto moderno para a época, um texto que, sem sombra de dúvida, contemplava a maioria das propostas que vieram do mundo do trabalho.

Eu me lembro de que houve um debate em que alguém do setor empresarial disse: "Ô Paim, tu queres transformar a Constituição num dissídio coletivo?" Ele dizia que era muito detalhista, né? Eu disse: "Olha, tudo aquilo que eu colocar aqui como emenda constitucional autoaplicável vocês não retiram. Quero ver vocês terem os três quintos. Então, nós vamos, sim, colocar tudo que for possível." Então, é por isso que a Constituição, não só na minha visão, mas também na de outros, é tão detalhista e, para mim, muito rica nesse aspecto, porque, se não fosse isso, se lembrarmos o momento atual, com essa reforma trabalhista que foi feita, foi feita por lei ordinária. Mas não puderam mexer em alguns pontos fundamentais que nós preservamos graças a essa visão de gravar no Texto Maior, tanto que a previdência eles não conseguiram aprovar porque está no texto da Constituição e não tinham – hoje, né? – 309 Votos na Câmara e 48 votos no Senado.

Então, alguém pode perguntar se foi proposital. Foi proposital fazer tão detalhista? Foi, e graças a Deus que foi.

ENTREVISTADORA– Quem foram os principais aliados nos outros partidos, Senador? Porque vocês aprovaram muitas coisas, né?

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Com certeza.

ENTREVISTADORA– A jornada de trabalho, enfim...

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Turno de seis horas... O João Paulo, de Monlevade, foi o grande articulador.

ENTREVISTADORA– Turno de seis horas, até seguro-desemprego...

ENTREVISTADORA– Seguridade social, né?

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Seguro-desemprego, 44 horas... Era 48 e passou para 44.

ENTREVISTADORA– Mas nada disso teria passado se não tivesse havido uma negociação bastante ampla.

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Sem sombra de dúvida.

ENTREVISTADORA– O senhor poderia contar um pouco dessa negociação que passou, para além do PT?

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Com certeza absoluta. E eu tenho essa visão muito clara. O PT, sozinho, não chegaria a lugar nenhum, né?

ENTREVISTADORA– Vocês eram 16, não é?

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Éramos 16 Constituintes, mas nós soubemos, na época, dialogar, não ser sectários e conversar com todos.

Nós éramos divididos entre o Centrão, por um lado, e o chamado Bloco Progressista, pelo outro. E nesse Bloco Progressista, claro, estavam o MDB, na época, o PDT, Partido do Brizola, naturalmente, o PTB, que já existia. Eu me lembro do Gastone Righi, forte, que articulava muito bem. Enfim, havia uma demarcação mais ou menos nessa área. E, sem sombra de dúvida, o Covas cumpriu um papel fundamental. O Covas, o Ulysses Guimarães, o Bernardo Cabral foram pessoas que demarcaram muito, muito, muito. Eu tive muito diálogo com eles na questão sindical, no direito de greve, em questões como jornada.

Eu nunca me esqueço do Alceni Guerra. Eu nem me lembro do partido em que ele estava na época. Mas o Alceni Guerra foi muito interessante. Licença-paternidade. Quando ele defendia a proposta, e nós tínhamos um diálogo com ele, ele dizia: "Eu vou defender e vou aprovar a licença-paternidade."

Quando anunciaram que ele iria para a tribuna defender a licença-paternidade, houve uma certa gargalhada, eu diria. Muitos riram dizendo "licença-paternidade não é, puff...", naquela tese de que homem não gera filho. Estou expressando aqui a tese: não gera filho, né? E ele foi para a tribuna e contou a experiência dele como pai de duas filhas. Ele fez um discurso tão bonito! Espero que ele esteja ouvindo esta minha fala, porque eu jamais esqueci. Foi um silêncio total naquele plenário, e passou a licença-paternidade praticamente por unanimidade.