Cacicas e pajés devem ser ativas e líderes, diz ativista no Dia Internacional da Mulher Indígena

Em comemoração ao Dia Internacional da Mulher Indígena (05/09), Marluci Ribeiro conduz entrevista para o artigo do Racismo em Pauta
05/09/2022 16h05

Dentre as diversas vertentes do Projeto Racismo em Pauta, existe o ebook do projeto, que consiste numa série de artigos escritos relacionadas às questões raciais. O artigo do Dia Internacional da Mulher Indígena, 05 de setembro, foi elaborado por Marluci Ribeiro de Oliveira, colaboradora do Senado Federal. Aproveite a leitura!

O Dia Internacional da Mulher Indígena é comemorado nesta segunda-feira (5) e foi criado para apoiar a luta por justiça social e a defesa dos povos nativos. A servidora da Rádio Senado Marluci Ribeiro, descendente de indígenas e integrante do Grupo de Afinidade de Raça do Senado, conduziu uma entrevista especial para comemorar a data.

A entrevistada foi a geógrafa, escritora e ativista Márcia Wayna Kambeba, pertencente à etnia omágua-cambeba. Ela falou sobre o contexto atual e a importância da efeméride, entre outros assuntos.

Para você, o que significa ser mulher indígena no Brasil hoje?

É um desafio, o que torna necessária essa postura de atuação e luta para que as novas gerações tenham possibilidades de ter continuidade e legado. A mulher indígena do século 21 não atua só na aldeia. Ela está presente em várias frentes, buscando formas de melhoria para o povo, relacionadas a políticas públicas, saúde, educação, cultura, fortalecendo a memória pelas narrativas. Para isso, estar na universidade se faz necessário também.

Criamos redes na busca de interligar mundos. Nossa cultura é rica e cíclica. Se compara à fluidez do rio. Por isso, precisamos registrar a memória e, para isso, abraçamos a literatura trazendo para a sociedade indígena e não indígena uma literatura dos povos originários, impregnada com nosso olhar, vivência e memória necessários para assegurar um novo amanhã. A mulher indígena percebeu que a política não contempla nossos anseios e direitos. Nos unimos e vimos a necessidade de ser criada a bancada do cocar, do maracá, para que possamos defender nossos territórios de invasão.

Qual o papel das mulheres indígenas nas suas comunidades, no Brasil e no mundo?

O papel da mulher indígena na aldeia do meu povo é de liderança. Nós omágua-cambeba somos matrilineares, ou seja, os filhos herdam a identidade da mãe. Na nossa aldeia, quando a mulher casa com um homem de outro povo, ele vai viver na aldeia dela e não ela na dele. No meu povo a mulher se torna Cacica e Pajé. Estamos em várias frentes como educação, cultura, saúde, artes etc. E precisamos cada vez mais assumir novos espaços porque, do nosso ponto de vista, todo espaço é de resistência e de luta.

Qual a importância do Dia Internacional da Mulher Indígena para você?

Não há muito a comemorar, apenas refletir. Dia 5 de setembro também é o Dia da Amazônia, de onde minha voz ecoa Bertolina e Gregória, duas mulheres indígenas do povo Aimara que foram brutalmente mortas. Elas lutaram em defesa do seu povo no seu país e foram capturadas e esquartejadas. Por isso a data dessa violência foi mantida como Dia Internacional da Mulher Indígena. E pergunto, quantas Bertolina e Gregória morrem todos os dias em seus territórios, lutando por direitos coletivos?

Nós, mulheres indígenas, precisamos de políticas públicas que atendam nossos anseios respeitando nossa cultura. Recentemente, uma mulher indígena mundurucu teve sua casa queimada, uma menina de 13 anos em sua aldeia foi estuprada, outra mulher indígena jovem, Gisseli Gonçalves, do povo cambeba, foi sequestrada há mais de cinco anos e até hoje não sabemos o que fizeram com ela. E tantas mulheres indígenas sofrem violências diversas todos os dias. Precisamos ecoar mesmo que isso represente perigo à vida.

Como é a mulher indígena do futuro, na sua opinião?

Não faço ideia por que diferente dos não indígenas nós não temos preocupação com o futuro. Precisamos olhar bem nosso passado histórico para projetar esse presente, pois dele dependerá um futuro sadio. Arrisco dizer que a mulher indígena do futuro esteja melhor preparada para lutar na cidade, pois precisamos nos fortalecer, em busca de um planeta melhor pra todos nós.

O clima foi alterado, nosso rio mudou de rumo, nossos curumins sofrem com a poluição que vem dos grandes centros urbanos, nossas florestas estão sendo consumidas no fogo da ganância e a mulher indígena do futuro terá uma longa estrada de lutas e resistências.