Talk show promove reflexão sobre mudanças de paradigma masculino

07/05/2018 14h45

Servidores do Senado puderam debater, nessa quinta-feira (10), assuntos relacionados ao papel do homem na sociedade, paternidade e relação profissional com mulheres. Homens conversando com homens para descontruir (pré)conceitos, como descreveram os palestrantes. O jornalista Aluizio Oliveira, da TV Senado, foi o mediador do debate.

O palestrante André Boaventura iniciou o debate afirmando que os homens precisam evoluir e questionar a normatividade e a naturalidade dos comportamentos masculinos.

— Precisamos deslegitimar o presente, esse comportamento de masculinidade considerado normal. Mudar a idealização de que homem não chora, tem que ser forte, rico e cheio de mulheres para ser um homem de sucesso.

Boa parte das frustrações dos homens, segundo André, é por não conseguir atingir o objetivo desse ideal atual de homem de sucesso. Ele lembrou o caso do sistema carcerário, composto em sua maioria por homens, assim como o número de suicídios, maior entre esse gênero.

— O homem se frustra ao não corresponder às expectativas desse ideal, pois o maior medo do homem é não parecer homem. Mas estamos nos matando por esse ideal, por estarmos aprisionados, por não conseguirmos pedir ajuda, não deixar aflorar nossas emoções. Vocês como homens estão sendo livres hoje? — André perguntou aos participantes.

Paternidade e Tragédia

Em seguida, André contou sua história de vida, que passou por uma revolução em 2013, com a chegada de seu filho Manoel e fez com que ele mudasse sua “postura machista” e a forma como via o mundo. Ele disse que acreditava, então, ter vencido na vida, mas, poucos meses após o nascimento do filho, uma tragédia mudaria sua forma de viver e de se relacionar com seu filho e com a sociedade.

André estava viajando de carro com sua esposa para a casa de seus sogros quando perdeu a direção do veículo, ao desviar de um animal na pista, e capotou o carro diversas vezes. Lícia Laura, sua esposa à época, foi arremessada do automóvel e morreu na hora.

— Uma semana depois, eu estava trabalhando. Juntei minha equipe e falei que estava tudo bem. Eu era forte, não chorava, tinha que seguir minha vida. Mas a verdade é que, em seguida, fui me autodestruindo. Consumia álcool e drogas todos os dias e entrei em depressão profunda. Até que um dia, enquanto eu estava cheirando cocaína no banheiro e meu filho ficou batendo na porta querendo entrar. Foi quando me questionei que tipo de pai eu queria ser para meu filho.

Desconstrução do machismo

A partir desse episódio, André afirmou que fragilizou-se, mostrou sua vulnerabilidade, assumiu para si mesmo que não dava conta de tudo e pediu ajuda para ressignificar sua vida. Desempregado e sem sua esposa, teve de ser um pai dedicado integralmente ao filho. Foi quando viu a realidade da dupla jornada que quase todas as mães enfrentam diariamente.

— No primeiro ano como pai e executivo, fiquei devendo 200 horas de trabalho, pois tive que ir com ele onze vezes ao médico e ficar alguns dias em casa aguardando ele se recuperar. Como a mulher vai conquistar o seu espaço dentro do mundo corporativo se nós não entendermos que nosso papel também é de ser pai? — indagou.

André deixou claro que a ideia é não estereotipar nenhum gênero.

— Eu estou me apresentando aqui como um cara que teve uma experiência e começou a desconstruir o machismo, pois ficou frágil e vulnerável. Mas isso faz com que eu coloque as mulheres nessa caixinha, como se ser frágil e vulnerável fosse coisa de mulher. Sou um ser humano, tenho coisas da energia masculina e da feminina. Mas minha formação é de ser humano. No século 21, o diferencial do ser humano vai ser o humano. Não vai ser homem ou mulher. Vamos parar de criar divisões, de polarizar. Nós podemos ser masculinos ou femininos, não há um único modelo de masculinidade. Há várias referências de masculino saudáveis. Ficar correndo atrás desse ideal de homem de sucesso está matando a gente — finalizou.

Referência de valores

Na sequência, o administrador de empresas Gustavo Tanaka seguiu o talk show lembrando que, para se conhecer como homem, é importante olhar para trás, para a linhagem familiar, pois nossos valores e visão de homem são moldados dentro da família.

— Quando eu pergunto quem eu sou, começo a olhar de onde eu vim. Quem foi meu pai? Quem é meu pai? O que significa isso? Eu não sei muito bem sobre isso, por isso eu vou buscar fundo. Porque se eu estou aqui falando de masculinidade é porque eu aprendi alguma coisa sobre isso. E eu aprendi a ser homem com meu pai, que aprendeu a ser homem com o pai dele. Mas também aprendi a ser homem com minha mãe, com a família dela.

Após um breve relato sobre a vinda de sua família do Japão para o Brasil, e como seu pai, trabalhando na lavoura de café em São Paulo, conseguiu estudar e se formar em medicina, Gustavo revelou a forma como foi moldado em seu conjunto de valores e como sua família influenciou esse processo.

— Meu pai aprendeu os valores da disciplina, da justiça, da paciência e da dedicação para cuidar da terra e o valor da família. Esse conjunto de valores passados ao meu pai, juntamente com os da minha mãe, foram transmitidos a mim. Foi como eu aprendi a ser um ser humano. Quando começo a entender, eu percebo que já tenho uma caixa de ferramentas com valores transmitidos pelos meus ancestrais. Mas também percebo que esses valores não são suficientes para me tornar aquilo que eu gostaria de ser, que não servem para todas as ambições que tenho, todos os sonhos e aventuras que eu quero viver.

Um homem melhor

Gustavo Tanaka entende que a busca para se construir uma sociedade melhor passa pela transformação de cada uma das pessoas, e que o diálogo é a melhor forma para gerar conhecimento e desenvolvimento de valores.

— Algumas coisas que quero fazer, não consigo, porque alguns valores e virtudes eu não desenvolvi. E comecei a me perguntar onde e com quem eu poderia aprender. Entendo que temos que dialogar para desenvolver. A busca por uma sociedade melhor passa pela transformação de nós como homens. Então quero aprender a ser homem com homens virtuosos, que saibam educar seus filhos e transmitir seus valores. Não conseguimos ser o homem ideal, não porque a gente não quer, mas porque a gente não sabe, ninguém ensinou.

Tanaka também destacou a importância da fé, uma capacidade de acreditar que é possível mudar, em todos os aspectos da vida e da sociedade, e na necessidade de nos reconectarmos com esse valor.

— A fé, no Brasil hoje, está enfraquecida, pois a gente olha ao redor e vê que está tudo errado, sem saída e não vai mudar. Mas se vocês estão aqui hoje, é porque de alguma maneira acreditam no surgimento de um novo homem, de uma nova masculinidade e de uma nova sociedade. Precisamos de fé, porque ela não existe na certeza, existe na dúvida, mas nos faz acreditar. E essa dúvida é suficiente para deixar uma luz entrar e criar uma chama de esperança. E quanto mais eu acredito, mais acontece.

Relações de trabalho

Durante o debate, Gustavo Tanaka ressaltou que as relações de trabalho são difíceis porque os homens não entendem o feminino, negam as emoções que estão dentro deles próprios. Ele acredita que muitas vezes o machismo passa estar escondido por uma relação inconsciente de menosprezar a mulher sem perceber.

— Não aprendemos a respeitar as mulheres. Eu mesmo já me percebi assim uma vez. Em uma palestra havia um homem e uma mulher. Enquanto ele falava, eu estava atento. E todas as vezes que eu olhava o celular ou iria pegar água, quem estava falando era a mulher. Eu não estava dando a atenção necessária para o que ela falava.

André também repudiou a “cegueira dos homens” em não ver as qualidades que as mulheres têm para chegar ao poder. E lembrou que as estatísticas mostram que boa parte das mulheres que se tornam mães não volta para o mercado de trabalho.

— Precisamos otimizar o processo para que as mulheres tenham a mesma representatividade dos homens. Os dados da ONU Mulheres mostram que essa representatividade ainda vai levar décadas para acontecer. Temos que ter uma consciência maior de que precisamos de diversidade para inovar.

O evento foi uma iniciativa do Comitê Permanente pela Igualdade de Gênero e Raça do Senado, com apoio da Diretoria-Geral da Casa.

Para assistir a palestra

Quem tiver interesse em assistir a palestra basta enviar e-mail solicitando o vídeo para eventos@interlegis.leg.brou ligar no ramal 6561 e falar com Geane ou André.

Sobre os palestrantes

Gustavo Tanaka é administrador formado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), fez três conferências TED (Technology, Entertainment, Design) e ficou entre os 15 brasileiros mais influentes da rede social Linkedin no Prêmio Top Voices em 2016. Ele também é autor do livro 11 Dias de Despertar: Uma Jornada de Libertação do Medo, de 2015, em que chama os homens para uma conversa para entender suas dores e sua dificuldade de lidar com mudanças. Para promover autoconhecimento e encontrar propósito na vida profissional e pessoal, criou o grupo Brotherhood, em São Paulo.

André Boaventura é coordenador administrativo da concessionária de rodovias Via Quatro. Apresenta-se como "pai de Manoel, formado na escola da vida com MBA em resolução de problemas e doutorado em cair, levantar e dar a volta por cima”. Equilibrista no papel de pai, executivo, palestrante e mentor, afirma, sua história de vida, com a inversão de papéis, credencia-o a fazer uma releitura do papel masculino e feminino. Aborda ideias como quais modelos e papéis estão pautando nossa educação.

Fotos: Flávio Lacerda/Comunicação Interna

Fonte: Comunicação Interna