Recuperação de agressores protege mulheres

31/05/2019 12h10

O Projeto Pauta Feminina realizou uma audiência pública para discutir “O papel da ressocialização do agressor no combate à violência contra a mulher” nesta quinta-feira, no Salão Nobre, às 10h.

A iniciativa reuniu autoridades e especialistas do Judiciário e do Executivo, que apresentaram sugestões de iniciativas legislativas, mediadas pela deputada Greicy Elias (Avante-MG), que sugeriu o tema.

Uma das conclusões é de que a ressocialização de agressores é possível e necessária, sendo objeto de várias iniciativas de sucesso, as quais mostram que lidar com a recuperação do agressor é uma forma de proteger a mulher.

Tempo de Despertar

Gabriela Manssur, promotora de Justiça em São Paulo falou sobre o Projeto Tempo de Despertar, voltado para o trabalho com homens agressores. A iniciativa trabalha com grupos reflexivos de homens denunciados por violência contra a mulheres promove cerca de 8 encontros com especialistas, com quem conversam.

“O nome do projeto foi dado no dia em que morreu Robin Williams, um ator que sempre fazia papeis de alguma pessoa que cuida, que ensina, que traz alegria, mas que não teve, talvez, quem dele cuidasse”, disse.

Autonomia

Segundo ela, os homens não nascem agressores, mas se transformam nisso porque, na sociedade machista, o homem se incomoda com a autonomia da mulher.

“É impressionante o número de mulheres empreendedoras cujos casamentos entram em crise porque os homens se sentem feridos e diminuídos em relação à sua expectativa de serem os provedores. A mulher começa a fazer sucesso com um trabalho de cabeleireira ou fazendo um brigadeiro caseiro para vender, pronto: acaba o casamento dela”, disse.

Reportando sua experiência no Ministério Público de São Paulo, Gabriela defendeu a participação do Legislativo em várias iniciativas, desde a alteração legal do Art. 129 do Código Penal, para agravar a pena do agressor – “ainda hoje nos remetemos a 1940, como se um crime contra uma mulher pesasse menos que um crime contra o patrimônio” – até a transformação da iniciativa do Tempo de Despertar numa iniciativa obrigatória para as varas de violência contra a mulher em todo o Brasil.

NAFAVD

“Empoderar-se é conflitivo em uma lógica relacional de disputa, marcada pelo machismo”, disse Isabel Cristina Ribeiro, gestora em Políticas Públicas da Secretaria da Mulher do Distrito Federal.

Isabel falou sobre a experiência dos Núcleos de Atendimento à Família e Autores de Violência Doméstica (Nafavd).

Os Nafavd já atenderam cerca de 13 mil pessoas desde sua criação em 2003 e hoje atendem em nove unidades no Distrito Federal. A partir de um atendimento individual inicial, os homens são encaminhados a grupos reflexivos que fazem cerca de 9 a 13 reuniões durante 4 meses.

“O foco do trabalho do Nafavd é a responsabilização do agressor, não só no sentido penal, e os núcleos também evitam a patologização da violência, que existe quando se considera que o homem que comete agressão contra uma mulher só pode ter algum problema ou distúrbio psicológico”, disse Isabel.

Comportamento

João Wesley Domingues, supervisor do Núcleo de Apoio aos Projetos e Programas do Núcleo Judiciário da Mulher do TJDFT, disse que “a maioria das vítimas não quer que seus companheiros sejam presos, mas que mudem de comportamento”. Desde abril de 2015, o núcleo acumula a experiência de ter trabalhado com cerca de 2.400 agressores.

Em grupos reflexivos, os grupos trabalham questionamentos comuns dos homens sobre a Lei Maria da Penha (“Cadê a lei que protege o homem?”); os sistemas de crença que perpetuam a violência contra a mulher; as habilidades relacionais, com base na comunicação não-violenta; os mitos e verdades que justificam a violência contra a mulher e a auto- responsabilização.

Segundo João Wesley, “há uma diferença muito grande entre ouvir que ‘você é um agressor’ ou que ‘você é um machista’ e em você mesmo ser capaz de dizer éu sou um agressor’ ou ‘eu sou um machista’. A medida dessa transformação está numa frase dita por um agressor: ‘eu cheguei aqui achando que não tinha feito nada’”.

Penas Alternativas

Gilmar Soriano, juiz titular da Vara de Execuções das Penas e Medidas Alternativas do Distrito Federal (Vepema), disse que o combate à violência contra a mulher já superou um primeiro momento, no qual este tipo de delito nem chegava ao Poder Judiciário, para hoje poder discutir aperfeiçoamentos da execução penal, com penas alternativas à prisão.

Para ele, depois de um momento inicial, reportado ao início dos anos 2000, em que foi preciso um trabalho muito grande para convencer a sociedade e os próprios juízes de que as penas alternativas não eram ineficazes e nem uma forma de não punir.

“Agora é possível pensar na iniciativa de melhorar as penas alternativas, inclusive com contribuições do Legislativo”, disse.

“Diaba”

Atuando na seção psicossocial da Vepema, a psicóloga Raquel Manzini, disse que há atualmente 16.765 processos na vara, referentes a crimes codificados como lesão corporal (Art. 129 do Código Penal), difamação (Art. 139) ou ameaça (Art. 147).

“Menos de 1% dos casos envolvem a Lei Maria da Penha, mas muitas vezes nós identificamos problemas nas relações de poder entre homens e mulheres nos atendimentos comuns e procuramos intervir”.

Segundo Raquel, no curto período de tempo que dispõem de conversa com cada agressor, cerca de 30 minutos, ela e sua equipe procuram sensibilizar o agressor para a importância de um novo olhar sobre o crime e a mulher. Muitas vezes, enfrentam dificuldade porque os homens questionam ser atendidos por uma mulher, não gostam dos questionamentos elas que fazem a suas companheiras e protagonizam muitas cenas de enaltecimento do machismo – as quais são tratadas sem transigência e devidamente “enquadradas”.

“Algumas mulheres nos agradecem depois, dizendo que nós modificamos para melhor o comportamento deles. Uma delas me disse que basta ameaçar falar comigo, que seu companheiro diz, aquela mulher é uma diaba”, disse.

Ameaças

A deputada Áurea Carolina (PSOL-MG) encerrou os trabalhos. Ela saudou a bancada feminina por ser tão unida no combate à violência contra a mulher, mas considera que há retrocessos perigosos.

“Na esfera da Justiça a gente vê que há avanços, mas lamentavelmente têm havido um retrocesso no plano das políticas públicas, não só pelo congelamento de verbas em função da Emenda Constitucional 95, mas também pela construção de uma narrativa política que não favorece o combate à violência”, finalizou.

Fotos: Jane de Araújo/Agência Senado