Palestrantes apontam dificuldades enfrentadas por mulheres encarceradas

29/11/2018 16h47

A presença de crianças no sistema prisional foi o ponto mais preocupante debatido entre as palestrantes da Pauta Feminina sobre o encarceramento de mulheres, promovida nesta quinta-feira, dia 29 de novembro, no Plenário 3 da Câmara dos Deputados, como parte da programação da Câmara e do Senado para os 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres.

A deputada Rosângela Gomes, presidiu o início do encontro e falou sobre suas observações feitas em visitas ao sistema prisional. “Vi que a maioria das encarceradas são jovens e negras”, disse.  “No primeiro ano de minha legislatura fiz projeto de lei para construir creches e berçários nos presídios femininos”, destacou.

Perfil

Susana Almeida, coordenadora de Políticas para Mulheres e Promoção das Diversidades do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) apresentou dados nacionais sobre a taxa de aprisionamento de mulheres.

“O Brasil é o quarto país no mundo que mais prende mulheres; 64% dos presos são negros e a maioria é muito jovem; 36.765 pessoas do sistema prisional estão em delegacias”. Segundo ela, “na delegacia as pessoas não têm acesso a direitos básicos, como educação e banho de sol” e “ter mulheres tão jovens aprisionadas é muito impactante social e economicamente”, disse.

Presídios masculinizados

No Brasil há poucos presídios femininos, apontaram as palestrantes. O que existe em geral são presídios masculinos com adaptação para receber mulheres.

“As mulheres ‘caem’ mais, como dizem em jargão policial”, disse Suzana, ao se referir ao crescimento do índice de aprisionamento de mulheres. A necessidade de subsistência e a falta de alternativas para sustentar os filhos fazem com que elas aceitem convites para o tráfico, justificou.

As unidades chamadas mistas são, na verdade, unidades masculinas improvisadas para receber mulheres. O Depen não considera isso adequado. “Nessa formatação os homens têm mais acesso aos benefícios, porque são maioria. Se há trabalho e escola, os homens têm preferência”, apontou Susana.

Escuta

“O tratamento dado à mulher presa é masculino. No sistema, elas se transformam em ‘presos que menstruam’. Por isso a importância de ter unidades específicas”, disse a professora Elen Geraldes, coordenadora do Projeto de Pesquisa “Ouvindo as Ouvidorias do Sistema Prisional”.

A solidão é um tema de reflexão do projeto porque as mulheres são aquelas que mais visitam, mas não são visitadas. Como as pessoas privadas de liberdade não têm acesso a papel nem caneta para escrever reclamações e muitas não sabem escrever, são as famílias que fazem as reclamações. Como as mulheres não recebem visitas, o desafio é possibilitar espaços de escuta.

Ouvidorias itinerantes que possam chegar às mulheres encarceradas foi uma alternativa apontada por Elen. “Sem a escuta não se pode haver políticas públicas eficazes”, defendeu.

Infância atrás das grades

70% das mulheres privadas de liberdade têm filhos. Muitas ainda sem condenação, apontam dados do Depen. De acordo com o Departamento, isso produz um impacto social muito grande sobre as famílias.

“É preciso ter um olhar prioritário para crianças com mães privadas de liberdade. Elas são estigmatizadas e há estudos que demonstram que essas crianças têm mais chances de delinquir”, disse Susana.

Para ela, é preciso articular com outros órgãos para um atendimento mais efetivo das demandas dessa população, de modo a administrar, por exemplo, questões básicas como a falta de fraldas e absorventes.

“Mas a nossa política é pensar em alternativas para desencarcerar essas mulheres, porque deixá-las na prisão com os filhos é mais prejudicial para a sociedade. O nosso pleito é a diminuição de grávidas e lactantes no presídio. O ideal seria o judiciário, para evitar o aprisionamento, perguntar qual é a situação daquela mulher em julgamento, se tem filhos, se está grávida”, defendeu.

Indultos

“Não podemos separar as crianças das mães. O desenvolvimento depende muito do contato materno. A prioridade é a criança. Então são fundamentais ações como o HC (habeas corpus) coletivo do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou no início do ano a soltura de gestantes e mães de filhos com até doze anos presas preventivamente”, argumentou.

“Em geral, as mulheres em situação de prisão são vistas como pessoas sem serventia. Na verdade, existem muitos talentos aprisionados que depois da saída se encontram no nível mais alto de vulnerabilidade. Como a massa carcerária é de maioria masculina eles são os que mais recebem indultos. Então lutamos e estamos sempre atentas para possibilitar por exemplo o acesso ao indulto de mães”, disse.

Para Susana, depois da liberdade, os Centros de Referência de Assistência Social (Cras) devem fazer o máximo por essas mulheres e crianças, principalmente para viabilizar vagas em creches e trabalho e efetivar a proteção social.

Trabalho

A reinserção das mulheres no mercado de trabalho foi muito debatida no encontro. O projeto “Mulheres Livres”, do Depen, procura incluir essas mulheres com apoio de empresas parceiras. Já o projeto Pronatec Prisional vem sendo implementado na Penitenciária Feminina do Distrito Federal (Colmeia) desde 2016.

Flávia Rabelo, gerente do programa Pronatec Prisional, narrou a experiência do projeto, de origem canadense. O objetivo do programa, também chamado “Mulheres Mil”, é oferecer capacitação às presas para depois da saída conseguirem reinserção no mercado de trabalho.

Transformação

“Quando nossa equipe chega ao presídio, mudamos a rotina do lugar. Nosso primeiro desafio é convencer os servidores que o trabalho vale a pena”, disse Flávia.

A oferta do programa era feita por meio de recursos do MEC em 2017. Em 2018 passou a ser responsabilidade do Ministério da Justiça, com a mesma metodologia de ensino. Desde o início do projeto cinco turmas foram finalizadas e quatro estão em curso.

“A carga horária do curso é bem ampla para oferecer maior base de conhecimento para elas. Elas são apaixonadas pela matéria de ética, a partir disso começam a ter uma nova visão de mundo”, disse a gerente.

Emoção

“No programa Mulheres Mil fazemos uma dinâmica chamada de ‘mapa da vida’. Fiquei emocionada e nunca esqueço do rosto da mulher que compartilhou sua história. Ela assassinou o marido que a agredia e falou que se sentia mais livre lá”, contou Flávia.

Ela conta que a formatura do curso é também um momento emocionante. As encarceradas confeccionam suas próprias roupas. Para Flávia, além de prepará-las profissionalmente, o desafio é também fortalecê-las como pessoas.

Autonomia

Luana Euzébia, vice-diretora da Unidade de Internação de Santa Maria-DF também falou do aspecto masculino da unidade. “Na saída, elas não têm estrutura familiar para recebê-las”, disse.

Ela falou de ações para incentivar a autonomia. O ‘dia da beleza’ que pode parecer simples para algumas pessoas, tem um valor imensurável para elas. Já ações culturais, como o projeto Mulheres que Dançam com os Lobos, promovem o conhecimento delas sobre o próprio corpo. “Que corpo encarcerado é esse e como ele será depois da liberdade? ”, questionou Luana.

Perspectiva

A vice-diretora disse que as duas coisas mais pedidas pelas meninas são maquiagem e emprego, por que elas tocam a vida sozinhas. “Elas precisam ter perspectiva de vida. Só conversa não enche barriga. Por isso buscamos com a articulação em rede e parcerias como o Inesc e Senai promover a profissionalização”.

Para Luana, é fundamental trabalhar no socioeducativo para evitar que essas jovens cheguem ao sistema prisional.  “É urgente a criação de políticas de acompanhamento de egressas. A dependência afetiva é um grande problema. Elas saem carentes. Quem costuma acolhê-las é um adulto que vai reiniciá-las no tráfico e depois abandoná-las no cárcere”, disse Luana.

Prisão domiciliar

Danielle Fermiano Gruneich, assessora parlamentar da Secretaria da Mulher presidiu parte do debate e falou sobre o esforço concentrado da bancada feminina da Câmara para conseguir aprovar projetos prioritários em sessão plenária no dia anterior.

Ela destacou a aprovação do PL 10.269/2018, da senadora Simone Tebet que substitui a prisão preventiva por prisão domiciliar para grávidas e mães de crianças de até 12 anos. O projeto transformou em lei a aplaudida iniciativa do habeas corpus coletivo concedido pelo STF e a iniciativa seguiu para sanção do presidente Michel Temer.

Sexo

“Como é tratada a questão da sexualidade nas unidades de internação? É feita a distribuição de camisinhas? ”, perguntou Iara Cordeiro, assessora da bancada feminina e ex-conselheira tutelar no Jardim Botânico-DF.

Segundo Luana, “o assunto ainda é um tabu. Temos jovens que se relacionam entre si, mas o sistema é machista e preconceituoso. Então, até a forma de distribuir os preservativos constrange. Eles precisam pegar as camisinhas e voltam para cela que só tem meninos ou meninas, então ainda é um desafio abordar esse tema”.

Integração

“Nas exposições percebi várias iniciativas diferentes. Parece que é preciso ter sorte de cair numa ‘prisão boa’”, disse Larissa Peixoto, doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ela perguntou se há possiblidade de integração dos programas em âmbito nacional.

“A integração é um desafio. Mas acreditamos na informação compartilhada como possibilidade de disseminar boas práticas”, disse Elen Geraldes.

Flávia Rabelo considera a “troca de figurinhas” importante para homogeneizar políticas. “A nossa unidade é muito boa, mas a do Piauí é diferenciada por ser humanizada”, disse.

Para Susana, “a produção de dados é crucial para produção de políticas públicas. As diferenças entre os estados e entre unidades dentro de um próprio estado dificulta a integração”, explicou.

Reincidência

A pesquisadora francesa Veronique Durand trabalhou em presídio feminino e mencionou a diferença do perfil dos crimes praticados na França e no Brasil, no qual as mulheres são mais condenadas por tráfico de drogas.  Ela perguntou como é tratada a questão da reincidência no Brasil.

“Quantos saem e quantos voltam? Observo que as meninas voltam menos que os meninos”, disse Luana Euzébia, frisando que um dos grandes problemas é a falta de dados estatísticos para saber sobre reincidência.

Mulheres trans

A participante Talita Victor quis saber como é o aprisionamento das mulheres trans. “Como funciona o acesso à saúde e hormonização, por exemplo? ”, perguntou.

Susana Almeida disse que o Depen não tem dados sobre encarceramento LGBT. Já Luana relatou o caso de uma menina trans inicialmente levada a uma unidade masculina e que, depois de muita luta, foi transferida para a unidade feminina.

“Temos feitos um esforço para trazer palestras sobre diversidade de gênero. Em geral, meninos trans são mais aceitos. Muitas vezes, elas ainda são chamadas pelos nomes masculinos, disse Luana.

A deputada Rosângela Gomes parabenizou a iniciativa do programa Pronatec Prisional – Mulheres Mil e se colocou à disposição para colaborar no Legislativo para o bom funcionamento das engrenagens no sistema público funcionem de forma eficiente.

Ela manifestou preocupação com as crianças presentes no presídio. “Em visitas vi crianças em celas com mulheres com tuberculose. É fundamental trabalhar na prevenção para que as mulheres não sejam presas. Possibilitar o acesso ao planejamento familiar e emprego para os jovens”, finalizou.