Futebol feminino pede reconhecimento e apoio

05/07/2018 15h35

Enquanto a seleção masculina de futebol do Brasil luta pelo “hexa” nos campos da Copa do Mundo, as mulheres já são heptacampeãs na Copa América e lutarão pelo campeonato mundial na França, em 2019. O sucesso feminino nos gramados se repete no futebol de salão, onde as mulheres ganharam seis dos 9 títulos internacionais disputados. Tanto sucesso externo não se reverteu em respeito e reconhecimento fora das chamadas “quatro linhas”.

Este cenário difícil para o futebol feminino brasileiro foi discutido durante a Pauta Feminina sobre a falta de apoio ao futebol feminino. Realizada no plenário 14 da Câmara dos Deputados, audiência pública mensal da Secretaria da Mulher da Câmara e da Procuradoria da Mulher do Senado foi realizada, também, como reunião ordinária da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher.

Presidida pela deputada Ana Perugini (PT-SP), a conversa contou com a presença de representantes do Ministério do Esporte, da Caixa Econômica Federal, de federações estaduais, de dirigentes de clube, de jornalistas, de associações de torcedoras e de ex-atletas, como Aline Pellegrino, que participou por videoconferência e destacou o potencial transformador do futebol feminino.

Sexismo

“Minha vida toda foi moldada através do futebol”, disse Aline. Nascida na Zona Norte de São Paulo, ela enfrentou preconceitos desde os seis anos de idade, para se colocar no caminho de uma carreira que a levou a ser campeã da seleção brasileira durante sete anos e a jogar no futebol holandês e russo, além de lhe garantir a bolsa com que pagou a faculdade.

Segundo Aline, é preciso lembrar que a questão do futebol não envolve só o atleta, mas uma cadeia de atores sociais, como técnicos, dirigentes, árbitros, torcida, jornalistas. “Bem ou mal, ninguém começa jogando tênis ou fazendo natação, aqui no Brasil. Uma bola reúne trinta crianças em torno dela”, destacou.

A jornalista Bruna Dealry historiou a formação do Movimento #Deixa Ela Trabalhar, que organizou com 52 outras jornalistas esportivas após se sentir “totalmente humilhada e impotente” quando fazia uma entrevista ao vivo antes de um jogo do Vasco na Libertadores e um torcedor veio e lhe deu um beijo na boca. A reação coletiva das jornalistas, viralizada em vídeo no WhatsApp, mudou o olhar para esse tipo de situação constrangedora que foi muito comum na Copa de 2014, segundo ela.

Carla Ambrósio, do Movimento Mulheres de Arquibancada, destacou que o sexismo exclui a mulher do futebol e as inclui apenas quando objetifica sua imagem como objeto de desejo masculino, como na promoção das “musas de clubes brasileiros”. Ela destacou a importância de iniciativas que resgatam a memória das mulheres que foram pioneiras na luta contra o sexismo no futebol, superando preconceitos sobre “perda da feminilidade”, “comprometimento das funções reprodutivas” e de homofobia.

Patrocínio

André Luis Argolo Ribeiro, Secretário nacional de Futebol e Defesa dos Direitos do Torcedor do Ministério do Esporte, Alfredo Carvalho Filho, diretor comercial da Sport Promotion, Carlos Felipe Lacerda Ramalho, gerente executivo da Superintendência nacional de Promoções e Eventos da Caixa Econômica Federal e Cristiane Gambaré, diretora de Futebol Feminino do Corinthians, traçaram um panorama do momento atual, marcado pela suspensão do patrocínio da Caixa, que comprometeu a transmissão televisiva do 6º Campeonato Brasileiro de Futebol.

Carlos Ramalho, gerente executivo da Caixa, disse que a suspensão do patrocínio se deveu a uma decisão conjuntural, devido a um corte orçamentário de 35%. Alfredo Carvalho, da Sport Promotion, disse que as grandes empresas da iniciativa privada deveriam ter ocupado o papel da Caixa.

Já Cristiane Gambaré, do Corinthians, mencionou a parceria com o Audax, como um modelo que pode ajudar os grandes clubes a viabilizar a formação de times femininos, questão que ganhou importância a partir de decisão da Confederação Sul-americana de Futebol (Conmebol), de não licenciar para a disputa de seus torneios os times que não tiverem uma equipe feminino.   Na Série A, um dos atrativos é justamente a classificação para disputar dos torneios da Copa Libertadores e da Copa Sul-Americana e, segundo Carla Ambrósio, apenas sete times da Série A, em 2017, tinham um time feminino.

A deputada Érika Kokay (PT-DF) cobrou a Caixa sobre a decisão de suspender o patrocínio ao Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino, já que a empresa – a pretexto de economizar os R$10 milhões no campeonato brasileiro de futebol feminino, em função do alegado corte orçamentário – ainda investe R$100 milhões no patrocínio de 23 clubes de futebol. Para ela, o Brasil é um país de batom com chuteira e o futebol tem um potencial democrático – por permitir a integração de pessoas com todo biótipo, por demandar a atuação coletiva e por “ritualizar” a competição social – que precisa ser desenvolvido por meio de políticas públicas para homens e mulheres.

“Este país é de batom com chuteira”, disse a deputada Érika.

FutSal

A audiência pública atraiu um público grande de mulheres que praticam ou atuam nos bastidores do futebol feminino. Camilla Orlando Veríssimo, sócia-direta da COAFF – Academia de Futebol Feminino Camilla Orlando, que hoje trabalha com projeto social de futebol feminino na Cidade Estrutural, já jogou nos Estados Unidos. De acordo com ela, o grande impulso para as mulheres nos EUA ocorreu com a aprovação de uma lei que determinava que as verbas destinadas a cada esporte deveriam ser dirigidas por igual a homens e mulheres.

Já Naiara de Assis Gresta, supervisora da Seleção Brasileira de Futebol Feminino (CBFS) destacou a trajetória vitoriosa do futsal brasileiro feminino, que realiza um campeonato de futsal nacional com presença das 27 unidades federativas, em função de o esporte ser uma realidade nas escolas e na universidade. Para ela, iniciativas do Ministério dos Esportes, como as clínicas de futsal feminino, ajudam a formar “gestores capazes de vender o não o futebol, mas o espetáculo”.

Segundo a deputada Ana Perugini, a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher realizará em breve uma segunda rodada, para discutir as principais questões desta audiência na presença da Confederação Brasileira de Futebol, que justificou sua ausência no debate em função da mobilização na Copa do Mundo.