Filme angolano motiva reflexão sobre história

12/09/2017 18h34

“A história tem que estar sempre sendo recontada”, disse a senadora Regina Sousa (PT-PI) durante o debate, nesta 2ª feira, 11 de setembro, sobre o filme Xinguilamento – a força dos ancestrais, de Marisol Kadiegi. A obra integra uma mostra de três documentários da diretora angolana radicada no Brasil e é realizada por iniciativa do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) da Universidade de Brasília (UnB), com apoio da Procuradoria Especial da Mulher do Senado, entre outras parcerias.

Expressão que denota uma espécie de transe, o “xinguilamento” é abordado de diversos pontos de vista profissionais e confessionais por um padre, um pastor, um sacerdote da igreja tokoista, um antropólogo e historiador, e um teólogo. Os depoimentos são entremeados com cenas de pessoas – mulheres na maioria –, que “xinguilam”, como forma de entrar em contato com um espírito superior, para agradecer, ou de forma profilática, para curar algum mal.

Escolas

A senadora Regina Sousa elogiou o filme, defendeu sua exibição no âmbito das escolas e destacou a importância da promoção do saber histórico, que nunca está terminado e sempre se renova. Depois de falar da Batalha de Jenipapo, episódio ainda pouco conhecido da independência no Piauí, Regina destacou o resgate da história de Esperança Garcia, promovido pela Comissão da Verdade da Escravidão Negra, da Ordem dos Advogados do Brasil.

Em 1770, Esperança entregou ao governador uma carta em que denunciava maus tratos e reclamava de ter sido separada de seu marido – referido em documentos como angolano – e de seu filho, quando foi enviada para trabalhar em outra fazenda.

“Sua carta foi agora considerada a primeira petição lavrada no Estado e ela foi reconhecida como primeira advogada do Piauí”, disse a senadora. Regina acredita que a Comissão da Verdade da Escravidão precisa continuar seu trabalho, em condições melhores, como tem a Comissão da Verdade que examina os crimes da ditadura militar.

Racismo religioso

O fotógrafo e Ogã Luiz Alves se reportou à tradição das Abayomis – nome que se às bonequinhas de tiras de pano feitas do vestido da mãe para distrair as crianças nos navios negreiros –, para defender a importância da memória. Luiz pediu para o público pensar nesta bonequinha como a única lembrança material que poderia reter daquela mãe. Mas uma memória exposta ao risco de ser facilmente perdida, por distração ou circunstâncias da viagem, e mesmo tomadas dela, pelos filhos do senhor de escravos, por exemplo.

“Os episódios de racismo religioso – pois nos recusamos a falar meramente em intolerância religiosa – e de discriminação racial é como se fossem uma abayomi que tomam de nós todos os dias ”, disse Luiz. Já o professor Nelson Inocêncio, do Departamento de Artes Visuais da UnB, destacou que a tradição religiosa africana tem muita diversidade e que o universo bantu presente no filme Xinguilamento costuma ser relegado a um segundo plano, em função de um “iorubacentrismo”.

Diferença

Paulo Mateta, adido de imprensa da Embaixada de Angola, explicou que os bantus, que chegaram ao Brasil nas primeiras levas da escravidão, quando formaram quilombos como o de Palmares, tinham uma cultura oral, sem predomínio da escrita. Já os iorubás  chegaram ao Brasil islamizados, sendo a cultura da escrita no Islã mais afinada à concepção ocidental da história, que enfatiza a transmissão do saber escrito.

Segundo Marisol Kadieji, “o objetivo do projeto é contar várias histórias e aspectos de Angola, valorizando a ancestralidade e a cultura dos antepassados”. Com curadoria da Edileuza Souza Penha, coordenadora do Neab, a atividade tem apoio da ONU Mulheres, no âmbito da Década Internacional de Afrodescendentes 2015-2024, e prossegue, nesta 3ª, com a exibição de No rosto e no rasto da alma dos Khoisans; e finaliza amanhã, 4ª, com a exibição de “Valeu”, co-produzido com o documentarista Asdrúbal Rebelo.

As exibições são no auditório do CEAM, a partir de 17h30.