Debatedoras reclamam alteração nas leis da guarda compartilhada e da alienação parental

29/11/2018 13h55

Durante os dias 27 e 28 de novembro, participantes do Seminário Internacional Guarda Compartilhada: Leis, Justiça, Violências e Conflitos abordaram conflitos e contradições na aplicação da Lei da Guarda Compartilhada, a Lei da Alienação Parental e a Lei Maria da Penha.

O seminário foi proposto pelas deputadas Luizanne Lins (PT-CE), Ana Perugini (PT-SP) e Elcione Barbalho (MDB-PA) e organizado pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados, pela Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher, pela Secretaria da Mulher da Câmara e pela Procuradoria da Mulher no Senado Federal.

A Lei 13.058/14 prevê que a guarda compartilhada seja aplicada como regra geral mesmo se não houver acordo entre a mãe e o pai, a não ser que um dos genitores declare ao juiz que não deseja a guarda do filho. Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada entre a mãe e o pai.

Perda da guarda

A maior parte dos palestrantes criticou a guarda compartilhada de filhos de pais separados no caso de abuso ou violência doméstica e denunciou o viés de gênero presente nas acusações de alienação parental, quase todas feitas por homens como forma de retaliar acusações de violência ou mesmo de abuso sexual contra os filhos e as filhas.

A presidenta da ONG Vozes de Anjos, Ana Maria Iencarelli, denunciou casos em que a mãe acusa o pai de abuso ou violência doméstica, e o pai acusa a mãe de alienação parental, e o processo termina com a perda da guarda pela mãe, com a instituição da visita vigiada para ela ou até mesmo com o afastamento total da mãe.

Segundo Ana Maria, a maior parte dos processos em que a mãe denuncia violência doméstica vira processo de alienação parental. “A vara de família tem como dogma que todas as mães fazem alienação parental”, opinou.

Da plateia, Cláudia Cristina Santos relatou que é uma das mães que sofreu isso. Ela disse que, depois que denunciou violência doméstica, sofreu “processo devastador na Justiça”, “discriminação do Poder Judiciário” e perdeu a guarda do filho. “Qual o crime que cometi, de ser mãe, cuidar bem do meu filho e denunciar um agressor?”, questionou.

Perpetuação da violência
Dulcielly Nobrega de Almeida, coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública do Distrito Federal, também é contrária à guarda compartilhada em caso de violência doméstica. Para ela, o instituto da guarda compartilhada vem sendo usado para perpetuar outras formas de violência contra a mulher.

Segundo a defensora pública, muitas vezes o homem terceiriza o cuidado dos filhos para outras mulheres, como avós e madrastas, e não tem intenção de dividir responsabilidades de fato, e sim quer instituir uma nova forma de poder sobre a mulher. Ela destacou ainda que, por medida protetiva instituída por ordem judicial, muitos agressores não devem se aproximar da mulher, e isso dificultaria a guarda compartilhada dos filhos.

Caso a caso
Favorável à Lei da Guarda Compartilhada, Marcela Prado, do Instituto Brasileiro do Direito de Família, disse que no direito da família, cada caso é um caso. Para ela, a vara de violência doméstica tem que trabalhar junto com a vara de família e, se houver violência doméstica isso tem que ser levado em conta na aplicação da lei da guarda compartilhada. Ela pontuou, porém, a possibilidade de o agressor se recuperar e ressaltou que o objetivo principal deve ser sempre resguardar o direito da criança.

O juiz Richard Pae Kim, auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça, concorda: “Há momento para proteger e há momento para restaurar, auxiliar até mesmo o agressor, o que é importante para restruturação dos vínculos familiares”, opinou. Todavia, segundo ele, não se pode aplicar uma lei - a da guarda compartilhada - e deixar de aplicar as demais - como a Lei Maria da Penha (11.340/06), que coíbe a violência doméstica.

Mas, para Larissa Peixoto Gomes, doutoranda do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que também estava na plateia e participou do debate, a Lei Maria da Penha deve se sobrepor à Lei de Alienação Parental ou à Lei da Guarda Compartilhada.

Base científica

Durante a segunda parte do seminário sobre guarda compartilhada, na  tarde do dia 27,  a falta de base científica da lei da alienação parental foi abordada e discutida, nas falas de Marília Lobão,  psicóloga jurídica, psicoterapeuta de adultos, casais e família, e mestre pela Universidade de Brasília; e da representante do Comitê Latino Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem), Myllena Calasans.

Baseada na teoria de Richard Gardner A lei 12.318/10 define a alienação parental como “a interferência na formação psicológica da criança ou adolescente” praticada por um dos genitores. Ela prevê que, caso haja indícios de difamação ou de práticas que dificultem o contato com o pai ou a mãe, a Justiça poderá determinar medidas para assegurar a proximidade com o genitor que foi difamado, por exemplo.

Durante o seminário, muitas participantes criticaram a lei e afirmaram que a denúncia de violência doméstica por parte das mães está sendo tratada como alienação parental, ou seja, como uma difamação da figura do pai. “A alienação parental não protege as crianças e estigmatiza as mulheres. É mais uma forma de criminalização das mulheres”, declarou Myllena Calasans.

Massacre

A representante do coletivo Mães nas Lutas, organização com mais de 200 mães vítimas da lei da alienação parental, Juliana Castro, afirma que mais de 160% dessas mães perderam a guarda de seus filhos depois de denunciar violência sexual. “Essas crianças foram entregues aos genitores abusadores. O mau funcionamento dessa lei tem sido um massacre de crianças entregues a abusadores e é fundamental que essas crianças sejam resgatadas”, declarou Juliana.

“A mulher passa por um processo de violência e não consegue ter a guarda da criança. E sabe que o ex-marido também pratica violência com a própria criança. Essa é uma situação gravíssima e é isso que nós precisamos observar”, acrescentou a deputada Benedita da Silva (PT-RJ).

América Latina
De acordo com Myllena Calasans,  a maioria dos outros países sul-americanos não tem uma lei específica para tratar de alienação parental como ocorre no Brasil. Em Porto Rico, o assunto é tratado na Lei de Seguridade, Bem-Estar e Proteção das Crianças e define alienação parental como uma forma de maus tratos. Na Argentina, a questão está prevista no Código Penal desde 1993 e, no Chile, o tema é garantido no Código Civil e faz modificações nas legislações internas do país.

Na Costa Rica, a alienação parental está sendo discutida em projeto de lei que, de acordo com Myllena, tem semelhanças com a lei brasileira. Ela explica que a previsão do que seria equivalente à alienação parental é chamado de violência parental, mas com as justificativas da lei brasileira, “com a diferença de que lá a proposta é fazer um acréscimo na lei contra a violência doméstica, de 1996 – uma das primeiras do continente”.

Inconstitucionalidade

Já no México, a lei foi objeto de ação de inconstitucionalidade. As justificativas foram de que a lei não atingiria o fim da proteção das crianças, dificultaria a investigação das denúncias de abuso sexual, seria uma discriminação indireta contra as mulheres e se basearia numa teoria sem base científica. Como resultado, a Suprema Corte declarou a lei inconstitucional e ela foi revogada e retirada do Código Civil mexicano.

Apesar das diferenças, segundo Myllena Calasans, os problemas que o Brasil enfrenta na legislação são os mesmos dos países vizinhos da América Latina. “Não há a necessidade da categoria de alienação parental para que seja feita a proteção e o cuidado das crianças pós-divórcio”, defendeu.

Seminário

Na quarta-feira, dia 28 de novembro, no Plenário 2 da Câmara dos Deputados, a promotora de Justiça Valéria Fernandes, do Núcleo de Gênero do Ministério Público do Estado de São Paulo, ratificou que a Lei de Alienação Parental (12.318/10) está sendo usada na prática contra mães que denunciam casos de abuso sexual ou violência doméstica e está protegendo os abusadores e agressores.

De acordo com ela, em regra, as denúncias de abuso sexual são verdadeiras, e não falsas, como vem pressupondo a Justiça. “O Brasil está se tornando o paraíso da pedofilia, o paraíso dos violadores dos direitos das mulheres”, disse. Ela defendeu a reformulação da Lei de Alienação Parental pelos parlamentares e disse que ela está dificultando a aplicação da Lei Maria da Penha (11.340/06). “Hoje as mulheres não podem procurar a Justiça porque há um risco de inversão de direitos”, acrescentou.

A promotora lembrou que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) já recomendou a revogação de partes da lei. A norma define a alienação parental como “a interferência na formação psicológica da criança ou adolescente” e prevê que, caso haja indícios de difamação, a Justiça poderá determinar a alteração da guarda para compartilhada ou a inversão da guarda.

Guarda

Uma das deputadas que pediram o seminário, Luizianne Lins (PT-CE) se disse contrária à guarda compartilhada quando tiver havido abuso sexual por parte do genitor e no caso de violência doméstica contra a mãe. Ela defendeu a mudança na Lei de Guarda Compartilhada (13.058/14), para que esse tipo de guarda não seja automático, conforme prevê a norma. Para ela, é preciso uma análise detalhada antes de esse tipo de guarda ser concedida.

Na visão da deputada, quando a separação foi gerada por violência doméstica, os filhos devem ficar com as mães enquanto elas correrem risco, já que a mulher não deve ficar em contato com o agressor e uma vez que a violência contra a mãe gera consequências também para os filhos.

Abandono afetivo


Diretor da Associação Brasileira Criança Feliz, o advogado Rodrigo Ricardo defendeu tanto a Lei da Alienação Parental quanto a Lei da Guarda Compartilhada. Conforme ele, há muitas realidades distintas, como o caso de mães que dificultam que pais vejam os filhos e de pais que não querem ver o filho. Ele ressaltou que o abandono afetivo - em geral do pai em relação ao filho - é um problema no Brasil e que muitas vezes a Justiça é acionada para fazer com que os pais cumpram rotina de visitas.

“A guarda compartilhada veio para dividir não só os direitos, como os deveres. Pais negligentes, que não cuidam dos filhos, são uma realidade no Brasil há séculos, mas hoje existe um grande número de pais que querem participar”, disse.

A juíza Flávia Pessoa, auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), lembrou que o sistema jurídico prevê que pode haver litigância de má-fé, inclusive de ambos os lado: da parte da mãe ao acusar falsamente o pai de violência sexual; e do pai, ao acusar falsamente a mãe de alienação parental.

Casos de denúncias

Ariane Leitão, assessora da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, afirmou que o órgão já computou mais de mil casos de denúncias de alienação parental. Em regra, segundo ela, a Lei de Alienação Parental foi utilizada para afastar mães e filhos e para encobrir situações de abuso sexual das crianças. “Todos os casos são praticamente iguais”, destacou. Apenas um desses casos foi, segundo ela, de denúncia contra o pai.

Conforme Ariane, na maioria dos casos recebidos pela comissão, as autoridades rotularam as mães como “loucas” e houve imposição de guarda compartilhada ou reversão da guarda. “Denunciar violência contra seu filho pode render guarda compartilhada imposta ou reversão da guarda”, alertou, pedindo a mudança na lei.

Recomendações

Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, a deputada Ana Perugini (PT-SP) afirmou que um resultado do seminário pode ser uma proposta de mudança nas Lei da Guarda Compartilhada e Alienação Parental. “Não temos estudo do impacto das leis na vida dos cidadãos: só conhecemos os impactos depois de a lei já estar sendo aplicada”, disse. Até 2014, a legislação previa a guarda compartilhada “sempre que possível”, e não como regra.

Entre as recomendações, a deputada pediu que os autos do seminário fossem enviados a todos os participantes e as participantes, algumas das quais viajaram mais de 18 horas de ônibus para apresentar graves denúncias – de cometimento de abuso sexual infantil em repartições do Estado a corrupção e/ou negligência na produção e emissão de laudos psicológicos – que gerarão diligências da Comissão de Defesa e da Comissão Mista.

 

Fonte: matérias da Agência Câmara Notícias, assinadas ou editadas por Lara Haje, Larissa Galli, Roberto Seabra e Ana Chalub – com edição da Procuradoria da Mulher do Senado

Foto: Michel Jesus/ Câmara dos Deputados