ENAP debate representação política das mulheres

14/06/2018 14h30


enapNos dias 11 e 12 de junho, a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) recebeu representantes dos países nórdicos para o Seminário Internacional: Equidade de Gênero: Representação Política das Mulheres. O debate foi sobre desigualdade de gênero na política entre esses países da Europa setentrional e do Atlântico Norte com países da América Latina.

O desafio das palestrantes foi considerar as especificidades de raça, etnia, religião e território que dificultam ainda mais a representatividade das mulheres no Parlamento. “A equidade de gênero é uma agenda global maior que governos. Uma agenda que está ancorada nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e nos processos de lutas e transformação, e que nos melhora. É uma honra abrigar essa agenda na Escola”, afirmou o presidente da Enap, Francisco Gaetani na cerimônia de abertura.

No primeiro dia do evento foi lançado o Projeto de Cooperação ENAP – Onu Mulheres e da capacitação em Gênero da Escola Ibero-americana de Administração e Políticas Públicas – EIPP/CLAD.

A Conferência de Abertura: Mulheres em espaços de poder e decisão foi feita pela professora Line Bareiro, consultora da ONU Mulheres Regional e professora do Programa Regional de Formação em Gênero e Políticas Públicas da Flacso - Argentina. “Apenas a lei não basta. É preciso que haja uma cidadania ativa das mulheres. Na Argentina, por 10 anos criaram estratégias, julgamentos para elaborar regulações de igualdade” defendeu Line.

Mulheres negrasO Talk Show Despatriarcalização do Estado: um caminho para a democracia paritária, mediado por Kênia Maria, atriz e defensora dos direitos das mulheres negras da Onu Mulheres no Brasil, discutiu formas de colocar em pauta a diversidade e o combate ao racismo e das discriminações de gênero. Kênia abriu o evento a partir do seu lugar de fala: “Sou preta, mãe de Santo, ialorixá, favelada da favela do Vintém, no Rio de Janeiro”. “Dizer que sou favelada é um posicionamento político”, explicou a atriz ao referenciar Marielle Franco, vereadora assassinada há 91 dias no centro do Rio de Janeiro.

Per-Arne Hjelmborn, Embaixador da Suécia no Brasil, acredita que para despatriarcalizar é preciso “mudar o comportamento”. Temos que acabar com o ‘ajudar’ a mulher dentro de casa. A responsabilidade no ambiente doméstico deve ser compartilhada”, disse.

Também participaram do Talk Show Joanna Burigo, Fundadora da Casa da Mãe Joanna; Benedito Medrado, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e cofundador do Instituto Papai, e Charô Nunes, comunicadora e coordenadora do Blogueiras Negras.

Na mesa Panorama da representação de mulheres na América Latina e Europa, as painelistas apresentaram o retrato da representação política de mulheres nos países nórdicos e na América Latina.

“Em 2015, 39% de mulheres foram eleitas na política na região dos países Nórdicos”, afirmou Sigrun Marie Moss, pesquisadora da Universidade de Oslo, capital da Noruega. “Mas será que mulheres votam em mulheres? Bem, nós temos 52% de mulheres eleitoras e apenas 10% de mulheres eleitas. Façam as contas! ”, problematizou Marlise Matos, Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher - NEPEM/UFMG, ao mostrar a posição do Brasil no ranking da União Interparlamentar (IPU) de participação política. O país ocupa 154º posição no mundo.

Luciana Lóssio, advogada e ex-ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foi a primeira a falar na mesa Criação, implementação e cumprimento de legislação para a equidade da representação de mulheres no Legislativo e Executivo. Para ela “nossa legislação de cotas foi feita para não dar certo. A lei prevê que 30% dos candidatos devem ser mulheres, porém o investimento previsto para elas é de 5% do fundo partidário e a visibilidade é de 10%. A conta não fecha”. Ela divulgou a recente decisão do TSE que garante 30% do fundo eleitoral para o investimento em campanhas das mulheres.

Kátia Verónica Uriona Gamarra, presidenta do Tribunal Superior Eleitoral da Bolívia, falou sobre o contexto e a experiência na agenda de equidade de gênero no país.

Maria Leissner, embaixadora da Suécia para Benin, acredita que “não há verdadeira democracia sem mulheres na política e no poder”. “Vejo esta sala cheia de energia e engajamento na discussão e não tenho a menor dúvida de que o Brasil está no caminho certo para conquistar mais inclusão e representatividade”, observou.

Réjane Sénac, presidenta da Comissão de Paridade Política no Alto Conselho para a Igualdade entre Homens e Mulheres da França também participou da mesa e apresentou o cenário da França na busca pela paridade.

“As barreiras para participação política das mulheres são evidências de que existem problemas nos regimes políticos definidos como democráticos” disse Flávia Biroli, professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) e integrante do Grupo Assessor da Sociedade Civil da Onu Mulheres Brasil ao iniciar a mesa “Fatores que determinam a sub-representação das mulheres na política”.

Creuza de Oliveira“Nós, mulheres, não somos estimuladas a entrar na política. E quando você entra, não tem dinheiro. O dinheiro vai todo para os homens”, protestou Creuza de Oliveira, Secretária Geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD) e integrante do Grupo Assessor da Sociedade Civil da Onu Mulheres Brasil. Creuza foi candidata sete vezes e não venceu nenhuma das vezes. Ela disse que os homens sabem como ser um candidato beija-flor “eles chegam em todos os lugares pegam o microfone, falam e vão embora. Já as mulheres querem ficar no debate e não têm condições de se transportar para tantos lugares”.

Maryan Abdulkarim, escritora negra finlandesa falou sobre a experiência de seu país em igualdade de gênero. “Somos população pequena. Temos como conversar e discutir sobre esse assunto”.

Na última mesa, as palestrantes debateram “Como chegar a cidades 50-50 até 2030? ”. Ana Gabriela Fernández, vice-diretora da Flacso Uruguai, explicou a importância de “enxergar a cidade numa perspectiva de gênero” e “desagregar as discriminações para ter uma gestão verdadeiramente igualitária”. “O que acontece quando as cidades não são seguras? Quem tem maior acesso a moradias? O que acontece quando há um desastre ambiental?”, questionou. “As mulheres são as mais impactadas e as mais vulneráveis”, disse.

"Só nós mulheres sabemos a importância da iluminação pública para ir trabalhar e para voltar para casa", afirmou Jacira Melo, Diretora Executiva do Instituto Patrícia Galvão.

Ermelinda Melo, do Consórcio Mulheres das Gerais disse que “as mulheres precisam não só entrar nos órgãos e na política, mas também ter o poder do dinheiro e da caneta”.

Lea Friedberg, membro do Conselho do Centro Dinamarquês de Pesquisa e Informação sobre Igualdade de Gênero (KVINFO), mostrou um quadro de participação feminina na Dinamarca desde 1918 até 2006. “Na Dinamarca, três entre 10 políticos municipais são mulheres”, disse.

LineNa Conferência de Encerramento, a professora Marlise Matos mostrou imagens comprobatórias da violência política sexista sofrida por mulheres presidentes. Nos slides ela divulgou fotos que circularam nas redes sociais e cartazes em manifestações contra as ex-presidentes Dilma Rousseff, Michele Bachelet e Cristina Kirchner que “as vinculou a figuras masculinas, símbolo da maternagem, e a classificaram como bruxas, loucas ou histéricas”. “Essa é uma demonstração da demonização, estereotipação e estigmatização e violência contra as mulheres na política”, complementou. Para finalizar sua reflexão ela exibiu o vídeo The Intercept Brasil: “Manifestantes tomam as ruas, e voz de Marielle Franco ecoa pelo mundo”.

Assista o vídeo: https://theintercept.com/2018/03/16/pretesto-marielle-franco/

Matéria: Ramíla Moura/ProMul

Fotos: ENAP