Pauta Feminina discute violência na internet

29/09/2017 18h50

 

A violência contra as mulheres na Internet assume diversas formas, como compartilhamento de fotos íntimas (nudes) sem autorização, pornografia de vingança (revenge porn) e extorsão e chantagem sexual (sextorsion)  e foi tema da 47ª edição do projeto Pauta Feminina. Promovida pela Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, Procuradoria Especial da Mulher do Senado e outros órgãos da bancada feminina do Congresso , a audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, no Plenário 3 da Câmara dos Deputados, foi pedida pelas deputadas Ana Perugini (PT-SP), Érika Kokay (PT-DF) e Laura Carneiro (PMDB-RJ), que presidiu a abertura dos trabalhos.

Juliana Cunha, da organização não governamental  Safernet, destacou as consequências cruéis da violência contra as mulheres nas redes sociais. A violência tende a perdurar ao longo do tempo e a impactar a vida das mulheres a ponto de terem que mudar de descola, de casa, de cidade, quando não chegam a se matar”, disse.

Coordenadora do serviço da Safernet de orientação para meninas e mulheres que sofrem violência na internet, Juliana destacou avanços no marco civil da internet, que abriu a possibilidade de a vítima de exposição de fotos íntimas solicitar sua remoção diretamente aos provedores, e Lei 12.737, Conhecida como Lei Carolina Dieckman, que protege vítimas que tiveram seus computadores invadidos.

Literacia

Janara Souza, professora de Comunicação da Universidade de Brasília, destacou a necessidade de se investir na “literacia midiática”, termo que designa iniciativas voltadas para uma alfabetização digital, “para as pessoas não imaginarem que internet é só facebook” e aprenderam a se preparar para distinguir o que confiar e com o que conviver na rede. A professora desenvolve um projeto de extensão e pesquisa, na Universidade de Brasília, voltado para as meninas, chamado Escola de APP: Enfrentando a violência online contra meninas.

A professora também destacou a necessidade de as mulheres serem pensadas de modo interseccional. “Já foi o tempo que nos chamar a todos de humanos foi um avanço. Hoje as políticas públicas precisam estar amparadas na interseccionalidade, sob o perigo de nos pensarmos como se fôssemos homens, brancos e de classe média”, disse.

Doxxing

Lola Aronovich, professora universitária e blogueira do Escreva, Lola, Escreva, publicado há dez anos, tem sido vítima sistemática de pessoas que não só a insultam como a ameaçam, por meio de intimidações dirigidas não só a ela, mas também a seu marido e a sua mãe de 82 anos. Segundo ela, os grupos de “masculinistas” ou “mascus”  – que defendem legalização do estupro, estupro corretivo para lésbicas, etc. – crescentemente recorrem a práticas de “doxxing”.

Segundo Lola explicou, esse tipo de prática significa pesquisar e fazer a divulgação pública de endereços e informações privadas não só da pessoa que se quer atingir como de seus parentes, enquanto forma de mostrar que elas estão sendo monitoradas, acompanhadas, vigiadas, e, portanto, estão expostas à possibilidade de alguma ação contra elas. Isso aconteceu com uma professora universitária, cuja filha de 13 anos, passou a ser ameaçada virtualmente porque sua mãe trocou um par de tweets com a blogueira.

Lola se queixou da atuação da Polícia Federal e da própria Agência Brasileira de Inteligência, que têm negligenciado a atuação de monitoramento de atuação de grupos misóginos que tem ligação internacional com organizações neonazistas. E criticou as grandes empresas de internet, que não sabem diferenciar “discurso de ódio” e “discurso feminista”, “pornografia” e exposição de seios na Marcha das Vadias ou por uma mulher  que se recuperou de mastectomia.

Em janeiro de 2017, o Google acatou uma denúncia de pedofilia contra o blog de Lola, tirando sua senha e as imagens de suas postagens. Para reclamar, ela passou “vários dias conversando com máquinas” até a campanha “Google, não censura a Lola” fazer com que o Google jurídico ligasse para ela, dizendo que não tinham constatado a pedofilia. “Mas como um grupo neonazista misógino consegue derrubar um blog feminista?”, indagou.

O Google não atendeu ao convite para participar da pauta Feminina, mas o Facebok compareceu. Mônica Rosina disse que a missão da rede social é “dar às pessoas o poder de formar comunidades e aproximar o mundo”. Segundo ela, “o desafio é promover a liberdade de expressão em um ambiente coletivo, pois se as pessoas não se sentirem seguras vão sair”.

Restrições

Diana Calazans Mann, da Polícia Federal, falou que a lei restringe a atuação dos profissionais do órgão a Crimes contra a União ou coletividades. A utilização de técnicas e ferramentas  mais invasivas – como escutas e gravações – não se aplica, segundo ela, em crimes contra a honra, de menor potencial ofensivo. Diana também alertou para o fato de que a misoginia não está relacionada entre os crimes de ódio, como o racismo ou a xenofobia

Diana disse que é preciso também diferenciar a complexidade envolvida na ação contra amadores, que pensam que o anonimato ou um nome falso os protegerá, e a atuação contra hackers e crackers também é dificultada pelas técnicas de anonimização de navegação, que levam ao apagamento de rastros ou à ilusão de que o autor do crime está no exterior.

Ela reclamou mais colaboração dos provedores. Para ela, “se o resultado da ação produz efeitos no nosso país”, os provedores têm que informar as informações que a Polícia requer. Diana disse antes do Marco Civil da Internet, a compreensão era de que os logs – informação sobre IP, data e hora – eram “metadados que não violavam o conteúdo, sem reserva de jurisdição sobre os dados, o que os tornava mais acessíveis para a investigação.

Parlamentares

Secretária da Mulher na Câmara dos Deputados, a deputada Soraia Santos disse que o Brasil precisa evoluir no sentido de compreender novos crimes e novos direitos. “Há 74 anos, os crimes contra a honra envolviam caluniar, difamar e injuriar – mas alcançavam público delimitado. Com os efeitos das tecnologias de hoje, temos que começar a discutir coisas como o Direito ao Esquecimento”, defendeu.

“Eu relativizaria a ideia de que não cabe à Polícia Federal investiga crimes contra indivíduos”, disse a deputada Maria do Rosário (PT-RS). Segundo ela, a vítima real pode ser uma mulher, mas o fundamento da ação contra ela é o mesmo que viola a dignidade das demais e faculta ações violentas contra elas.

Cerca de 70 pessoas participaram da audiência em cuja direção se revezaram, além de Laura Carneiro, as deputadas Gorete Pereira (PR-CE), procuradora da Mulher da Câmara, Benedita da Silva (PT-RJ) e Jô Moraes (PCdoB-MG), segunda- procuradora da Mulher Adjunta. A mesa também contou com a participação de Éricka Filipelli, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) e a audiência foi prestigiada, entre outras, por Emília Fernandes, ex-senadora, primeira Ministra da Mulher e presidente do Fórum de Mulheres do Mercosul, e Maria Carolina Marques, da ONU Mulheres.