Uma breve história das pessoas com deficiência no Brasil
Uma introdução necessária...
Antes de iniciar a leitura, é importante destacar que, embora o nosso foco principal seja a trajetória da pessoa com deficiência no Brasil, para realizar esse breve histórico, foi necessário voltar às nossas origens enquanto país ocidental. Vamos trazer, assim, um resumo de como essa questão era tratada por gregos e por romanos, passando também pelo cristianismo, pela Idade Média e pelos Renascimentos, até chegarmos aos séculos XIX e XX, períodos em que são criadas as primeiras instituições e legislações preocupadas com essa questão no Brasil. A partir desse retrospecto, o nosso objetivo é demonstrar, em linhas gerais, algumas raízes desse preconceito.
Todavia, antes que você, leitor, continue, é necessário tomar alguns cuidados: é importante deixar claro que a História não é um campo de estudo feito para acusar os agentes do passado, mas, sim, para analisar as ações humanas no tempo. Não devemos, então, culpar gregos, romanos, religiosos, indígenas, senhores de escravizados e outros personagens que irão aparecer aqui, tendo em vista que, julgar o que se passou com os olhos do presente é um erro conhecido como “anacronismo”, no campo da historiografia. O que devemos nos atentar, portanto, é o sentido da exclusão nos períodos abordados, aqui, e é sobre isso que iremos falar a partir de agora.
A pessoa com deficiência na formação do Ocidente
Seguindo uma linha cronológica, vamos começar a análise por Grécia e por Roma. Entre as contribuições à nossa formação ocidental, as sociedades greco-romanas nos deixaram as histórias de vários mitos, que, em linhas gerais, consistiam em relatos de uma origem, cujo principal objetivo era fornecer sentido a uma determinada realidade. Entre os mitos mais conhecidos por nós, estão os de Zeus, Apolo e Afrodite, mas poucos ouviram falar de Hefestos (para os gregos) ou de Vulcano (para os romanos). Mas quem eram esses personagens?
De acordo com a mitologia grega, Hefestos, mesmo sendo filho dos deuses Zeuse Hera, nasceu coxo, o que o fez ser rejeitado pelos próprios pais. Já na mitologia romana, após uma briga com sua mãe, Juno, o rei Júpiter expulsou Vulcano do céu, o que lhe causou uma deficiência. Com a rejeição dos pais, Hefestos teria passado a viver em um vulcão (por isso, Vulcano para os romanos), na Ilha de Lemnos, tornando-se um grande ferreiro, mestre, então, na arte de dominar o fogo.
Por meio desse ofício, ele passou a fabricar inúmeros objetos valiosos, como armas e joias, mas também gerava medo nas pessoas, já que, além de viver em um local inóspito, era considerado feio. Apesar de exercer a profissão de ferreiro, ou seja, um trabalho de extrema importância para aquelas sociedades, vai se formando, em torno de sua imagem, um sentimento contraditório que, aos poucos, estigmatiza as pessoas com deficiência: ao mesmo tempo em que Hefestos (ou Vulcano) era um semideus, também era visto como um monstro.
Um outro detalhe é que, nas duas mitologias, há em comum a rejeição do pai e da mãe, o que nos permite entender que a repulsa, o abandono e o desprezo eram ações relacionadas às pessoas com deficiência à época. Para além dos mitos, o que também dificultava a aceitação das deficiências era a valorização do corpo “belo” e “perfeito” na sociedades greco-romanas, atributos considerados sinônimos de saúde e de força e, portanto, importantes para esses povos que viviam em guerras.
Não obstante esse cenário, a Grécia foi uma das pioneiras na assistência médica às pessoas com deficiência e seus tratamentos incluíam medicações, cirurgias, banhos especiais, massagens e sessões de fisioterapia. Entretanto, essa assistência não era completa, uma vez que não abrangia as crianças com deficiência: estas eram submetidas ao julgamento de uma comissão de anciãos ou, em certos casos, à decisão do próprio pai, que avaliava se elas deveriam ou não sobrevive. Em Esparta, por exemplo, era comum lançá-las em abismos ou abandoná-las em cavernas, florestas ou rios. Roma também continuou com essa prática, mas o infanticídio, em comparação aos gregos, diminuiu.
Com o fim do Império Romano do Ocidente, há mudanças significativas, sobretudo pela emergência do Cristianismo: com essa religião, a pessoa com deficiência passou a ser vista como uma criação divina. No Antigo Testamento, por exemplo, Deus fala para Moisés “Quem fez a boca do homem? Ou quem faz o mudo, ou o surdo, o que vê ou o cego? Não sou Eu, o Senhor?”. Todavia o mesmo Moisés destaca, em outra passagem, que a pessoa com deficiência não podia se aproximar do altar para oferecer sacrifícios. Nesses rituais, também era proibido realizar ofertas com animais considerados indignos, ou seja, o ofertório, como um todo, precisava ser “perfeito”. Em parte, isso ia ao encontro do pensamento dos antigos hebreus, visto que, segundo eles, corcundas, cegos ou coxos eram considerados desonrosos. Assim como no Antigo, no Novo Testamento, as contradições permaneceram, uma vez que alguns milagres de Jesus são direcionados à cura de paralíticos e cegos. As pessoas com deficiência se encontravam, portanto, em um limbo social, já que eram vistas vistas, ao mesmo tempo, como a materialização do pecado, mas também carregavam a possibilidade de um perdão divino.
A questão da deficiência também se acentuou durante a Idade Média, em razão de que o comércio, as viagens e o crescimento das cidades favoreceram a propagação de inúmeras doenças, como hanseníase, lepra, peste bubônica, difteria e influenza, as quais acarretavam inúmeras sequelas. Mesmo com as descobertas científicas e os Renascimentos entre os séculos XIV e XV, o preconceito permaneceu e obteve novos contorno, dado que ele também passou a ser associado1 feitiçarias, a bruxarias, a fadas maldosas e a duendes demoníacos. Ao longo das Reformas Protestantes, esse estigma continuou: Martinho Lutero (1483-1546), um dos principais expoentes desse movimento, considerava, por exemplo, que as pessoas com deficiência intelectual eram “seres diabólicos que mereciam castigos para serem purificadas”.
No século XIX, esse panorama começa a mudar, sobretudo, pela guerra. Se pensarmos que as batalhas nas sociedades greco-romanas eram uma razão para excluir as pessoas com deficiência, nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil, os conflitos relacionados à emergência dos Estados Nacionais se tornaram uma forma de protegê-las. Na América do Norte, desde 1861, já existiam medidas para proteger marinheiros e fuzileiros navais que haviam perdido membros do corpo nessas batalhas. Após a Guerra de Secessão dos Estados Unidos (1861-1865), é criado o Lar Nacional para soldados voluntários com deficiência. Na Europa, surgem também “locais específicos para proteção e assistência a velhos, cegos, surdos e mutilados de guerra”3 e a Dinamarca, por exemplo, se torna pioneira, ao fundar a Sociedade e Lar para Deficientes em 1872. O Brasil também acompanha esse movimento: Dom Pedro II, já na década de 1850, determina a criação do Imperial Instituto para cegos e do Instituto para Surdos-Mudos. E, durante a Guerra do Paraguai (1864-1870), é inaugurado também o Asilo dos Inválidos da Pátria, assuntos que serão tratados com mais detalhes a seguir.
A pessoa com deficiência no Brasil Colonial e Imperial
A Abolição, em 1888, e a Proclamação, em 1889, mudaram para sempre a história do país, uma vez que, em pouco mais de um ano, o Brasil perdia as duas principais bases de identificação social que haviam sustentado a nossa trajetória até então. A partir dessas transformações, as relações que, antes eram mediadas pelos laços de parentesco, de apadrinhamento e de amizade, tiveram de se reconfigurar: passava a vigorar, agora, um sistema industrial e urbano, guiado pela necessidade de uma mão de obra livre e produtiva. No Brasil, porém, tanto a Abolição quanto a Proclamação foram simultâneas a outros processos mais amplos que, gradualmente, caracterizavam a virada do século XIX para o XX. A título de curiosidade
surgiram, apenas para se ter uma breve ideia, os veículos automotores, os transatlânticos, os aviões, o telégrafo o telefone, a iluminação elétrica, e a ampla gama de utensílios eletrodomésticos, a fotografia, o cinema, a radiodifusão, a televisão, os arranha-céus, e seus elevadores, as escadas rolantes e os sistemas metroviários, os parques de diversões elétricos, as rodas-gigantes, as montanhas-russas, a seringa hipodérmica, a anestesia, a penicilina, o estetoscópio, o medidor de pressão arterial, os processos de pasteurização e esterilização, os adubos artificiais, os vasos sanitários com descarga automática e o papel higiênico, a escova de dentes e o dentifrício, o sabão em pó, os refrigerantes gasosos, o fogão a gás, o aquecedor elétrico, o refrigerador e os sorvetes, as comidas enlatadas, as cervejas engarrafadas, a Coca-Cola, a aspirina, o Sonrisal e, mencionada por último mas não menos importante, a caixa registradora. E não era só uma questão da variedade de novos equipamentos, produtos e processos que entravam para o cotidiano, mas o mais perturbador era o ritmo com que essas inovações invadiram o dia a dia das pessoas.
SEVCENKO, Nicolau. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In: NOVAIS, Fernando Antonio; SEVCENKO, Nicolau. (orgs.). História da vida privada no Brasil-República: da belle époque à era do rádio.
É dentro desse cenário que o Brasil precisava, então, se inserir, mas como? Uma das políticas incentivadas pelo Estado brasileiro foi o da imigração e, nesse sentido, foram estimuladas medidas estatais que procuravam atrair uma mão de obra europeia considerada especializada. Todavia, não era qualquer mão de obra que poderia chegar ao país. Em 1916, durante a ocorrência da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o então deputado federal Gustavo Barroso (1888-1959) propôs um projeto, apelidado de “Lei dos Indesejáveis”. Segundo o artigo primeiro dessa iniciativa:
O Governo Federal impedirá a entrada no território da República aos indivíduos de nacionalidade estrangeira, cegos, surdos-mudos, paralyticos, enfermos de molestias contagiosas ou incuraveis, mutilados do braço direito, de ambos os braços ou ambas as pernas, idiotas, imbecis, alienados mentaes de qualquer especie, criminosos, condemnados nos seus paizes de origem, mendigos, ciganos, mulheres sós, viuva com filhos menores de 16 anos, homens maiores de 60 annos e menores de 16.
BRASIL. Congresso Nacional. Diários do Congresso Nacional. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, ano. XXVII,
A partir desse trecho, podemos compreender melhor o estigma que a pessoa com deficiência possuía, no início da República brasileira, e detalhar mais a fundo esse preconceito. Desde meados do século XIX, começaram a circular no país ideias científicas de que o destino nacional estava diretamente ligado à sua população. A cor da pele, o tipo de cabelo, a altura e a compleição física, por exemplo, passaram a ser vistos como atributos que indicavam que um país estava no caminho do progresso e da civilização.
Dentro desse cenário, a população brasileira, formada em grande parte pela mistura de negros, indígenas e europeus, era vista como atrasada, já que o mestiço, para muitas correntes científicas da época, como o evolucionismo e o darwinismo social, era considerado inferior fisicamente e mentalmente. Como se pode observar, a imigração não significava, assim, somente a atração de uma mão de obra externa, pois o seu principal objetivo era embranquecer o país e criar uma nova nação. Os ex-escravizados, vistos como vadios e preguiçosos, eram descartados de um projeto de país que buscava se industrializar e se urbanizar.
O projeto de Barroso é resultado desse cenário, mas ele ainda traz um outro elemento fundamental para compreender o nosso início republicado e mais ainda a questão da pessoa com deficiência: a eugenia. Cunhado em 1883 por Francis Galton (1822-1911), o termo eugenia significa, a grosso modo, “bem nascido” e refreia-se a uma ciência que procurava “definir um direcionamento da evolução humana a partir da seleção de características físicas e não físicas”. Embora seja comumente associado ao nazismo e, atualmente, a tecnologias de reprodução assistida, a eugenia “caiu como uma luva”, a fim de explicar as desigualdades que vigoravam no Brasil da época.
De acordo com a eugenia, “cada indivíduo nasce com a vida determinada pela hereditariedade” e “as condições do cotidiano são pré-determinadas pela biologia, excluindo-se a possibilidade de mobilidade social”. Desse modo, aqueles que não conseguiam se adaptar ao novo ritmo industrial e urbano eram vistos como biologicamente inferiores, ou seja, deviam de alguma maneira ser descartados da nova sociedade que surgia, seja pelo simples abandono, seja por meio de políticas públicas excludentes.
É importante destacar que tais medidas não ocorreram somente no Brasil, mas também acompanhavam uma onda internacional: os Estados Unidos, por exemplo, desde 1917, já produziam legislações voltadas à aplicação de medidas eugênicas. Todavia, como se sabe, o ápice dessa política de eliminação foi na Alemanha nazista e a sua ideia de dizimação de todos aqueles que não faziam parte da raça ariana defendida por Adolf Hitler (1889-1945), a qual excluía judeus, ciganos, homossexuais e, também, pessoas com deficiência.
Dada a fama dessa ciência, algumas propostas incluíam a esterilização dos “inadequados” e, no caso brasileiro, o controle de casamentos e da imigração, como pudemos observar pela lei de Barroso. Seguindo essa linha, em 1917, é publicada, no Brasil, a obra “A cura da fealdade” (isso é, do feio), por Renato Kehl, considerado o pai da eugenia no país; e, em 1918, funda-se também a “Sociedade Eugênica de São Paulo”. Ao longo da década de 1920, é instituído o Decreto nº 4.247 de 1921, que impedia a entrada do “estrangeiro mutilado, aleijado, cego, louco, mendigo, portador de moléstia incurável ou de moléstia contagiosa grave”. Em 1923, o então Presidente da República, Arthur Bernardes, aprova o Decreto nº 16.300, que tratava da inspeção sanitária de imigrantes. A título de curiosidade, essa questão do controle imigratório continuou por muitos anos, tornando-se, inclusive, matéria constitucional.
Racismo e deficiência andavam, portanto, lado a lado na emergência do Brasil republicano, considerando que a busca por uma mão de obra cada vez mais produtiva e eficiente era incompatível, segundo as ciências da época, com a maioria do povo brasileiro. As deficiências, então, eram apontadas para estigmatizar a população negra e vice-versa. Diante desse cenário, o que se percebe é que ser uma pessoa com deficiência no Brasil era, assim como ser negro, uma possibilidade concreta de morte social.
Desafios a se enfrentar…
Diante do que foi abordado, podemos entender a relevância de a pessoa com deficiência ter sido lembrada na Constituição de 1988, mas, antes de entrar nesse tema, é importante destacar que o Senado Federal já vinha trabalhando nessa área, antes mesmo da promulgação dessa Carta Magna. Em 1979, encaminhou o Projeto de Lei nº 361, que buscava instituir uma pensão mensal paga pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) aos menores com deficiência física ou mental. Embora arquivado, a iniciativa já demonstra a atuação precursora da instituição.
Na década de 1980, a atuação do Senado continuou: em 1982, a instituição procura inserir uma alteração na Lei Orgânica da Previdência Social, ao propor uma aposentadoria especial às pessoas com deficiência; outra medida ocorreu em 1986, quando o Senado buscou a isenção de impostos sobre produtos industrializados e veículos automotores que fossem construídos ou adaptados para pessoas paraplégicas ou com outras deficiências motoras. Embora esses projetos tenham sido rejeitados, eles abriram caminho para as conquistas que viriam posteriormente.
Em 1988, é promulgada, então, uma nova Constituição, que finalmente incluiu a pessoa com deficiência em seu rol de direitos. A expressão “finalmente” foi utilizada, porque, antes dessa Carta Magna, havia um silêncio legal acerca desse tema. Na Constituição de 1824, por exemplo, os possuidores de “incapacidade física ou moral” não tinham direitos políticos, ou seja, não podiam votar. Tal previsão se manteve com a Constituição de 1891, a primeira republicana.
Já na Carta de 1934, é citado o “amparo aos desvalidos”, demonstrando uma certa mudança, mas essa previsão não acarretou a elaboração de políticas públicas propriamente ditas. Com a ditadura do Estado Novo (1937-1945), a exclusão permanece, visto que não há uma citação expressa às pessoas com deficiência na Constituição outorgada de 1937, apenas a previsão de que todos seriam iguais perante a lei. Com o fim da ditadura varguista, é promulgada uma nova Constituição, a de 1946, que propôs assistência educacional aos “alunos necessitados”. Essa previsão foi importante, dado que ela serviu de referência à “educação de excepcionais”, proposta na Lei de Diretrizes e Bases de 1961.
Com a implementação da Ditadura civil e militar (1964-1985), inicialmente não há uma previsão expressa acerca da pessoa com deficiência na Constituição outorgada de 1967, mas, em 1978, com a Emenda Constitucional nº 12, é prevista aos “deficientes” (expressão utilizada à época) uma educação especial e gratuita; assistência, reabilitação e reinserção na vida econômica e social; proibição de discriminação; e possibilidade de acesso a edifícios e logradouros públicos.
Por meio desse breve retrospecto constitucional, percebe-se que a Constituição de 1988 concretizou alguns avanços que já vinham sendo realizados e inovou, quando o assunto é pessoa com deficiência no Brasil. Entre as várias contribuições, ela se baseou em uma igualdade material entre os indivíduos, não aceitando, portanto, quaisquer tratamentos discriminatórios. Outro ponto relevante é que o cuidado com a pessoa com deficiência se tornou uma competência concorrente e comum, ou seja, todos os entes federativos, de maneira harmônica, devem promover políticas que assegurem os direitos das pessoas com deficiência, que abarcam a assistência pública, a proteção e a integração social. Além disso, no texto constitucional de 1988, é previsto também que a lei reservará um percentual de cargos e empregos públicos às pessoas com deficiência, abrindo possibilidade, assim, para que cotas sejam implementadas e que corrijam desigualdades estruturais presentes há séculos no país.
É dentro desse quadro de promoção de uma maior igualdade material, então, que são promulgadas a Lei nº 10.098 de 2000 e a Lei nº 13.146 de 2015. A primeira dispõe sobre normas gerais da União acerca da promoção de acessibilidade. A segunda se torna conhecida como o “Estatuto da Pessoa com Deficiência” e, entre seus avanços, traz uma ideia ainda muito cara a nós: a de que a pessoa com deficiência tem direito, sim, à dignidade, e que isso não é uma responsabilidade somente do Estado brasileiro, mas também de todos nós. Um exemplo disso é o próprio conceito de “barreiras”, trazido pelo Estatuto.
Ao definir “barreiras” como sendo “qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa”, a legislação procura chamar atenção para o fato de que a discriminação está presente, inclusive, em pequenas ações cotidianas. Devemos ficar atentos, assim, à nossa maneira de falar, de olhar e de se comunicar. Não se trata de controle, mas, sim, de uma ideia de responsabilidade inclusiva, pois, gostemos ou não, somos responsáveis uns pelos outros.
Essas barreiras se fazem presentes, inclusive, no momento de se olhar para o passado. É comum acharmos que a preocupação com a deficiência é algo recente, em especial pela dificuldade de se encontrar fontes que demonstrem de maneira clara como o Brasil colonial e imperial olhava para essas pessoas. É claro que há uma diferença atualmente, entretanto, a ausência, nesse caso, aponta para outra questão importante.
A exclusão das pessoas com deficiência era tão naturalizada que, por muito tempo, não houve, uma preocupação da sociedade brasileira a respeito dessa questão. Vivíamos, assim, sob uma normalidade excludente, dado que excluir era considerado algo normal e a desigualdade vista como um pressuposto fundamental da nossa organização social. Como carregamos esse legado até hoje, o nosso principal desafio é buscar, por meio de ações públicas e privadas, formas de desnaturalizar essa desigualdade. Assim, talvez, seremos capazes de perceber que a deficiência não nasce com a gente, mas é, na realidade, criada por nós.
Pesquisa e elaboração de texto:
Alexandre Alves de Sousa Moreira
Revisão:
Tuane Pontes da Silva
Edição Gráfica e Layout:
Pablo Natan Souza Machado
Referências Bibliográficas
BRASIL. Congresso Nacional. Diários do Congresso Nacional. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, ano. XXVII, n. 118, p. 2808-2834, 19 set. 1916. p. 2823. GOMES, Marcelo Augusto Moraes, “Espuma das Províncias” Um estudo sobre os Inválidos da Pátria e sobre o Asilo dos Inválidos da Pátria, na Corte (1864-1930). Universidade de São Paulo, 2006.
NOGUEROL, Luiz Paulo Ferreira. Seguros e preços de escravos na sociedade escravista brasileira do século XIX. Almanack, Guarulhos, n. 20, p. 216-228, dez. 2018. DOI http://dx.doi.org/10.1590/2236-463320182010. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2236-46332018000300216&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 27 jan. 2019.
PEREIRA, Dirce do Nascimento; SEBASTIÃO FILHO, Jorge. A tolerância como elemento de convergência entre a cultura indígena e a proteção legal da vida: uma análise do infanticídio indígena em tribos brasileiras. Direitos Fundamentais e Justiça [Recurso Eletrônico], Belo Horizonte, v.16, n.47, jul./dez. 2022. Disponível em: https://dspace.almg.gov.br/handle/11037/53620. Acesso em: 22 mar. 2024.
PEREIRA, Jaquelline Andrade; SARAIVA, Joseana Maria. Trajetória histórico social da população deficiente:: da exclusão a inclusão social. SER Social, Brasília, v. 19, n. 40,2017, DOI: 10.26512/ser_social.v19i40.14677. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/SER_Social/article/view/14677. Acesso em: 18 jun. 2025.
RIBEIRO, Cilene da Silva Gomes; Moio, Patrícia Paula; Bovkalovski, Etiane Caloy; Chemin, Marcia Regina Chizini; Corradi-Perini, Carla Pessoas com deficiência: eugenia na imigração do início do século XX Revista Bioética, vol. 27, núm. 2, 2019, Abril-Junho, p. 214.
SEVCENKO, Nicolau. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In: NOVAIS, Fernando Antonio; SEVCENKO, Nicolau. (orgs.). História da vida privada no Brasil-República: da belle époque à era do rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 199, p.9.
SILVA, O. M. da. A epopéia ignorada: a pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje. São Paulo: Cedas, 1987, p.230.
TEIXEIRA, I. M.; SILVA, E. P. EUGENIA E ENSINO DE GENÉTICA: DO QUE SE TRATA?. Revista Ciências & Ideias ISSN: 2176-1477, [S. l.], v. 8, n. 1, 2017, p.63. DOI: 10.22407/2176-1477.2017v8i1.551. Disponível em: https://revistascientificas.ifrj.edu.br/index.php/reci/article/view/551. Acesso em: 18 jun. 2025.