Comissão debate alternativas para frear o crescimento dos ataques às escolas

Da Agência Senado | 19/04/2023, 16h12

O crescimento assustador de casos de ataques às escolas brasileiras — sendo oito somente nos primeiros três meses deste ano — disparou alerta para a urgência de ações múltiplas no enfrentamento da situação. No Senado, os parlamentares querem entender o porquê do aumento de registros e o que pode ser feito para coibir esses atos, especialmente a partir da atuação legislativa. Para isso, a Comissão de Segurança Pública (CSP) debateu nesta quarta-feira (19) o tema em audiência pública.

O uso indiscriminado da internet — da produção ao consumo de conteúdos inadequados que incitam atos violentos— é uma das principais preocupações relacionadas ao problema. Levantamentos apontam que há significativa cooptação dos agressores nas redes, sendo em sua maioria jovens entre 10 e 25 anos, que foram vítimas de bullying no período escolar e que buscam notariedade. Na terça-feira (18), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, defendeu, em evento no Palácio do Planalto, a aprovação do projeto de lei (PL 2.630/2020) que regulamenta a atuação das plataformas de redes sociais como uma das medidas de prevenção à violência nas escolas.

Senadores

Relator desse projeto no Senado, conhecido como PL das fake news, o senador Angelo Coronel (PSD-BA), que foi o autor do requerimento para a audiência pública na CPS, cobrou a urgência na aprovação do PL 2.630/2020, que tramita na Câmara, diante do crescimento “em progressão geométrica” da violência no ambiente escolar. O parlamentar fez um chamamento aos pais para que mantenham um olhar mais atento a seus filhos.  

Para a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), é preciso cuidado para não se criminalizar as plataformas de forma a gerar uma censura prévia.

— As plataformas sempre foram parceiras dessa Casa quando nós precisamos enfrentar um problema que envolvia as plataformas. (...) A minha preocupação de criminalizar as redes sociais é que depois venha uma censura à internet, às redes, à imprensa—, alertou.

O senador Fabiano Contarato (PT-SE), que também propôs o debate público na Comissão de Educação (CE) e de Constituição e Justiça (CCJ), criticou a política armamentista e enfatizou que “não se reduz criminalidade armando a população”. Ele também sinalizou que é preciso cuidado com soluções imediatistas em momento de comoção.

— Você não reduz criminalidade armando a população. Precisamos que a população seja armada com livros. (...) Vamos fortalecer as instituições de estado para que cumpram seus papeis — afirmou.

Para Contarato, a psicologia e a assistência social têm de estar muito mais fortes dentro das unidades escolares, assim como é preciso ofertar aos alunos o acesso contínuo e adequado de laboratórios, bibliotecas e quadras de esportes.

O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) disse que apesar de o país ter alcançado a universalização da educação, “78% dos jovens brasileiros não conseguem entrar nas universidades e não têm qualificação para o mercado”.

— A educação se constrói dentro da escola, mas com a participação da família. Temos de voltar a esse conteúdo de solidariedade, de respeito. (...) Essa é uma discussão de estado. Temos de sair do discurso para entrar no mundo real, saber o que está acontecendo na ponta—propôs.

O senador Alan Rick (União-AC) destacou que em 2015 apresentou, na Câmara dos Deputados, um projeto de lei (PL 708) que estabelece normas para a segurança escolar.

— Desde aquela época, a nossa preocupação é criar um modelo sistematizado de políticas públicas da União, estados e municípios, em escolas públicas e privadas. (...) Esse projeto traz a oportunidade de um amplo debate sobre as normas a serem executadas para dar segurança aos estabelecimentos de ensino—afirmou.

Mobilização nas redes

O secretário Nacional de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça, Marivaldo de Castro Pereira, informou que a pasta buscou diálogo com as entidades que atuam nas redes sociais onde foram identificadas mobilizações, após o caso do atentado em Blumenau (SC) que culminou na recente morte de três crianças em ataque a uma creche.

Desde então, uma série de operações foram deflagradas com os estados e com a Polícia Federal, resultando em mais de 265 pessoas presas ou apreendidas e 224 casos investigados em todo o Brasil.

— O problema vai muito além da segurança pública. É um problema que exige ampla mobilização da sociedade, da família, das comunidades escolares e a retomada do diálogo com os estudantes — disse Pereira.

Nessa terça-feira, lembrou o secretário, o governo federal destinou R$ 3,1 bilhões para infraestrutura, equipamentos de segurança, ações de formação e suporte à implantação de núcleos de apoio psicossocial em escolas.

— Precisamos buscar a unidade de toda a sociedade para interromper o discurso do ódio.  (...) Temos de retomar a política de combate ao bullying nas escolas e implementar a lei com a presença de psicólogos nas escolas—apontou.

Rádio e televisão

A partir dos últimos casos de ataques em escolas públicas, as emissoras de rádio e tv têm feito alterações na forma como abordam os fatos, em especial não divulgando os nomes e as imagens dos agressores que, em tese, esperam por notoriedade de seus atos.

Segundo o diretor de Assuntos Legais e Regulatórios da Associação Brasileira das Emissoras de Rédio e Televisão (Abert), Rodolfo Salema, as emissoras, seguindo uma regra do bom jornalismo, “evitam a glamorização do criminoso”, mas essa definição de linha editorial de comunicação cabe a cada empresa, em análise caso a caso.

Para Salema, as plataformas também deveriam fazer esse tipo de análise quanto à divulgação de atos de ataques.  

— É preciso sim mudarmos a legislação para se criar um marco regulatório para essas plataformas. Esse assunto envolve questões de politica pública, educação midiática, transparência das plataformas, enfim, medidas para que a gente consiga encontrar soluções—defendeu.

Plataformas

A diretora de Políticas Públicas para Integridade da Meta, que reúne Instagram, Facebook e WhatsApp, Monica Steffen Guise, afirmou que são "mito" as especulações de que a empresa não se importaria com os casos de violência ou que lucre com a disseminação desse tipo de informação.

Segundo Monica, são proibidas a divulgação de políticas de violência e são removidos conteúdos de quem a propaga. Ela exemplificou com o caso do atentado em Blumenau, onde foram identificadas as contas do agressor e removidos e fornecidos os dados às autoridades competentes.

— Treinamos autoridades no Brasil para obter dados juntos a Meta o mais rápido possível: polícias estaduais e a Federal, secretarias de Segurança Pública, magistratura e Procuradoria Geral da República (PGR) — informou a diretora. Monica enfatizou que o Brasil é reconhecido internacionalmente pelo Marco Civil da Internet, assim como pela Lei Geral de Proteção de Dados.

O diretor de Relações Governamentais e Políticas Públicas do Google Brasil, Marcelo Lacerda, também afirmou que a empresa é colaborativa e que conta com equipes para identificação, remoção e denúncia de publicações inadequadas. Somente entre março e abril deste ano, o Google recebeu mais de 700 pedidos emergenciais de autoridades públicas com foco em assuntos ligados ao terrorismo e aos ataques às escolas.

— Com foco na cooperação, a gente entende que a educação ativa e constante é fundamental para que as pessoas que utilizam as nossas plataformas, para compartilhar conteúdos, os façam de maneira segura. Por isso, a gente trabalha em parceria com entidades da sociedade civil— explicou.

Escolas

Para o coordenador-geral de Juventude da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação, Yann Evanovick, é preciso conhecer as experiências de outros países, como a dos Estados Unidos, mas não importar a mesma forma de enfrentar o problema, já que as realidades são diferentes.

— Todos os protocolos dos Estados Unidos são questionados e importar para a dinâmica brasileira é um equívoco — expôs o coordenador.

Ele lembrou que naquele país já houve 584 pessoas vitimadas em 331 escolas, sendo 34 incidentes somente em 2021.

O governo federal pretende iniciar agora, segundo Evanovick, uma pesquisa de caráter nacional para saber a real incidência dos ataques às escolas no Brasil.

A professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) Catarina de Almeida Santos, disse “ser muito bom saber que a Comissão de Segurança Pública está chamando o setor de Educação para esse debate”. Ela também enfatizou o crescimento do número de ataques no Brasil, ao apontar oito casos somente nos últimos três meses.

Catarina também fez referência aos casos dos Estados Unidos, onde, de acordo com a professora, as escolas com segurança armada estão tendo mais problema, inclusive com aumento do déficit de aprendizagem.

Segundo Catarina, levantamento do Instituto Sou da Paz apontou que em metade dos ataques às escolas no Brasil as armas vieram da casa dos agressores. Ela também relacionou o aumento do número de ataques ao crescimento de porte de armas pela sociedade civil.

O procurador de Justiça do Ministério Público do Acre, Sammy Barbosa Lopes, afirmou que  “colocar um policial na porta de cada escola é uma solução boa, mas inexequível”.  

— A maior parte dos ataques é perpetrado por membros das comunidades escolares, ai precisamos refletir, porque, assim como nos Estados Unidos, temos jovens com livre acesso a armas de fogo. É um problema complexo. É preciso pensar na responsabilidade das redes sociais. Existem páginas nas redes sociais que fazem apologia a massacres—afirmou.

A representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, Rosilene Corrêa, disse que “há um pedido de socorro da sociedade”.

— Escola é o lugar mais público que nós temos. Não pode ser um ambiente em que tenhamos medo. Mas não podemos entender como solução apenas o investimento em segurança. Precisamos de uma força tarefa e pensarmos o papel da educação para mudar essa sociedade—observou.

Psicologia

O presidente do Conselho Federal de Psicologia, Pedro Paulo Bicalho, chamou atenção para o fato de que após quatro anos de aprovação da Lei 13.395/2019, que garante a prestação de serviços de psicologia e de serviços sociais nas redes públicas, ela ainda não seja cumprida.

— A própria segurança pública reconhece que a criação de um quadro de psicólogos é fundamental no enfrentamento da violência — afirmou.

De acordo com Bicalho, apenas 85 munícipios brasileiros garantiram a presença dos psicólogos nas escolas públicas.

Segundo o comandante-geral da Polícia Militar de Santa Catarina, Aurélio José Pelozato da Rosa, crianças morrem hoje no Brasil porque têm medo de falar com o policial militar, prática que precisa ser modificada.

— Nós queremos a cultura da ausência do medo também nesse sentido e da paz social—ressaltou.  

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)