CCJ aprova Kassio Marques para o Supremo; indicação segue para votação em Plenário
Anderson Vieira | 21/10/2020, 18h45
O desembargador Kassio Nunes Marques venceu a primeira etapa na busca de uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). Por 22 votos favoráveis e cinco contrários, ele foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nesta quarta-feira (21) e agora deverá passar pelo crivo do Plenário, onde precisará do apoio de pelo menos 41 senadores.
Piauiense de 48 anos, o desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (MSF 59/2020) para ocupar a vaga deixada pelo ex-ministro Celso de Mello. A relatoria da indicação na CCJ ficou a cargo do senador Eduardo Braga (MDB-AM), que não participou da sabatina por estar com coronavírus. O voto foi lido por Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Kassio Marques respondeu aos senadores durante dez horas. Além de expor sua opinião sobre temas polêmicos como aborto e prisão após a condenação em segunda instância, teve de dar explicações sobre seu currículo: defendeu-se de acusações de que teria cometido plágio em sua dissertação de mestrado e justificou as representações contra ele no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por lentidão no julgamento de processos.
Plágio
Já na abertura da sabatina, prevendo que sua formação acadêmica seria questionada, Kassio Marques quis responder aos que apontam incongruências seu currículo. Sobre as acusações de plágio, o indicado alegou que a instituição de ensino para a qual ele apresentou a dissertação contava com o sistema antiplágio mais moderno de Portugal.
— À época, a Universidade Autónoma de Lisboa era detentora do sistema antiplágio mais moderno do país, que era o sistema Ephorus. Diferentemente do que se escreve, essa dissertação foi submetida ao sistema da universidade, o que traz segurança para o discente. Logicamente, eu não sei dizer quais são os critérios que um ou outro veículo de comunicação está utilizando em relação à definição do que seja o plágio — afirmou.
Lava Jato
A maior operação de combate à corrupção realizada no país foi tema recorrente da sabatina desta quarta-feira. Kassio Marques disse que não há um brasileiro que não reconheça o mérito desta e de outras grades operações, quando são legitimadas pela participação do Ministério Público, do Poder Judiciário e da Polícia Federal.
— O que pode acontecer em qualquer operação, em qualquer decisão, em qualquer esfera, é que, se houver determinado ato ou conduta irregular, essas correções podem ser feitas, nada é imutável — afirmou.
O sabatinado chegou a ser pressionado por alguns senadores, que queriam respostas mais completas e detalhadas sobre o tema. O desembargador alegou que existem processos relacionados à Lava Jato em tramitação em outros tribunais e no Supremo, o que o impediria de tecer comentários e juízos de valor. O mesmo se aplicaria ao inquérito sobre fake news, sob o comando do ministro Alexandre de Moraes.
— É por isso que eu peço desculpas por não ser incisivo, por não dar uma resposta cirúrgica em relação ao que penso [...] No meu caso, há uma outra incidência: se eventualmente esta Casa não vier a aprovar o meu nome, eu vou voltar fisicamente para o TRF-1 e estarei submetido a sanção disciplinar porque eu estaria aqui descumprindo uma lei — justificou.
Representações no CNJ
Os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Lasier Martins (Podemos-RS) quiseram saber o que justifica a existência de dezenas de representações contra o desembargador no CNJ por conta da morosidade na conclusão dos processos.
O sabatinado disse que tem apresentado alta produtividade — com mais de 185 mil provimentos jurisdicionais em dois anos — e alegou que o TRF-1 é o maior tribunal federal do mundo, com 550 mil processos. E ressaltou que cada magistrado tem em seu gabinete de 15 mil a 25 mil processos.
- Quando eu entrei no tribunal, tinha um acervo de 23 mil processos previdenciários, tudo físico. Se fizerem uma simples consulta, provavelmente a quantidade de representações que eu tive no CNJ é inferior à média de julgadores. E nenhuma das 33 representações dizem respeito à conduta do magistrado. Eu nunca sofri uma reclamação funcional sob qualquer outra acusação —defendeu-se.
Esposa em gabinete
Ainda a pedido do senador Alessandro Vieira, Kassio Marques respondeu sobre o trabalho de sua esposa, Maria do Socorro Marques, como servidora comissionada no gabinete do senador Elmano Férrer (PP), que também é do Piauí.
Segundo o desembargador, é difícil para um parlamentar importar toda a força de trabalho de um estado pequeno e sem muitos recursos, principalmente levando-se em conta o alto custo de vida de Brasília. Portanto, na opinião dele, pessoas que detêm algum tipo de experiência e que já moram na capital têm o facilitador de serem contratadas.
— Foi o que aconteceu muito provavelmente, eu não consigo com exatidão dizer, mas ela já possuía uma experiência nesta Casa. Muito provavelmente, quando o senador Elmano vislumbrou essa possibilidade, a contratou — afirmou.
Aborto
O tema aborto foi mencionado pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE). O indicado foi breve, limitando-se a responder que analisa com razoabilidade a questão e que "o Poder Judiciário já muito provavelmente exauriu todas as hipóteses".
— O meu lado pessoal eu deixei bem claro na minha apresentação: sou um defensor do direito à vida e tenho razões pessoais para isso. Se eventualmente for necessário, até o fim posso expor questões familiares, questões pessoais, experiências por mim vividas. A minha formação é sempre em defesa do direito à vida — afirmou.
Indicação política
Eduardo Girão criticou o presidente da República, Jair Bolsonaro, pela indicação de Kassio Marques. O senador disse que Bolsonaro "traiu a população" ao não indicar alguém com "valores conservadores e bandeiras firmes", como o apoio incondicional à Lava Jato, à prisão após a condenação em segunda instância.
O líder do governo, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) defendeu o juiz, lembrando que houve uma ampla aceitação do nome pela comunidade jurídica. Também destacou o fato de que ele poderá ser o único representante do Nordeste no Supremo, detalhe lembrado por outros parlamentares, como Ciro Nogueira (PP-PI), Eduardo Gomes (MDB-TO), Eliziane Gama (Cidadania-MA) e por Cid Gomes (PDT-CE), que chegou a citar o reflexo da supremacia econômica das regiões Sul e Sudeste na mais alta corte do país.
— O indicado reúne predicados à altura da missão que o presidente acertadamente lhe confiou. De perfil conciliador, tem trajetória marcada pelo respeito às instituições e ao equilíbrio democrático. A ampla aceitação da indicação pela comunidade jurídica e por diversos setores da sociedade vem confirmar o mérito da escolha — afirmou Fernando Bezerra.
Prisão em segunda instância
Ao analisar a polêmica sobre a prisão de condenados após a decisão em segunda instância, Kassio Marques disse que o assunto está com o Congresso Nacional, que "tem toda competência e instrumentos para ouvir sociedade e instituições".
— Entendo que esta matéria está devolvida ao Parlamento. Cabe ao Congresso agora ouvir a sociedade, as instituições, e já há uma PEC tratando do tema. O debate está evoluindo, com uma participação muito profícua dos juristas. Este tema me preocupa também, estou acompanhando e penso que devem ser tomados todos os cuidados buscando evitar futuras judicializações — sintetizou.
Garantismo
O senador Major Olimpio (PSL-SP), por sua vez, manifestou preocupação com o fato de Kassio Marques ter se declarado garantista. O indicado rebateu dizendo que o garantismo judicial nada mais é do que a aplicação da lei e da Constituição e não se confunde com leniência ou o textualismo, que retrata a postura de se aplicar a literalidade das normas, sem o exercício da hermenêutica e análise das consequências do caso concreto.
— Sim, eu tenho esse perfil. O garantismo deve ser exaltado porque todos os brasileiros merecem o direito de defesa. Todos os brasileiros, para chegarem a uma condenação, precisam passar por um devido processo legal. E isso é o perfil do garantismo, que, de certa forma, pode estar sendo interpretado de uma forma diferente, inclusive com esse instituto do textualismo e o originalismo — disse.
Indagado se o garantismo não atrapalha o combate à corrupção e favorece a impunidade, Kassio Marques afirmou que a maioria dos magistrados que conduzem grandes investigações são cumpridores das leis e da Constituição.
— Um ou outro ato ilegal ou inconstitucional, se ocorrer, não pode passar à margem da apreciação do Judiciário. Não verifico nenhum conflito entre ser um juiz garantista e isso de alguma forma atrapalhar o combate à corrupção. Ao contrário, acho que chegaremos a uma construção muito mais justa ao final e sem margem para nulidade no processo — afirmou.
Kassio Marques informou ainda que durante o período em que esteve em plantões judiciários no TRF-1, recebeu pedidos de 30 habeas-corpus e indeferiu 28.
Legítima defesa e porte de arma
Ao opinar sobre porte e posse de arma de fogo, o indicado lembrou a existência de controvérsia quanto ao limite da competência do Poder Executivo de regulamentar o tema. Ele disse ter uma arma em casa, mas não a porta consigo quando está na rua.
— A minha posição pessoal a respeito da utilização de armas é: eu tenho em casa, mas eu não ando armado. O meu perfil pessoal é daquele que a arma serve a depender de cada circunstância, onde o cidadão mora, o nível de violência da cidade, para a proteção da sua residência e da sua família. Mas não é uma posição jurídica; é uma posição pessoal — declarou.
Lagosta no STF
O senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) criticou a a decisão favorável dada, no ano passado, pelo desembargador Kassio Marques ao edital de licitação do serviço de refeições institucionais elaborado pelo STF. Kajuru considerou imorais e revoltantes as exigências do certame, prevendo bacalhau, lagosta, camarões e vinhos com pelo menos quatro premiações internacionais.
A questão foi judicializada e chegou à mesa do desembargador no TRF-1, segundo o qual a compra, inspirada em uma licitação do Ministério das Relações Exteriores, não era para uso do dia a dia dos ministros, mas para situações pontuais e eventuais. Tal informação foi, já no fim da reunião, rebatida pelo senador Kajuru, que reclamou também de privilégios dos ministros do Supremo.
— O que chegou a mim naquele momento era uma suspensão de liminar, dada por por uma juíza federal, que tem requisitos completamente diferentes dos requisitos de mérito. Na suspensão de liminar, não se entra no mérito da questão. Não se diz se uma parte ou outra tem razão, apenas se suspende os efeitos da decisão, que continuará a ser julgada pelo tribunal ou por um órgão fracionário, que analisará a questão — declarou Kassio Marques.
TV Justiça
Os senadores Humberto Costa (PT-PE) e Renan Calheiros (MDB-AL) quiseram saber a opinião do sabatinado sobre a transmissão dos julgamentos do Supremo pela TV Justiça.
Segundo Kassio, a existência da emissora é uma questão interna do Supremo e ele não teria condições de opinar por desconhecer as razões que levaram os ministros a optarem pela transmissão ao vivo das sessões plenárias.
— Desconheço o histórico e as razões desse debate, mas não me sentiria de forma alguma acanhado se eventualmente, após obter autorização do Senado para integrar a Corte, indagar aos demais colegas e procurar as razões pelas quais se convenceram ser essa a melhor solução. Cabe a mim respeitar esse entendimento — disse.
Foro privilegiado
O foro especial de julgamento para autoridades dos três Poderes foi levado à sabatina pelo senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL), que é a favor de regras muito mais restritivas.
— A permanência do foro privilegiado leva a situações vexatórias em que parlamentares acusados, inclusive de crimes como homicídio, não sejam julgados como pessoas comuns, incentivando a total impunidade. E aí se cria aquela já tradicional confusão entre imunidade e impunidade — reclamou Rodrigo Cunha.
Kassio Marques lembrou que recentemente o Supremo já tomou decisão importante a respeito, limitando o foro, e acrescentou que o assunto pode ser aperfeiçoado no Congresso Nacional.
Minorias e meio ambiente
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) abordou a situação ambiental do país e pediu que o indicado, caso assuma vaga no Supremo, faça cumprir a proteção do meio ambiente prevista na Constituição. Ele também pediu atenção especial às minorias, que não estão representadas em muitas instituições brasileiras.
Kassio Marques lembrou que a proteção de grupos vulneráveis está prevista na Constituição e trata-se de um dever do Estado, da sociedade e de todos os brasileiros, não somente do Poder Judiciário.
Mulheres
Preocupada com a escalada da violência contra as mulheres no Brasil, a senadora Rose de Freitas (Podemos-ES) quis saber do sabatinado o que ele pensa sobre o tema e como o Poder Judiciário pode colaborar no enfrentamento do problema. A representante do Espírito Santo reclamou da impunidade e citou um vídeo recente circulando nas redes sociais em que um homem dá uma sequência de violentos socos em uma mulher com a qual mantinha relacionamento.
— No âmbito das políticas publicas, acredito que o CNJ pode contribuir, por exemplo, em relação à especialização de varas. O que pode haver também é uma integração maior de informações para a evolução de políticas em cada estado da Federação — avaliou.
e-Cidadania
No fim da reunião, a presidente da CCJ, senadora Simone Tebet (MDB-MS), abriu espaço para a leitura das perguntas enviadas ao Senado pela população por meio do portal e-cidadania. A maioria dos questionamentos, esclareceu, já havia sido apresentada pelos senadores ao longo do dia.
Ao encerrar, Simone Tebet disse que a preocupação era dar uma resposta à sociedade e foi possível mostrar que não foi uma sabatina meramente protocolar, como previra parte da imprensa.
— Não houve nenhum tema atual que não tenha sido questionado e que não tenha sido respondido pelo sabatinado. Eu estava certa quando fiz uma defesa intransigente dessa comissão e do trabalho secular do Senado. Foi fundamental a participação de todos — concluiu.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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