Conselheiro da ONU defende segurança humana em aula magna da pós-graduação em Justiça Social

Da Comunicação Interna | 04/04/2018, 20h19

Foi aberta com representantes das Nações Unidas a aula magna da pós-graduação em Justiça Social, Criminalidade e Direitos Humanos da Escola de Governo do Instituto Legislativo Brasileiro.  O curso de especialização Latu Sensu é uma iniciativa precursora no estudo aprofundado das questões de justiça social, criminalidade e direitos humanos no Brasil. O evento foi realizado nesta quarta-feira (4) no Auditório Petrônio Portella.

O conselheiro especial sobre Segurança Humana do secretário-geral da ONU e palestrante da aula magna, Yukio Takasu, apresentou o conceito, que segundo ele, precisa ser abrangente no combate aos conflitos entre países, aos homicídios e à criminalidade. Mas para isso, deve-se voltar para o indivíduo e sua dignidade como ser humano e, nos países, direcionar-se às comunidades locais. A segurança humana, ensinou, pressupõe quatro princípios ordenadores: centralidade no indivíduo, abrangência — integrando aspectos civis, políticos, econômicos e culturais —, especificidade no contexto e busca de soluções para as realidades locais.

— O direito humano em sua essência é obrigação do Estado para com seu povo. Mas ele não garante a segurança completa. A segurança humana promove a base para uma vida digna — afirmou, ao insistir que é preciso mais do que forças militares para garantir que o indivíduo sobreviva à fome, a doenças e aos desastres naturais e, independentemente de raça, etnia, religião, status social e gênero, tenha a liberdade de não ter medo.

Takasu mencionou a crise no sistema prisional, a desconfiança da população na polícia e na Justiça e disse que para reduzir a criminalidade é preciso ter controle de armas e drogas e melhorar a qualidade de vida da sociedade.

— Segurança humana é mais do que direito humano. Ouça a voz do chão, lembre-se do sofrimento das vítimas e tome pequenos passos, porém concretos — resumiu.

Dignidade

Na abertura do evento, a diretora-geral do Senado, Ilana Trombka agradeceu a todos os parceiros que, durante nove meses, gestaram o curso para que este possa apresentar soluções práticas para uma sociedade mais justa e fraterna. Ilana comentou que o conceito de segurança humana proposto pela ONU é moderno e tem como princípio básico a dignidade da pessoa humana. A diretora-geral transmitiu mensagem do presidente da Casa, Eunício Oliveira, no sentido de que os pós-graduandos honrem a iniciativa e adquiram consciência do respeito ao próximo como “valor maior” da sociedade.

A diretora-geral agradeceu o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) pela presença, que, a seu ver, terá muitas contribuições a dar para a futura Universidade Mundial da Segurança e Desenvolvimento Social a ser instalada no país. Ilana parabenizou os alunos pelo estudo aprofundado que farão e seu esforço pessoal para entrar no curso e disse que os especialistas renomados possibilitarão trazer soluções que levem a um novo regramento das Casas Legislativas.

Luther King

Por sua vez, o diretor-geral da Câmara dos Deputados, Lúcio Henrique Xavier Lopes, mencionou a passagem dos 50 anos da morte do líder negro Martin Luther King Jr. (1929-1968), e sua importância pela resistência pacífica e para o debate de ideias, e endereçou aos estudantes uma frase do pastor batista norte-americano: “Suba o primeiro degrau com fé. Não é necessário que seja toda a escada. Apenas dê o primeiro passo”.

Lúcio Lopes falou sobre o sonho de trazer para o Brasil a universidade mundial, especialmente num momento de crise institucional na área de segurança pública com intervenção federal no estado do Rio de Janeiro, em que as instituições de segurança devem trabalhar com conceitos humanísticos, com reformas na atuação da polícia e garantias básicas de cidadania.

Fronteiras

Maurício Wanderley, diretor-geral do Instituto Serzedêllo Correa, Escola Superior do Tribunal de Contas da União (TCU), falando em nome do ministro Raimundo Carrero, considerou a realização do curso no Brasil "de grande relevância para que se trate a questão da segurança de forma técnica e capacitada". Ele informou que, o TCU como órgão de controle interno do Legislativo, realizou auditorias na Política Nacional de Fronteiras e propôs uma articulação conjunta com outros países da América Latina para realização de novas auditorias de fronteiras.

Maria Cecília Sánchez Romero, diretora-geral do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Crime e Tratamento do Delinquente (Ilanud) destacou a recomendação final do 13º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal, realizado em 2015 no Catar, que se desenvolvam esforços em todos os campos para combater a violência estrutural que guarda correlação intrínseca com a desigualdade social da qual decorre a criminalidade, com um “forte componente do desenvolvimento da pessoa humana”, em contraste com as intervenções punitivas do sistema penal, em que a política criminal esteja voltada para a prevenção do delito e da criminalidade. Daí a importância do curso para trazer conhecimentos que serão de “muitíssima relevância”.

Esforços do governo

Eduardo Leite, secretário Executivo do Comitê Permanente da América Latina para Prevenção do Crime (Coplad), programa do Inalud, mencionou realização do Fórum Internacional de Segurança Humana, em São Paulo nesta terça-feira (3). Ele salientou que há uma recomendação de esforços do governo brasileiro ao Secretário-Geral para Segurança Humana das Nações Unidas, de que o Brasil passe a integrar a rede de países para segurança humana. Disse ainda que no 14º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal no Japão em 2019, será apresentado relatório final do Coplad com uma “radiografia” do homicídio na América Latina.

Thomas Stelzer,embaixador da Áustria em Portugal, conselheiro junto à União Europeia e ex-Secretário Geral Adjunto da ONU, considerou a pós-graduação na área como “um dos mais importantes projetos acadêmicos institucionais”. Mostrando-se alinhado ao pensamento de Yukio Takasu, salientou que o “futuro que queremos deve vir de uma negociação entre países e uma visão de futuro inclusiva, que não deixe ninguém para trás".

Fome

Edmundo Oliveira, secretário executivo do Comitê Permanente da América Latina para Prevenção do Crime (Coplad), afirmou que o mundo precisa de “cérebros”, de estudos e pesquisas das universidades, com aportes científicos e tecnológicos para melhorar a performance do Poder Judiciário. Citou dados estatísticos como o de uma em cada oito pessoas têm fome no mundo, e disse que, enquanto os gastos com armamentos são de US$ 1,6 trilhões anuais, gasta-se apenas US$ 128 bilhões com programas de desenvolvimento econômico e social. Mencionou o bitcoin — a moeda criptográfica — como maior instrumento de lavagem de dinheiro do mundo e que o tráfico de pessoas é o tipo de tráfico que mais cresce no mundo.

Matias Bailone, professor adjunto de Direito Penal e Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires e secretário Letrado da Corte Suprema de Justiça da Argentina, afirmou que desde os anos 80 o Ilanud e os processos de redemocratização na América Latina têm como foco o "funcionamento normal e democrático" da justiça penal. Bailone citou como difícil o relacionamento da justiça penal com o desenvolvimento do conceito de segurança humana, fundamentado nos direitos fundamentais. Para ele, existem três problemas de difícil solução: o fluxo “nocivo e pernicioso” dos meios de comunicação e da “criminologia cibernética”, com postura predatória que majora o crime, a impunidade e a violência policial.

Prisões superlotadas

Eugênio Zaffaroni, professor, juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), e presidente do Coplad, falou sobre a “verdade criminológica”, que, se traduz, segundo ele, pela quantidade de pessoas mortas. Salientou a cultura irracional das forças de segurança que estariam descontroladas, a seu ver, com prisões superlotadas, e que a prática punitiva entrava o sistema penitenciário, aumenta a violência urbana e consequentemente as taxas de homicídio. Zaffaroni disse que a corrupção policial significa perda de soberania e de controle territorial e criticou o uso das Forças Armadas em substituição às polícias que teriam como resultado o enfraquecimento da segurança nacional.

O curso é uma ação conjunta do Senado, Câmara dos Deputados, Tribunal de Contas da União (TCU), em parceria com o Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (Ilanud), tendo em vista a preocupação comum a essas instituições de encontrar formas de violência à violência, à insegurança e à criminalidade. No curso, serão 26 docentes, entre especialistas nacionais na área tema da capacitação e com nomes de notório reconhecimento internacional em segurança humana.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)