Especialistas: redução da maioridade penal é inconstitucional e não resolve violência

Da Redação | 11/08/2016, 16h35

Em audiência pública, nesta quinta-feira (11), na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), especialistas criticaram as propostas de emenda à Constituição (PECs) que tramitam conjuntamente na comissão em favor da redução da maioridade penal. A maioria dos participantes afirmou que as propostas são inconstitucionais e ferem também tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Os principais argumentos dos que criticaram a redução da maioridade penal é o de que a porcentagem de crimes graves cometidos por crianças e adolescentes é muito baixa e de que o sistema prisional no país é falido. Além disso, especialistas disseram que qualquer proposta de redução da maioridade penal é inconstitucional por ferir cláusula pétrea da Constituição.

Estão em análise na comissão as 74/2011, 33/2012, 21/2013115/2015. O autor da PEC 33/2012, senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) e o relator da proposta, senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) não estavam presentes no debate. Essa não é a primeira vez que a CCJ analisa a PEC 33/2012. Dois anos atrás, a proposta, que permite a punição de menores de 18 anos e maiores de 16 anos pela prática de crimes graves, foi rejeitada pela comissão.

A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) lembrou que o voto que rejeitou a PEC foi do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), mas um recurso levou a proposta ao Plenário e, por uma emenda, a mesma PEC voltou para a analisada na comissão. Segundo Gleisi, o Regimento do Senado estabelece que, quando a matéria volta à análise da comissão, o relator seja o do voto vencedor.

- Teria que ser o senador Randolfe Rodrigues, e não o senador Ricardo Ferraço. Infelizmente, o presidente da CCJ nomeou o senador Ricardo Ferraço novamente como relator da PEC. Nós vamos votar a mesma matéria duas vezes, numa tentativa de fazer com que essa matéria seja aprovada – lamentou a senadora.

Gleisi disse ainda que será preciso fazer uma mobilização grande para impedir a aprovação da matéria, já que “a Casa, hoje, se constitui numa maioria que está levando a propostas mais conservadoras”.

Fratura das relações

De acordo com dom Leonardo Ulrich Steiner, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), muitas crianças e adolescentes do país vivem na “fratura das relações”, ou seja, em relações familiares e éticas quebradas. Para ele, diminuir a maioridade penal ou aumentar o tempo de internação do adolescente é não levar em consideração o sentido da pessoa humana e criar uma fratura ainda maior.

- É quase descartar essas pessoas da nossa sociedade. Não é isolando as pessoas que nós conseguimos construir uma sociedade mais justa e mais fraterna – disse.

Na mesma linha de dom Leonardo, a secretária especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e Cidadania, Flávia Piovesan, afirmou-se contrária à “cultura do encarceramento” e disse que é necessário humanizar o sistema carcerário do país.

Flávia afirmou que os atos criminosos cometidos por adolescentes representam 4% do total dos crimes e menos de 1% dos homicídios no Brasil. Ela disse ainda que o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo e que o próprio Supremo Tribunal Federal já afirmou, em julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347 , em setembro de 2015, que a situação carcerária representava um estado de coisas inconstitucional.

- E por quê? Pela situação degradante das penitenciárias, pelas condições desumanas de custódia e a violação massiva de direitos humanos. Então é nesse lugar que está a esperança dos nossos jovens? É para esse lugar que nós vamos encaminhá-los? – indagou.

Flávia Piovesan enfatizou ainda o fracasso da dimensão ressocializadora do sistema carcerário brasileiro. Segundo a secretária, o índice de reincidência criminal, em pesquisas, oscila entre 70% e 80%. Para ela, a ideia de exclusão, repressiva  e punitiva não se concilia com os princípios constitucionais e do Estatuto da Criança e do Adolescente.

- Romper com a cultura da banalização da morte requer que se rompa com a cultura da banalização da vida – disse.

Adolescentes no crime

O defensor público Bruno Moura, que atua na Bahia, trouxe ao debate sua experiência para traçar o perfil dos adolescentes que cometem infrações. Segundo ele, a maioria vem de famílias desestruturadas, estão fora do ensino formal, moram em bairros periféricos e estão inseridos no mundo das drogas desde cedo.  Para ele, para combater a violência é preciso combater a política de drogas que há no país, e não ir pelo caminho da redução da maioridade penal.

Bruno afirmou ainda que o sistema prisional falido do país apenas piora as pessoas que passam por ele e que a sociedade se esquece disso.

- As pessoas se esquecem que essa pessoa que a gente deposita nesses depósitos humanos que temos hoje, ela um dia vai retornar à sociedade – alertou.

Irrecuperável

Em defesa da redução da maioridade penal, o deputado Laerte Bessa (PR-DF), policial civil aposentado, afirmou que o menor infrator perigoso é irrecuperável e, por isso, os que cometem crimes hediondos e ou são reincidentes devem ser julgados como adultos. Bessa afirma ter tido acesso, à época da relatoria, a pesquisas demonstrando que 87% da população são favoráveis à redução da maioridade penal. Ele foi o relator da PEC 171/1993 na Câmara, cujo teor foi absorvido pela PEC 33/2012, no Senado.

- Posso dizer pra vocês que, na minha vida de 30 anos como policial, tive uma experiência muito ruim com o menor infrator. Nem todos são de alta periculosidade, muitos têm recuperação, mas chegamos num alto índice de inimputáveis que acreditam muito na impunidade, e isso chegou a um nível insuportável para sociedade, onde o clamor publico se tornou generalizado – afirmou.

Wladimir Reale, representante da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, chamou atenção para os crimes hediondos cometidos por adolescentes, que provocam verdadeira comoção nacional e levam a população a clamar por punição. Ele é favorável à aprovação da PEC 33/2012 e à atualização do Estatuto da Criança e do Adolescente.

- Mas a nossa posição inicial nem seria exatamente essa discussão de 16, 17 , 18 ou - como consta em projetos que tramitam aqui no Senado - 15 anos. A solução melhor seria deixar que essa matéria fosse sempre discutida no campo infraconstitucional, com mais flexibilidade – defendeu.

Sinase

De acordo com o presidente do Conanda, Fabio Paes, o que deve ser discutido pela sociedade e pelo Congresso não é a redução da maioridade penal, mas sim o conhecimento e aplicação da Lei 12.594/2012, que criou o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). Essa lei regulamenta a forma como o poder público deverá prestar o atendimento especializado aos adolescentes autores de ato infracional. Paes fez um apelo aos senadores para que encampem uma proposta para responsabilizar os gestores estaduais e municipais que não a aplicam, e nem ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

- O Brasil é condenado por relatórios internacionais não porque não tenha leis, mas porque não as aplica – disse.

Também sugeriu a criação de uma subcomissão, em articulação com o Judiciário, os parlamentares, a sociedade civil e especialistas no assunto para fazer, em âmbito nacional, um diagnóstico real sobre o que ocorre com os meninos e meninas submetidos a medidas sócioeducativas. Essa medida também foi defendida por Heloisa Helena Silva, da Fundação Abrinq. Para ela, não é recomendável alterar a Constituição se nem mesmo as leis em vigor, como a do Senade, foram regulamentadas até agora.

Além disso, segundo Heloisa, a solução para a violência praticada pelos adolescentes não está em alterar o tempo de apreensão, mas sim no fortalecimento das políticas públicas de proteção e atenção e, principalmente, na educação. Por isso, ela pediu a rejeição da PEC 241/2016 – que está na Câmara, congela gastos públicos por 20 anos e vai “ferir de morte” o Plano Nacional de Educação ao reduzir recursos.

- Temos que continuar juntos, buscando o envolvimento da sociedade para dizermos não à PEC 33, mas também à PEC 241, que tira dinheiro da educação e das áreas sociais – conclamou a senadora Fátima Bezerra (PT-RN).

A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) sugeriu ainda a criação de uma subcomissão permanente na CCJ para discutir a implantação do Sinase no Brasil e fazer o acompanhamento da política pública.

Inconstitucional

Na opinião do procurador de justiça do Paraná, Olympio de Sá, a PEC em tramitação na CCJ fere direitos constitucionais ao tentar alterar uma cláusula pétrea, a que trata de direitos fundamentais. Além de não poder ser admitida em sua constitucionalidade, a proposta peca no mérito, em sua opinião.

- É o discurso equivocado dos que querem transformar crianças e adolescentes em bodes expiatórios da situação de insegurança que vivemos no país – afirmou.

O representante da Ordem dos Advogados do Brasil, Eric Bezerra, já informou que a entidade acionará o Supremo Tribunal Federal (STF) caso a medida seja aprovada.

- Fica claro perceber que o adolescente brasileiro não precisa de prisões, nem de ser colocado no mesmo patamar de adulto, mas sim de políticas sociais que o coloquem no rumo correto de em sua vida pessoal e profissional – opinou.

A coordenadora do Programa Justiça Sem Muros do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, Raquel da Cruz Lima, afirmou que qualquer proposta que tente reduzir a maioridade penal seria inconstitucional e também desrespeitaria tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança e o Marco Internacional da  Proteção dos Direitos da Criança.

Para ela, é preciso tirar o foco do direito penal e focar a proteção dos direitos da criança e do adolescente na saúde, educação, promoção da participação política e da cidadania.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)