PEC da Revisão dos Fundos: governo quer usar dinheiro para pagar juros da dívida pública

Da Redação | 11/11/2019, 20h14

Usar cerca de R$ 220 bilhões que hoje são destinados a áreas específicas para ajudar a pagar a dívida pública. Esse é o principal argumento do governo na defesa da proposta de emenda constitucional (PEC) da Desvinculação dos Fundos (187/2019). A proposta faz parte do pacote Mais Brasil, entregue pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso na última terça-feira (5), e será relatada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) pelo senador Otto Alencar (PSD-BA).

O dinheiro que a PEC pretende liberar está em 248 fundos públicos infraconstitucionais, ou seja, criados por leis e não previstos pela Constituição. Os fundos concentram recursos em atividades ou projetos de áreas específicas, o que significa “amarrar” receitas a determinadas finalidades. Com isso, segundo o governo, o dinheiro fica “engessado” e muitas vezes acaba parado nos fundos enquanto outras áreas sofrem com a falta de recursos.

A PEC propõe a extinção de todos os fundos infraconstitucionais existentes no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. O prazo para a recriação dessas estruturas será o fim do segundo ano seguinte à promulgação da emenda. Para isso, será necessária a aprovação lei complementar específica pelo Congresso, uma para cada fundo.

O patrimônio acumulado em cada fundo será transferido para o ente federado ao qual estiver vinculado. A regra se aplica a todos os fundos não previstos nas Constituições e Leis Orgânicas de todos os entes federativos.

Dinheiro

Segundo o governo, o superavit decorrente do saldo desses fundos terá que ser usado na amortização da dívida pública. De acordo com o Ministério da Economia, a mudança não vai reduzir o total do endividamento líquido, mas deve permitir uma melhor administração da dívida. O dinheiro vai ser usado para pagar juros, o que hoje não é permitido. Somente em 2018, segundo o ministério, o Brasil gastou R$ 379 bilhões com o pagamento de juros da dívida.

Ao final do ano de promulgação da emenda, todas a leis que destinarem recursos públicos a fundos infraconstitucionais serão revogadas, ou seja: esse dinheiro vai seguir para a conta única do Tesouro. De acordo com a PEC, parte dessas receitas públicas desvinculadas poderá ser usada em projetos e programas voltados à erradicação da pobreza e a investimentos em infraestrutura.

Novas regras

Quando foi promulgada a Constituição de 1988, também havia uma regra para a extinção dos fundos existentes. Na prática a mudança não foi efetivada porque, antes que terminasse o prazo para a extinção, os fundos foram recriados de uma só vez. É por isso que na PEC proposta pelo governo há a exigência de uma lei complementar específica para recriar cada fundo.

A exigência de lei complementar também valerá para a criação de novos fundos, que atualmente pode ser feita por lei ordinária. Com isso, ficará mais difícil instituir novas reservas vinculadas porque o número de votos necessários para aprovar um projeto de lei complementar é maior.

No Senado, por exemplo, é preciso que o projeto de lei complementar seja aprovado por pelo menos 41 senadores (maioria absoluta), em votação nominal, contra a maioria simples (maior número de votos em uma sessão com maioria absoluta dos senadores) para aprovar um projeto de lei ordinária. Além disso, os projetos de lei ordinária podem ser aprovados de forma simbólica. (Clique aqui para saber mais sobre quórum de votações.)

Fundos extintos

Das reservas vinculadas que serão extintas, segundo o governo, grande parte já está inativa. A maioria existe desde antes da Constituição de 1988. Para a equipe econômica, muitas dessas vinculações acabam “congelando prioridades definidas num passado remoto”, que podem não representar mais a necessidade e as prioridades da sociedade brasileira atual.

Entre as reservas que podem acabar, o governo citou o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Profissional Marítimo, o Fundo de Garantia para Promoção da Competitividade e o Fundo Especial de Treinamento e Desenvolvimento. Também se enquadra na regra de extinção o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust).

O relator da PEC, senador Otto Alencar, é autor de proposições que tentam ampliar as finalidades para as quais podem ser destinados recursos do Fust. Em projeto apresentado em 2018, ele lembrou que o fundo já tinha arrecadado mais de R$ 20 bilhões, dos quais apenas R$ 341 mil foram efetivamente destinados para as finalidades previstas na criação.

Indefinição

Os Fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM), o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e o Fundo Nacional de Saúde são exemplos de reservas que não serão extintas com a PEC porque são constitucionais.

A situação de outros fundos é mais complexa porque, apesar de terem sido criados por lei, têm finalidades previstas na Constituição. É o caso do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), destinado ao custeio do Seguro-Desemprego, do Abono Salarial e de programas de desenvolvimento econômico.

Enquanto a PEC não é aprovada, o Congresso analisa vários projetos que propõem a criação de novos fundos. Entre as reservas em análise na Casa estão vinculações para custear Conselhos Tutelares (PL 689/2019), para apoiar a cultura da Palmeira do Babaçu (PL 1.856/2019), para compensar o estado do Maranhão (PL 2.951/2019),  para financiar empresas startups (PL 3.466/2019), para apoiar a Região de Terra Ronca (PLC 33/2018) e para apoiar a Chapada dos Veadeiros (PLC 33/2018).

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)