Previdência dos servidores terá regras mais duras com reforma

Da Redação | 08/05/2019, 13h08

Aproximar ainda mais as regras dos regimes próprios de Previdência dos servidores públicos (RPPS) às regras vigentes no regime geral (RGPS), facilitar futuras mudanças nas regras através da desconstitucionalização, adotar alíquotas progressivas de contribuições ao sistema e aumentar em mais alguns anos o tempo de serviço dos servidores são os pontos-chave para os servidores públicos da chamada nova Previdência (PEC 6/2019).

Com essas medidas, o governo Jair Bolsonaro pretende combater o deficit estrutural que marca o sistema previdenciário nos últimos anos. A proposta está neste momento em análise por uma comissão especial da Câmara dos Deputados.

Desconstitucionalização

Uma das principais diretrizes da PEC é retirar a regulação previdenciária da Constituição, tanto para os trabalhadores da iniciativa privada quanto para os servidores públicos.

Pela proposta, o grosso da legislação nesta área passaria a se dar através de leis complementares, que podem ser aprovadas por quórum e tramitação facilitada no Congresso, quando comparadas a uma PEC. Para o diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, o governo busca com este modelo flexibilizar as regras, visando a necessidade de eventuais futuras reformas.

— Não cabe à IFI posicionar-se se este modelo é positivo ou não, mas a lógica do governo é retirar da Constituição tudo aquilo que sejam regras, formas de cálculo, maneiras de se calcular os benefícios e as idades mínimas para que alguém possa pedir a aposentadoria. Mas porquê adotar este modelo? Para deixá-lo mais flexível, este é o objetivo. Se isto é bom ou ruim, cabe ao Congresso decidir. O lado positivo é que a flexibilização das regras facilita futuras mudanças. O lado negativo, para quem assim avalia, é justamente esta abertura, esta facilidade para que toda a legislação seja modificada de tempos em tempos. Cabe ao Congresso definir se prefere um modelo com maior ou menor flexibilidade neste momento — afirmou Salto em entrevista à Agência Senado.

Combate sindical

A desconstitucionalização já vem sendo fortemente combatida por diversas entidades sociais, sindicatos e parlamentares, tanto nas discussões no Congresso quanto em mobilizações junto à sociedade. Dezenas de sindicatos vêm atuando de forma unificada na comissão especial e já apresentaram emendas encampadas por deputados buscando derrubar a retirada da Constituição.

Uma das entidades que participam desta movimentação é o Sindicato dos Servidores Públicos Federais (Sindsep). O secretário-geral do Sindsep, Oton Pereira, chama a diretriz de “inadmissível”.

— Desconstitucionalizar a legislação da Previdência deixará sempre milhões de servidores totalmente à mercê dos governantes de plantão. Uma simples lei complementar poderá até mesmo acabar com o próprio direito à aposentadoria. Exporá as categorias a uma grande vulnerabilidade estrutural. Mas além disso, avaliamos que o objetivo de fundo do governo é retirar-se do sistema, forçando na prática os servidores a adotarem o regime de capitalização — afirmou.

Disputa na capitalização

A PEC 6/2019 de fato refere-se à adoção de futura legislação complementar tratando de regimes de capitalização, mas ainda sem detalhar como funcionaria o novo sistema. A capitalização baseia-se numa conta particular em que cada servidor ou trabalhador contribui sem a participação governamental e do empregador, como é no regime de repartição hoje em vigor.

A capitalização já vem sendo alvo de intensos debates no Parlamento e na sociedade. Na Câmara, parlamentares da oposição, do Centrão e mesmo alguns da base governista levantam questionamentos quanto ao modelo. É muito citado o caso do Chile, uma vez que o sistema, adotado na década de 1980, com o passar dos anos levou a um achatamento nos valores dos benefícios e pensões. Em sua recente ofensiva publicitária, o governo passou a substituir o termo “capitalização” por “garantia de poupança futura”, procurando contrapor-se ao discurso crítico.

Segundo Felipe Salto, o governo introduz a possibilidade da capitalização na PEC. Ele afirma que a crítica que se pode fazer é que "a coisa é tratada de forma muito genérica", superficial, o governo não esclarece como será implantada. O economista avalia que a capitalização pode ser um complemento visando aprimorar o regime de repartição. Já Oton Pereira, que além de secretário-geral do Sindsep, é servidor público concursado no setor de Administração do Ministério da Saúde, critica a diretriz governamental.

— O governo quer entregar 25% do Orçamento da União pros banqueiros. O capitalismo internacional, e aqui também não é diferente, está vivendo da agiotagem, é esta percepção que os servidores também precisam ter. O sonho de consumo do Paulo Guedes é entregar todo o sistema previdenciário pro mercado financeiro. Mas pelo que acompanho, tem havido uma quebradeira total nas instituições que administram os fundos nos países que adotaram a capitalização. No Chile o governo tem reestatizado algumas instituições e injetado dinheiro para que haja um pagamento mínimo aos contribuintes.

Servidores contribuirão 14 vezes mais

Recentemente, o governo explicitou dados relativos à reforma da Previdência para o RPPS. Estes dados indicam uma economia de R$ 224,5 bilhões no sistema nos próximos dez anos, caso o texto seja aprovado mantendo as diretrizes iniciais. Este mesmo estudo mostra que o impacto per capita no RPPS será 14 vezes superior ao do RGPS.

Parte da economia virá da adoção das alíquotas progressivas. Ainda segundo o governo, os servidores que recebem vencimentos superiores a R$ 10 mil por mês serão os mais afetados. Eles serão responsáveis por R$ 21,3 bilhões do incremento de R$ 27,7 bilhões na arrecadação nos próximos 10 anos.

Hoje os servidores pagam 11% de contribuição sobre os vencimentos, tirando os que optaram pela previdência complementar, sistema no qual os 11% incidem só sobre a parcela equivalente ao teto do RGPS, hoje de R$ 5.839,45. Já os aposentados e pensionistas arcam com 11% sobre a parcela que excede este teto.

Já a PEC 6/2019 aumenta para 14% a taxação sobre servidores, não só os da União, como também os dos estados e municípios. No caso dos aposentados e pensionistas da União, os 14% continuarão incidindo só sobre a parcela que passar do teto do RGPS, até que entre em vigor uma lei complementar. Esta mesma taxação valerá para os ativos até a vigência da referida lei complementar.

Como serão as alíquotas progressivas

A PEC prevê também a diminuição e o aumento em relação aos 14% para os servidores da União, aplicados de forma progressiva, obedecendo a faixas salariais.

No geral, a PEC 6/2019 determina que as alíquotas sobre os servidores serão as mesmas do RGPS até o limite de quem recebe o teto atual do INSS. Daí pra cima, as alíquotas sobem.

Um estudo recente da IFI detalhou que as taxas propostas sobre os servidores variarão efetivamente entre 7,5% a mais de 16,78%, neste último caso pegando quem receber acima do teto constitucional de R$ 39.293,32, como mostra a tabela abaixo.


Quem por exemplo ganhar R$ 10 mil, terá os primeiros R$ 998 taxados em 7,5%; já a parcela entre R$ 998 e R$ 2 mil será taxada em 9%; a parcela entre R$ 2  mil e R$ 3 mil terá uma taxação de 12%, e assim por diante. No final, a alíquota efetiva sobre este servidor será de 12,86%.

Esta alíquota efetiva chega a 16,78% para o servidor que ganhar R$ 39 mil, próximo do teto constitucional. Como o teto pode ser suplantado, a alíquota efetiva supera os 16,78%, por conta da incidência da alíquota de 22% sobre os valores que excederem o teto da Constituição.

A IFI estima que o ganho arrecadatório do governo, próximo a R$ 28 bilhões em 10 anos, é “plausível”. Isso porque os servidores que recebem até R$ 4,5 mil arcarão ao final com uma alíquota efetiva de 11%, idêntica à atual.

Já todos os outros servidores que ganham acima de R$ 4,5 mil por mês sofrerão taxações maiores. E dados do próprio Ministério da Economia apontam que 80% dos servidores ativos e 73% dos aposentados da União recebem mais que R$ 4,5 mil, passando a ser, portanto, mais taxados.

Impacto sobre servidores aposentados

A nova tabela atinge os servidores inativos nos valores que superam o teto do RGPS. Mas como não haverá incidência até o teto, as alíquotas efetivas permanecerão menores que as dos ativos.

Sendo assim, segundo o estudo da IFI, aos R$ 10 mil mensais, a alíquota efetiva estará em 6%; aos R$ 20 mil, em 11,3%; e aos R$ 39 mil, em 15%.

A PEC também deixa claro que, tanto no que tange a servidores ativos quanto aos aposentados e pensionistas, estados e municípios não poderão praticar alíquotas menores que as da União.

A resposta dos sindicatos

A atuação unificada dos sindicatos na comissão especial da Câmara visa derrubar todos os artigos que tratam da contribuição progressiva, tanto os que atingem servidores ativos quanto os inativos.

Alegam que a diretriz é "desnecessária" para suportar os gastos com aposentadoria dos servidores (violação do princípio da proporcionalidade) e possui cunho confiscatório. Citam que o STF definiu na ADI 2010, que a natureza da contribuição previdenciária dos servidores é retributiva, o que coloca a exigência de que a contribuição esteja associada ao respectivo benefício. O aumento das alíquotas visando suprir deficits oriundos do sistema de repartição seria, portanto, no entender destas entidades, inconstitucional.

Deficit atuarial supera R$ 1,2 trilhão

Um paper recente do Ministério da Economia detectou que o deficit atuarial do RPPS da União passa de R$ 1,2 trilhão. Este tipo de medição projeta o fluxo das receitas e despesas dos que são hoje segurados, segundo valores atuais.

Já o deficit financeiro constatado pelo governo em 2018, no RPPS civil (que exclui os militares, incluídos em outra proposta), chegou a R$ 46,5 bilhões. Já nos estados, o somatório dos deficits também superou os R$ 90 bi no ano passado, somadas as 27 unidades da Federação.

Este cenário de deficits crônicos são a base do endurecimento das regras da aposentadoria para o servidor público, presentes na PEC 6/2019.

Este rigor marca presença também nas novas exigências relativas às idades mínimas para as aposentadorias, nos cálculos de benefícios e pensões e na adoção de uma regra de transição mais rígida que as adotadas para o RGPS (esta reportagem não enfoca as aposentadorias especiais, objeto de outra reportagem a ser publicada).

Aumento das idades mínimas

A proposta do governo prevê a aposentadoria dos servidores a partir dos 65 anos de idade, se homens; e aos 62 anos de idade, se mulheres, para os casos gerais (fora das aposentadorias especiais). Mas estes servidores terão que ter também 25 anos de contribuição, 10 anos de serviço público e 5 anos no cargo.

Haverá também a correção automática destas idades mínimas, obedecendo a critério idêntico previsto para o RGPS. Esta correção será feita de acordo com o aumento da sobrevida da população, sendo recalculadas a cada quatro anos.

Os sindicatos já emplacaram uma sugestão de emenda visando derrubar esta correção automática, que será analisada na comissão especial da Câmara. Alegam que se este artigo for aprovado, daqui a 20 anos a idade mínima de aposentadoria será de 72 anos para os homens e 69 anos para as mulheres.

Aposentadorias menores

Os gastos do governo com as aposentadorias dos servidores também deverão cair devido a mudanças na forma de se calcular o valor das mesmas. Neste caso, também igualando as regras ao que é previsto para o RGPS.

O cálculo das aposentadorias será uma média aritmética simples dos salários de contribuição feitos por cada servidor, desde que iniciou seu período contributivo. Sobre esta média será aplicado um percentual de 60%, que subirá 2% no valor dos eventuais benefícios para cada ano a mais de contribuição que passar dos 20 anos.

Sendo assim, caso um servidor tenha 36 anos de contribuição, a aposentadoria equivalerá a 92% da média de seus salários (60% mais 32%).

Regra única de transição

Os servidores terão uma única regra de transição. Segundo este artigo, aprovada a PEC, o servidor não precisa cumprir a idade mínima de 65 anos para homens ou 62 anos para as mulheres.

Ele poderá se aposentar no ano em que a PEC for promulgada, se tiver pelo menos 61 anos de idade (se homem) ou 56 anos (se mulher). Mas isso desde que tenha também 35 anos de contribuição (se homem) ou 30 anos de contribuição (se mulher), além dos 20 anos de serviço público e 5 anos no cargo em que for se aposentar.

Se o servidor não se enquadrar por exemplo nestes requisitos em 2019 (levando-se em conta a possibilidade da PEC ser aprovada ainda este ano), ele poderá então se aposentar em 2020.

Mas neste caso, terá que cumprir também uma outra condição: a soma da idade com o tempo de contribuição exigido subirá um ponto, de 96 (61 mais 35) para 97. Quanto às mulheres, esta soma passará de 86 (56 mais 30) para 87. Esta pontuação ainda subirá um ponto a cada ano, até que chegue a 105 pontos para homens (em 2028) e 100 pontos para as mulheres (em 2033).

Sendo assim, se o servidor tiver 60 anos de idade e 34 anos de contribuição em 2019, ele alcançará as condições de idade e tempo de contribuição em 2020, mas não a pontuação que já terá passado para 97. Já em 2021, com 62 anos de idade e 36 anos de contribuição, alcançará 98 pontos, o número exigido para este ano específico.

Na comissão especial, a atuação unificada das entidades sindicais já conseguiram emplacar sete sugestões de mudanças nos artigos que tratam da idade mínima e regra de transição para os servidores.

Quem são os servidores aposentados

Dados públicos apontam que hoje 680 mil benefícios são concedidos a servidores aposentados no regime civil da União, somando todas as carreiras dos três Poderes.

Ainda segundo o governo, as aposentadorias médias no Poder Legislativo chegam a R$ 26.823, 19 vezes superiores à média do RGPS (R$ 1,4 mil). Já no Poder Judiciário, a média fica em R$ 18 mil; no Ministério Público da União (MPU) fica em R$ 14,6 mil; e no Poder Executivo, em R$ 8,4 mil.

Também entre os pensionistas, os vinculados ao RPPS da União recebem valores muito superiores aos do RGPS, embora os valores nestes casos sejam menores. No Poder Legislativo, a média chega a R$ 21 mil; no Judiciário, a R$ 8,8 mil; no MPU, a R$ 5,4 mil; e no Executivo, a R$ 5,2 mil. O benefício médio das pensões no RGPS é de cerca de R$ 1,3 mil por mês.

O que virá?

Para Felipe Salto, se o governo vencer a batalha e aprovar as novas regras destinadas aos RPPS, os déficits crônicos destes sistemas poderão ser equacionados com o passar dos anos.

Já Oton Pereira deixa claro que as diversas categorias dos servidores continuarão batalhando por alterações profundas na PEC 6/2019, pois temem que ela poderá, ao contrário, levar a Previdência pública à insolvência.

Isto se dará porque, no entender de Pereira, a chamada nova Previdência faz parte de um projeto mais amplo encampado pelo governo federal, que seria voltado ao desmonte do Estado brasileiro. As mudanças profundas a serem patrocinadas neste momento e num futuro próximo levariam, na prática, a quedas nas arrecadações deste sistema, por diminuírem o número de servidores e contribuintes em geral com o passar dos anos, e pelo estabelecimento de regras que os empurrem à adesão de planos privados ou complementares.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)