BPC é um dos pontos polêmicos da reforma da Previdência
Rodrigo Baptista | 09/05/2019, 14h49
Importante programa assistencial de transferência de renda do país, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) é, junto com a aposentadoria rural, um dos pontos da proposta de reforma da Previdência do governo (PEC 6/2019) que enfrentam maior resistência. As mudanças no BPC, vistas com reservas mesmo por parte dos apoiadores da reforma, têm sido alvo de críticas desde a chegada da proposta ao Congresso Nacional e têm grandes chances de serem alteradas pelos parlamentares.
Pela proposta do governo, idosos com renda familiar mensal de até R$ 238 terão de aguardar até os 70 anos para receber integralmente o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Atualmente o benefício, no valor de um salário mínimo (R$ 998), é pago mensalmente às pessoas com deficiência e aos idosos com 65 anos ou mais que comprovem não possuir meios de se sustentar, e nem de ter auxílio da família. A equipe econômica quer criar duas faixas de benefícios para idosos carentes — a partir dos 60 anos, com valor de R$ 400, e a partir dos 70 anos, no valor de um salário mínimo.
O governo estima que as mudanças no BPC garantirão uma economia de R$ 34,8 bilhões em 10 anos. Pelos cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado, o ganho líquido seria menor: R$ 28,7 bilhões. Para o diretor-executivo da IFI, Felipe Salto, o governo precisa explicar como chegou a esse resultado.
— Isso nos surpreendeu bastante. Quando divulgamos os R$ 28,7 bilhões, mostramos o detalhe do cálculo em uma nota técnica com gráficos e tabelas ano a ano. Agora o governo divulgou R$ 34,8 bilhões. É preciso que o governo explique um pouco melhor esses números — ponderou Salto.
Números frios
Independentemente da economia estimada, parlamentares consideram que a “frieza” dos números não pode se sobrepor ao retorno social do BPC.
— Não podemos colocar o peso nos ombros das classes sociais mais frágeis. Com a redução para R$ 400 por mês, o idoso vai ser devolvido para o asilo. Se hoje eles estão na casa de suas famílias, é porque o BPC ajuda a comprar medicamentos, alimentos. Fora que esse valor não significa nem 1% do rombo da Previdência — argumentou a senadora Kátia Abreu (PDT-TO).
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), também considera “sensível” mexer no BPC e avalia que esse ponto da PEC 6/2019 deverá ser revisto por deputados e senadores.
— Sem reforma, o Brasil quebra, mas é natural que a proposta seja aprimorada. O BPC é uma questão muito sensível, assim como [a aposentadoria do] trabalhador rural. Pela leitura que faço, essas duas matérias têm boas chances de serem modificadas ou até mesmo retiradas, porque o BPC não é Previdência, é assistência social — avaliou Bezerra.
Diante da resistência dos parlamentares em relação ao BPC, o ministro da Economia, Paulo Guedes, já admitiu publicamente a possibilidade de tornar a regra apresentada pelo governo opcional. Assim o beneficiário decidiria pelo recebimento de R$ 400 a partir dos 60 anos, ou esperaria os 65 anos para começar já ganhando um salário mínimo. Mas a tendência é que a proposta seja derrubada antes mesmo da análise pelos senadores.
O presidente da comissão especial do Senado Federal criada para acompanhar o andamento da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados, senador Otto Alencar (PSD-BA), crê que as mudanças no BPC têm poucas chances de prosperar.
— É uma falta de sensibilidade dos homens do governo que prepararam essa proposta. O que acontece nos gabinetes e na Avenida Paulista é muito distante da realidade das cidades do interior e das favelas. Tenho conversado com muitos deputados federais e a minha impressão é que a Câmara vai derrubar essa possibilidade de diminuição do valor do BPC — disse o senador.
Pacto social
A regra proposta pelo governo também acrescenta novo critério para aferição da condição de miserabilidade do beneficiário do BPC, que alcança tanto o benefício ao idoso quanto ao deficiente. Além do critério de renda mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo, já previsto atualmente na Lei Orgânica da Assistência Social (Loas — Lei 8.742, de 1993), o patrimônio familiar deve ser inferior a R$ 98 mil, de acordo com a PEC 6/2019.
Outra mudança na PEC trata do cálculo da renda familiar. Pelo texto, o valor da renda mensal recebida a qualquer título (incluindo o BPC) por membro da família do requerente integrará a renda mensal per capita. Hoje o Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de 2003) permite a exclusão de benefícios recebidos por outro membro da família.
A reforma da Previdência prevê ainda a possibilidade de postergar a idade mínima para o BPC à medida que a expectativa de sobrevida média da população brasileira aumenta.
Desalentados
O professor de economia Eduardo Fagnani, da Unicamp, avalia que, ao criar um benefício menor, o governo vai formar uma massa de desalentados, que será empurrada da Previdência para a assistência social. Ele adverte que o texto da proposta não detalha quais as formas de reajuste do BPC.
— Do jeito que está posto, a regra permite congelar o valor do BPC em R$ 400, não há previsão de aumento. Junto com as outras regras que dificultam o acesso à aposentadoria, em 20 ou 30 anos isso vai criar uma massa de desalentados. Sem correção, os R$ 400 serão, em 10 ou 15 anos, o equivalente a R$ 200. O governo quer apenas cortar gastos — criticou.
Fagnani alega que o objetivo da PEC 6/2019 é acabar com a seguridade social conquistada no Brasil com a Constituição de 1988, no período de redemocratização do país. Ele afirma que a PEC 6/2019 desconstitucionaliza diversos direitos previdenciários e permite que futuras propostas de alteração na Previdência sejam feitas com menos esforço por meio de leis complementares e ordinárias e decretos do Executivo.
— O governo tenta provocar terror econômico dizendo que, sem a reforma, o Brasil vai quebrar. A reforma de Bolsonaro não é a PEC 6. A proposta coloca regras de transição para abrir caminho para a verdadeira reforma que vai ser feita por leis complementares e ordinárias — alertou.
A visão do economista é compartilhada pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE). Para ele, o BPC deve ser visto como parte integrante de um sistema de proteção social, e não meramente como um custo.
— Nós temos um sistema solidário, que é uma conquista do povo brasileiro. Acredito que o Estado tem um papel regulador de distribuição de riqueza, e a Previdência e a seguridade social cumprem esse papel — defendeu o senador.
Sobre o Benefício de Prestação Continuada (BPC) |
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Origem |
Criado pela Constituição Federal de 1988 e regido pela Lei 8.742, de 1993 (Lei Orgânica da Assistência Social — Loas), o BPC não é uma política previdenciária, que envolve o pagamento de uma aposentadoria para quem contribuiu ao sistema quando trabalhava, mas uma política de assistência social, destinada a reduzir a pobreza. O benefício começou a ser pago em 1996. |
Quem tem direito? |
Atualmente pode acessar o benefício qualquer brasileiro, nato e naturalizado, e as pessoas de nacionalidade portuguesa, desde que comprovem residência fixa no Brasil e renda mensal per capita (por pessoa da família) inferior a um quarto do salário mínimo (valor menor que R$ 250, hoje).
O benefício, destinado a famílias pobres, não inclui um 13º salário e nem é herdado pelos dependentes na forma de pensão, após a morte de quem o recebia. O BPC não pode ser pago a quem já recebe aposentadoria ou pensão. |
Números |
Em 2018, segundo o Boletim Estatístico da Previdência Social (BEPS), havia 4,65 milhões de beneficiários do BPC, dos quais 44% (2,05 milhões) são idosos acima de 65 anos e 56% (2,60 milhões) são deficientes. A despesa com o BPC, somando as duas modalidades, foi de R$ 56,2 bilhões. |
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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