Pauta feminina avançou no Senado no primeiro semestre

Da Agência Senado | 24/07/2024, 17h15

O primeiro semestre no Senado foi marcado por intensa mobilização da Bancada Feminina e pela análise de projetos voltados à defesa dos direitos das mulheres. No Plenário e nas comissões temáticas, os senadores aprovaram propostas de enfrentamento à violência e redução de desigualdades, entre outros temas.

Um dos projetos aprovados neste ano pelo Senado e que já virou lei garante prioridade à mulher vítima de violência doméstica no atendimento social, psicológico e médico. Sancionada em junho, a Lei 14.887, de 2024, também estabelece prioridade na realização de cirurgia plástica reparadora de sequelas de lesões causadas pelas agressões. A nova norma é originada do PL 2.737/2019, votado em maio pelo Plenário.

Também já foi transformada em lei  a proposta que assegura às mulheres agredidas salas de acolhimento exclusivas nos serviços de saúde conveniados ou próprios do Sistema Único de Saúde (SUS). A Lei 14.847, de 2024, é resultado de um projeto (PL 2.221/2023) aprovado em março pelos senadores.

Outra proposição que avançou no primeiro semestre dá prioridade no Bolsa Família a mulheres vítimas de violência doméstica que estejam sob medida protetiva de urgência. O Projeto de Lei (PL) 3.324/2023, de autoria da senadora Zenaide Maia (PSD-RN), seguiu para a Câmara dos Deputados. 

No fim de junho, foi aprovada pelo Plenário a ampliação dos prazos para conclusão de cursos superiores ou programas de pesquisa e pós-graduação para mães e pais estudantes em razão do nascimento de filho ou adoção. O PL 1.741/2022 estabelece que deverão ser prorrogados, pelo tempo mínimo de 180 dias, os prazos de conclusão de disciplinas, de entrega de trabalhos finais e de sessões de defesa de teses (bancas) e publicações exigidas. O texto, de autoria da deputada Talíria Petrone (PSOL/RJ), aguarda a sanção da Presidência da República.

Foi aprovada ainda a ampliação do período da licença-maternidade e do salário-maternidade em casos de internação hospitalar da mãe ou do recém-nascido por complicações médicas relacionadas ao parto. Apresentado pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF), o PL 386/2023 agora está sendo analisado pelos deputados.

O trabalho legislativo também foi intenso nas comissões permanentes. Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), por exemplo, os senadores acataram proposta que reserva para mulheres 30% das vagas de membros titulares em conselhos de administração de estatais (PL 1.246/2021). De iniciativa da deputada Tábata Amaral (PSB-SP) e relatado pela senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO), o projeto prevê a adoção gradual da cota ao longo de três anos. Mulheres deverão ocupar, no mínimo, 10% das vagas no primeiro ano, 20% no segundo e, finalmente, 30% no terceiro. O texto agora aguarda a votação no Plenário.

A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) aprovou no início deste mês um projeto que proíbe critérios discriminatórios contra estudantes e pesquisadores por motivo de gestação, parto, nascimento de filho ou adoção, nos processos de seleção para bolsas de estudo e pesquisa das instituições de educação superior e das agências de fomento à pesquisa. O PL 475/2024, da deputada Erika Hilton (PSOL-SP), recebeu parecer favorável da senadora Janaína Farias (PT-CE) e seguiu para a Comissão de Educação e Cultura (CE). O texto também considera critério discriminatório a realização de perguntas de natureza pessoal sobre planejamento familiar em entrevistas nos  processos de seleção.

Já a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) acatou de forma terminativa, entre outras propostas, a que cria o Dia Nacional de Conscientização sobre a Depressão Pós-parto (PL 5.133/2023). De acordo com o texto, a data será celebrada anualmente na primeira quarta-feira do mês de maio. O projeto, de autoria da senadora Leila Barros (PDT-DF), foi enviado para a análise da Câmara dos Deputados. 

Líder da Bancada Feminina do Senado, Leila destacou em Plenário o empenho e a articulação do grupo na proposição e análise de projetos em defesa da mulher. Composta por 15 senadoras, a Bancada Feminina é uma das maiores e mais atuantes da Casa. 

— Vamos trabalhar muito. Somos 15 guerreiras. Somos uma bancada que preza muito pelo respeito e pelo diálogo — declarou a parlamentar em pronunciamento.

A senadora também é autora de proposta que caracteriza como crime as diversas formas de violência doméstica e familiar contra a mulher no ambiente virtual. O PL 116/2020 tramita na CCJ.

Projeto sobre aborto

Um tema que causou polêmica neste primeiro semestre foi o PL 1.904/2024, do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). A proposta equipara aborto de gestação acima de 22 semanas a homicídio. Em análise na Câmara, o projeto chegou a ter regime de urgência aprovado pelos deputados, mas foi retirado de pauta depois de intensa pressão popular.

Em discurso no Plenário no dia 18 de junho, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco,  classificou a proposta como "uma irracionalidade". O senador disse que levará em consideração a posição da Bancada Feminina do Senado sobre o tema e que, caso o projeto chegue à Casa, será distribuído para a análise de comissões, sem urgência.

— Já me antecipei, dado o tema sobre o qual ele versa (aborto, gravidez decorrente de estupro), que isso evidentemente jamais viria, na hipótese de aprovação pela Câmara dos Deputados, diretamente ao Plenário do Senado Federal — adiantou.

Mobilização contra a violência

No início do mês passado, a Bancada Feminina divulgou uma nota em solidariedade à farmacêutica cearense Maria da Penha, que vem sofrendo ameaças nas redes sociais de grupos extremistas que disseminam ódio contra mulheres por meio da internet. A manifestação foi assinada pela líder da bancada, senadora Leila Barros, que lembrou a trajetória de Maria da Penha. A farmacêutica usa cadeira de rodas após ter ficado paraplégica em 1983 ao sofrer tentativa de feminicídio, quando foi atingida na coluna vertebral por um tiro disparado pelo então marido. Maria da Penha passou a ser ativista dos direitos das mulheres e dá nome à Lei Federal 11.340, de 2006, que estipula punição adequada e coíbe atos de violência doméstica contra a mulher.

Ao discursar no Plenário no dia 10 de julho, a senadora Zenaide Maia, procuradora especial da Mulher no Senado, chamou a atenção para os crimes de violência contra as mulheres. A parlamentar repudiou o caso de um desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná que afirmou, durante julgamento do caso de uma menina de 12 anos assediada por um professor, que "as mulheres estão loucas atrás de homens". Zenaide pediu que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) investigue a situação com rigor.

— Apesar das conquistas significativas alcançadas nos últimos tempos, como o avanço da legislação contra a violência doméstica e a ampliação da participação feminina na política e no mercado de trabalho, declarações de agentes públicos poderosos, em várias situações, repetidas cotidianamente, evidenciam a necessidade urgente de mais educação, conscientização e punição para combater o machismo e a misoginia — declarou Zenaide.

Atuação internacional

Em pronunciamento no Plenário no início do mês, Leila Barros celebrou a participação da Bancada Feminina do Senado na 1ª Reunião das Mulheres Parlamentares do P20 — fórum que reúne parlamentares dos países do G20, com o objetivo de contribuir para os debates sobre questões globais, integrando o Poder Legislativo ao funcionamento do sistema internacional e assegurando a aplicação de acordos nos países-membros. O evento, promovido em Maceió (AL) nos dias 1º e 2 de julho, também contou com a presença das senadoras Professora Dorinha Seabra e Soraya Thronicke (Podemos-MS). 

— O evento de Maceió foi inédito ao reunir mulheres parlamentares das mais variadas nações para discutir três temas principais. Primeiro, o papel das mulheres na justiça climática e na sustentabilidade ambiental. Segundo, a ampliação da participação política das mulheres em espaços de poder. E terceiro, a promoção da igualdade de gênero e autonomia econômica das mulheres — disse Leila. 

Mapa da Violência de Gênero

Em junho, uma iniciativa do Senado voltada às questões de gênero foi reconhecida em uma premiação internacional. O Mapa Nacional da Violência de Gênero, plataforma interativa que reúne os principais dados públicos e indicadores sobre violência contra mulheres no Brasil, foi premiado pelo Qlik Global Transformation Award na categoria Impacto Global. O projeto é resultado de parceria entre o Senado Federal (por meio do Observatório da Mulher contra a Violência e do Instituto DataSenado), o Instituto Avon e a organização de jornalismo de dados Gênero e Número. 

A premiação ocorreu em Orlando, na Flórida, no Qlik Connect 2024, conferência anual que tem o objetivo de identificar e promover avanços na área de ciência e inteligência de dados. A Qlik é uma empresa global que atua na área de integração de dados, analytics e inteligência artificial (IA).

Os dados do Mapa e da 10ª edição da Pesquisa Nacional da Violência contra a Mulher (elaborada pelo Instituto DataSenado e pelo Observatório da Mulher contra a Violência) foram apresentados e debatidos em audiência pública da Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher (CMCVM), em fevereiro. O estudo revelou que quase um terço das mulheres brasileiras já sofreu algum tipo de violência doméstica ou familiar, e 74% acreditam que o problema aumentou nos últimos meses. 

Banco vermelho

Um banco vermelho gigante ficou instalado no Senado por quatro dias no mês de maio. No banco, frases que incentivavam uma reflexão sobre a violência contra a mulher. Na inauguração do banco de grandes proporções (2,34 metros de altura por 4 metros de largura), a procuradora da Mulher do Senado, senadora Zenaide Maia, lembrou que 1.463 mulheres foram mortas por feminicídio em 2023, dado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

— Tem países em guerras civis que matam menos gente do que essas mulheres morrendo por motivos fúteis. A origem desse mal está na cultura arraigada em nossas famílias, onde o homem pensa que tem domínio sobre a mulher. Por isso precisamos, sim, de bancos vermelhos, de leis, e temos, sim, que fazer parte da política — conclamou a senadora.

Um banco também vermelho, de tamanho normal, está instalado no estacionamento do Senado. A instalação é uma previsão do PL 147/2014, já aprovado no Congresso e enviado à sanção. Pelo projeto, praças e outras áreas públicas de municípios brasileiros poderão contar com bancos vermelhos carregados de mensagens de reflexão e informações sobre canais de ajuda e denúncia sobre feminicídio.

— As estatísticas de violência contra a mulher no Brasil são assustadoras. O projeto tem o potencial de complementar as medidas existentes e ainda oferece mais frentes de atuação para a campanha de conscientização e prevenção da violência contra a mulher — afirmou a relatora do projeto, senadora Jussara Lima (PSD-PI), quando a matéria foi aprovada na CE, há duas semanas. 

Senadores

Mas não foram apenas as senadoras que tiveram iniciativas voltadas às pautas femininas. Vários senadores também se posicionaram contra a violência de gênero e apresentaram propostas para garantir mais proteção às mulheres. É o caso do senador Nelsinho Trad (PSD-MS), autor do projeto que sugere a suspensão do pagamento de salários de agentes públicos, incluindo a classe política, enquanto estiverem sendo investigados por violência doméstica e familiar (PL 994/2024). A matéria está em análise na Comissão de Direitos Humanos.

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) relatou um projeto, aprovado em maio na CAS, que inclui o monitoramento eletrônico entre as medidas protetivas de urgência nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher (PL 2.748/2021). A matéria seguiu para o exame da CCJ.

No Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial, comemorado no dia 3 de julho, o senador Fabiano Contarato (PT-ES) defendeu mais conscientização e ações contra o racismo. Em pronunciamento no Plenário, Contarato se solidarizou com a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), que denunciou ter sofrido um ataque racista na Câmara dos Deputados. O senador fez um apelo por mais justiça e igualdade, denunciando o racismo estrutural persistente no Brasil. O parlamentar enfatizou que, na opinião dele, o país ainda julga as pessoas pela cor da pele e criminaliza a pobreza.

— Eu sonho com o dia em que eu não vou ser julgado por minha orientação sexual. Eu sonho com o dia em que meus filhos não vão ser julgados por serem pretos ou que a mulher não vai ser julgada por ser mulher ou um homem por ser idoso. Esse dia não chegou. Mas eu estarei aqui bradando, gritando, para falar que eu não compactuo com o Estado democrático que criminaliza a cor da pele — registrou o senador em seu discurso.

Contarato também é autor do PL 1.822/2019, aprovado no Senado em abril do ano passado. O projeto deu origem à lei, sancionada em maio pelo presidente Lula, que assegura o sigilo do nome das vítimas em processos judiciais relacionados a crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher (Lei 14.857, de 2024). 

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)