Senado aprova em primeiro turno o ‘orçamento de guerra’ contra coronavírus

Da Redação | 15/04/2020, 20h09 - ATUALIZADO EM 16/04/2020, 16h55

O Plenário do Senado aprovou nesta quarta-feira (15) em primeiro turno, por 58 votos a 21, o substitutivo do senador Antonio Anastasia (PSD-MG) à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 10/2020, que facilita os gastos do governo para o combate à pandemia de coronavírus. A proposta, que ficou conhecida como “PEC do Orçamento de Guerra”, institui um regime extraordinário financeiro e de contratações para facilitar a execução dos gastos relacionados às medidas emergenciais.

Se aprovada em segundo turno, por ter várias modificações, a PEC terá que voltar para a Câmara dos Deputados, onde se originou. Se a Câmara então aceitar o substitutivo, o texto poderá ser promulgado. Caso ela rejeite as mudanças, será preciso uma nova análise por parte do Senado.

O regime especial criado pela PEC permite processos simplificados para compras, obras e contratações de serviços e de pessoal temporário. As ações pontuais do governo para combate à pandemia não precisarão seguir as limitações legais contra a expansão de despesas ou a renúncia de receitas. Essas ações deverão ser discriminadas em uma programação orçamentária específica.

O Executivo também ficará dispensado de cumprir a chamada “regra de ouro” da Constituição, que permite a emissão de títulos da dívida pública apenas para financiar despesas de capital (como investimentos). Com a PEC, o governo poderá aumentar o seu endividamento para pagar salários, benefícios previdenciários, manutenção da máquina pública e outras despesas correntes.

Entre essas despesas estão incluídos os juros e encargos da própria dívida pública. Atualmente, o refinanciamento da dívida se dá com a emissão de títulos pelo Tesouro Nacional para pagamento apenas do valor principal, acrescido da atualização monetária. A permissão se trata de uma espécie de desvinculação de recursos para facilitar a gestão da dívida pública durante o período de calamidade pública.

Em contrapartida, o texto exige do Ministério da Economia a publicação, a cada 30 dias, de relatório contendo os valores e o custo das operações de crédito realizadas no período de vigência do estado de calamidade pública. As ações também deverão ser destacadas na programação orçamentária, na prestação de contas anual da Presidência da República e no Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO).

Outra excepcionalidade introduzida pelo regime extraordinário é a suspensão da exigência de que empresas estejam em dia com a Previdência Social de seus empregados para poderem receber benefícios e incentivos fiscais. A medida visa dar fôlego financeiro às empresas com a concessão de crédito em condições favoráveis para pagamento da folha de salários dos empregados. Porém, essas empresas — e todas as outras que venham a receber benefícios tributários, creditícios e financeiros durante a crise — precisarão assumir o compromisso de preservar empregos

O Congresso poderá suspender qualquer decisão do Executivo, realizada dentro do âmbito da PEC, que for considerada irregular ou que extrapole os limites autorizados. A ferramenta para isso será um decreto legislativo, que deve ser votado pela Câmara e pelo Senado.

As regras especiais terão vigência até o fim do estado de calamidade pública, previsto por decreto para 31 de dezembro deste ano. Serão convalidados os atos de gestão praticados nos termos da PEC desde 20 de março — data em que o Congresso Nacional aprovou o início do estado de calamidade.

Banco Central

Além do “orçamento de guerra”, o texto abre caminho para que o Banco Central negocie mais amplamente títulos públicos e privados, com os objetivos de garantir liquidez a empresas e interferir na curva de juros de longo prazo.

A PEC autoriza o BC a comprar e vender títulos privados de algumas categorias no mercado secundário — ou seja, ele não poderá adquirir títulos diretamente com as empresas que os emitem, mas poderá comprá-los de outros atores que já os tenham, como bancos e fundos de investimentos. Atualmente, o Banco não pode negociar títulos privados.

Esses títulos deverão ter classificação de risco mínimo, atribuída por agência de prestígio, e preço de referência publicado no mercado financeiro. O BC deverá privilegiar títulos de micro, pequenas e médias empresas.

No caso dos títulos públicos, o Banco Central poderá mirar papéis específicos, também no mercado secundário (ou seja, não poderá comprá-los diretamente do Tesouro Nacional). Hoje, o BC só pode ofertar ou adquirir títulos como instrumento de controle do volume de moeda em circulação. Se quiser retirar dinheiro do mercado, toma empréstimos das instituições financeiras e apresenta carteiras de títulos como garantia. Se quiser injetar, a operação é inversa: o BC libera os recursos e recebe carteiras em troca.

Todas as operações deverão ser publicizadas diariamente, com detalhes como valores, prazos e condições financeiras. Além disso, a cada 30 dias o presidente do BC deverá prestar contas ao Congresso do conjunto de operações realizadas nesse período.

O Banco Central poderá comprar títulos nos moldes autorizados pela PEC até a data do fim do estado de calamidade, mas a venda de títulos comprados poderá acontecer inclusive depois desse prazo, se isso significar um ganho de interesse público.

Os bancos que venderem títulos ao Banco Central não poderão utilizar os recursos obtidos para distribuição de lucros e dividendos ou para aumentar a remuneração de seus diretores.

As novas normas para o BC seriam complementadas por uma regra publicada na Medida Provisória (MP) 930/2020, segundo a qual, durante o período da pandemia, os diretores e servidores do órgão não seriam responsabilizados pelos atos praticados no exercício das funções — exceto em casos de fraude, dolo ou infração criminal. No entanto, essa isenção foi revogada pela MP 951/2020, publicada também nesta quarta-feira.

Alterações e críticas

O “orçamento de guerra” chegou ao Senado sob críticas. Parlamentares questionaram a necessidade de dar um “cheque em branco” ao governo federal, considerando que a decretação do estado de calamidade já abre as exceções necessárias para gastos federais. Além disso, os dispositivos que dão mais poderes para o Banco Central foram apontados como temerários, pois permitiriam que a instituição incorporasse títulos de alto risco.

O relator da PEC no Senado, Antonio Anastasia, levou essas críticas em consideração para elaborar um substitutivo bastante diferente do texto original, acatando 27 das 61 emendas apresentadas pelos colegas. Entre as principais mudanças, Anastasia aumentou os mecanismos de prestação de contas, pelo governo, das ações realizadas dentro do regime excepcional. O senador também promoveu mudanças nas autorizações ao Banco Central, restringindo os tipos de títulos privados que podem ser negociados e exigindo um grau de risco certificado para os papéis. Anastasia retirou, ainda, a regra que exigia participação do Tesouro Nacional em todas as operações.

A PEC original previa a criação de um Comitê de Gestão de Crise, que coordenaria todas as ações contidas no “orçamento de guerra”. Anastasia removeu esse ponto, argumentando que esse órgão poderia invadir competências de órgãos federais envolvidos no combate à crise e provocar conflitos federativos e institucionais. Para ele, o presidente da República já tem a competência constitucional para coordenar as ações do Poder Executivo.

Durante a votação, Anastasia abordou também duas emendas que não foram incorporadas ao seu substitutivo e que estavam destacadas para votação em separado. Os senadores Rogério Carvalho (PT-SE) e Eliziane Gama (Cidadania-MA) queriam que as empresas beneficiadas pela compra de seu títulos tivessem que assumir o compromisso de preservar empregos. Anastasia propôs fazer essa exigência a todas as empresas recipientes de benefícios creditícios, tributários e financeiros durante a crise, com critérios a serem estabelecidos pela regulamentação de cada programa. Os senadores concordaram e retiraram os seus destaques.

Mesmo com o novo formato da PEC, o texto continuou alvo de críticas no tocante aos dispositivos para o Banco Central. Os senadores Weverton (PDT-MA), Telmário Mota (PROS-RR), Major Olimpio (PSL-SP) e Mecias de Jesus (Republicanos-RR) declararam votos contrários à proposta, afirmando que a PEC é direcionada ao mercado financeiro.

Mudança constitucional

Durante a semana, senadores questionaram a conveniência de se aprovar uma emenda à Constituição Federal numa sessão remota, sem a possibilidade de discussões presenciais. O assunto voltou à tona nesta quarta-feira. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, comentou essa preocupação e avaliou que a situação de pandemia exige que o Legislativo adapte as suas práticas.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) chegou a acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) contra a tramitação da PEC, através de um mandado de segurança. O pedido foi indeferido nesta terça-feira (13) pelo ministro Ricardo Lewandowski, que alegou que o assunto é de competência interna do Legislativo.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)