CPIs em 2019 abordaram Brumadinho e fake news

Da Redação | 26/12/2019, 12h56

Três comissões parlamentares de inquérito (CPIs) movimentaram o Senado durante o ano de 2019. As CPIs de Brumadinho (já encerrada) e das Fake News (uma CPI mista, ainda em andamento) trouxeram depoimentos e audiências públicas para investigar um dos maiores desastres ambientais da história do país e o fenômeno da proliferação de notícias falsas na internet.

A terceira CPI que se destacou não chegou a entrar em funcionamento: a tentativa de estabelecer investigação sobre a conduta de ministros dos tribunais superiores foi objeto de três listas de assinaturas e de discussões abertas, mas acabou não resultando na instalação de uma comissão.

Tragédia em Minas

A primeira CPI a realizar atividades no ano foi a que tratou do desastre de Brumadinho (MG). Em 25 de janeiro, o rompimento de uma barragem de rejeitos de minério da Vale S.A. no município mineiro provocou um deslizamento que matou 256 pessoas (ainda há 14 desaparecidas). A partir de requerimento do senador Carlos Viana (PSD-MG), o Senado se propôs a investigar as causas do desastre e revisar a legislação sobre segurança de barragens no país.

A CPI de Brumadinho funcionou por quatro meses. Nesse período, ouviu executivos da Vale, autoridades públicas e especialistas e fez viagens para visitar instalações de mineração. No fim, em julho, Viana apresentou um relatório que pedia o indiciamento de 14 pessoas por homicídio, lesão corporal e crimes ambientais. Também foram indiciadas a Vale e a Tüv Süd, empresa de consultoria que atestou a segurança da barragem antes do rompimento.

Para o senador, porém, a principal realização não foram as denúncias, mas a elaboração de projetos de lei para preencher lacunas que a comissão identificou.

— O grande legado da CPI foi mostrar claramente como o Brasil precisa de uma legislação mais firme quando falamos em grandes investimentos com impacto ambiental — afirma ele.

Um dos resultados do trabalho foi o PL 3.915/2019, que tipifica o crime de desastre ecológico, com pena de até oito anos de reclusão e que pode ser elevada caso o acontecimento resulte em mortes. O texto já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e agora espera deliberação do Plenário.

Outras duas propostas apresentadas pela CPI ainda dependem de relatórios para serem votadas. O PL 3.913/2019 estabelece regras mais rígidas para a fiscalização de barragens e o PL 3.914/2019 institui maior tributação sobre as minas com grande volume de produção.

— Enfrentamos o lobby e a resistência de um setor que é muito importante e usa isso como chantagem. Ganham muito dinheiro em nosso país e tem que haver uma contrapartida — defende Viana.

Notícias falsas

No segundo semestre, com o encerramento da CPI de Brumadinho, uma nova comissão de inquérito dominou as atenções dos parlamentares. Em agosto foi instalada a CPI mista (com deputados e senadores) para investigar a disseminação de notícias falsas em redes sociais e o assédio virtual — a CPI das Fake News.

O colegiado conviveu às voltas com turbulências políticas desde a sua instalação. A base do governo acusa a oposição de ter convertido a CPI um instrumento de retaliações contra o Executivo.

A relatora da comissão, deputada Lídice da Mata (PSB-BA), rechaça essa preocupação e defende o caráter técnico da investigação. Ela destacou que a maioria das pessoas ouvidas nos primeiros meses de trabalho foram dedicadas a ouvir especialistas em direito, tecnologia, comunicação e segurança. Das 12 audiências promovidas pela CPI, 7 foram dedicadas a especialistas e profissionais das áreas, num total de 23 pessoas ouvidas.

— Era muito importante aprofundar a definição do que é fake news. Grande parte do que se pratica nas redes é crime de ódio, difamação, calúnia, mas não necessariamente feito com as ferramentas de disseminação. Vamos ter que introduzir esse conceito no relatório.

As outras cinco audiências receberam pessoas ligadas à política. Os deputados Alexandre Frota (PSDB-SP) e Joice Hasselmann (PSL-SP), rompidos com o governo, relataram ataques virtuais de que foram vítimas e acusaram a participação de funcionários da Presidência. O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, falou sobre a existência de “gangues virtuais”, mas não implicou ninguém. O empresário Paulo Marinho, primeiro-suplente do senador Flávio Bolsonaro (PSL-SP), explicou as atividades realizadas em sua casa durante a campanha eleitoral de 2018. O jornalista Allan dos Santos, acusado de promover ataques virtuais, defendeu o seu direito à liberdade de opinião e de imprensa.

Para 2020, a comissão já tem garantida a aprovação de requerimentos que convocam para depoimento os funcionários do governo citados. Também foram chamados os representantes de sites de relacionamento e de empresas de marketing digital. Um ponto delicado da campanha eleitoral de 2018 foi o uso da alavancagem automática de mensagens através de redes sociais e de aplicativos de bate-papo.

Lídice da Mata explica que quer avaliar formas de verificar a responsabilidade das empresas e de regular a prática da distribuição direcionada mediante pagamento. Para ela, quando as mensagens impulsionadas são informações inverídicas e não há nenhum tipo de filtro, isso significa que as ferramentas virtuais estão sendo usadas para fins escusos.

— Quando [as empresas e sites] admitiram o impulsionamento econômico, passaram a ter um contrato [com o usuário]. O conteúdo com o qual elas estão ganhando dinheiro é correto ou é falso? Qual é o objetivo?

A CPI deve se debruçar ainda sobre a questão do cyberbullying e já adiantou convites e personalidades culturais e midiáticas que foram alvo dessas práticas. Também está no radar a investigação de notícias falsas em áreas diversas da política, como a saúde.

Lídice não prevê data para a entrega do relatório, mas a comissão tem prazo de funcionamento até o mês de abril. A expectativa é que o texto proponha medidas legais para incrementar a atenção sobre crimes cibernéticos no Código Penal.

O presidente da comissão, senador Angelo Coronel (PSD-BA), prevê um “trabalho hercúleo” à frente, mas se diz otimista com a perspectiva de estabelecer mais proteções “às famílias e às instituições”.

— Vamos punir os que usam as redes sociais para depreciar os seus alvos. Elas não foram criadas para servir de instrumento para difamar e atacar. Nosso legado serão legislações duras para conter o ímpeto dos criminosos digitais.

Tribunais superiores

Além das CPIs efetivamente instaladas, o ano de 2019 foi marcado também por uma que não aconteceu, apesar de três coletas de assinaturas suficientes para a sua criação. A CPI dos Tribunais Superiores, iniciativa do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), não chegou a sair do papel, mas gerou debates no Senado durante vários meses.

A CPI foi concebida logo no início do ano. A ideia de Alessandro era investigar a atuação de ministros dos tribunais superiores, com atenção especial em fatos como o uso abusivo de ferramentas processuais, como pedidos de vista e liminares, para retardar ou inviabilizar decisões; a atuação em casos nos quais deveria haver impedimento; o excesso de votos contraditórios para casos idênticos; e a participação em atividades econômicas incompatíveis com a Lei Orgânica da Magistratura.

A primeira tentativa de criar a CPI, em fevereiro, esbarrou na retirada da assinatura de apoio do senador Eduardo Gomes (MDB-TO), no dia seguinte à entrega do requerimento. Isso deixou o pedido com apenas 26 assinaturas, uma a menos do que mínimo necessário.

Em março, Alessandro Vieira voltou a coletar apoios e conseguiu 29 nomes. O documento se manteve e foi objeto de um debate em Plenário no qual o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, avaliou que a CPI não seria oportuna.

— Estamos vivendo um momento delicado da história nacional. As instituições precisam estar fortalecidas, e a independência e harmonia [entre os Poderes] têm que prevalecer — defendeu Davi.

Alessandro rebateu dizendo que as CPIs são instrumentos legítimos para cumprir a tarefa de fiscalização que o Congresso tem. Ele destacou que o cumprimento do quórum de assinaturas é suficiente para garantir a criação de uma.

— A instalação [da CPI] se impõe. Se você tem o número [de assinaturas] e o fato, ela não depende do juízo de valor do presidente. Basta que se configurem os requisitos. Nós temos certeza que fizemos isso.

O pedido da CPI acabou arquivado por Davi na semana seguinte, com o argumento de que algumas das condutas de magistrados apontadas pelo requerimento seriam decisões próprias da atividade do Judiciário, que não poderiam sofrer interferência do Legislativo. Por causa disso, a CPI poderia ser alvo de contestações judiciais. A decisão foi embasada em pareceres emitidos pela Consultoria Legislativa e pela Advocacia do Senado.

Na ocasião, Davi recorreu da própria decisão ao Plenário do Senado, que pode decidir derrubá-la e instalar a CPI. No entanto, não há prazo para que essa deliberação aconteça, e ela continua pendente.

Alessandro Vieira empreendeu uma terceira tentativa em agosto e chegou a recolher as 27 assinaturas necessárias, mas não protocolou um requerimento naquele momento. Ele já antecipou que fará novo pedido no início do próximo ano.

Apesar do insucesso em instalar a CPI em 2019, o senador considera que o esforço serviu para demonstrar que há interesse dos senadores e apoio da sociedade. Segundo ele, a única coisa que impediu o avanço da pauta foram “artimanhas regimentais” e pressões externas, tanto do Judiciário quando do Executivo.

— Quando começamos essa caminhada, todos imaginavam que era absolutamente impossível construir o cenário político em que se possa finalmente investigar a cúpula do Judiciário. Nesse sentido, fomos bem-sucedidos.

Alguns dos fatos elencados pelo senador como motivadores de uma comissão de inquérito foram abordados pelo Senado ao longo do ano. Limitações aos pedidos de vista, à morosidade de processos e à atuação considerada abusiva dos juízes estão no texto do projeto conhecido como Dez Medidas Contra a Corrupção (PLC 27/2017), aprovado no final de junho. O projeto ainda espera nova análise da Câmara para ser sancionado.

Novas CPIs

A mais nova adição ao rol de CPIs do Senado é a que trata da situação dos familiares das vítimas do acidente aéreo da Chapecoense, ocorrido em 2016. Ela foi instalada no início de dezembro e vai investigar por que as famílias dos 64 mortos não estão recebendo as devidas indenizações. O relator da CPI, senador Izalci Lucas (PSDB-DF), mencionou que um dos possíveis rumos de ação será revisar a legislação para a atividade de companhias seguradoras no país.

Também pode entrar em operação a CPI do Desmatamento, proposta pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM) para investigar o aumento dos índices de desmatamento e de focos de queimada na Amazônia Legal entre 2018 e 2019. Ela recebeu apoio de 31 senadores e aguarda instalação.

Está pendente de decisão, ainda, a CPI das Confederações Esportivas, proposta pelo senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) para apurar denúncias de corrupção entre dirigentes. Kajuru afirmou que colheu mais de 40 assinaturas, mas ainda não oficializou o pedido. Ele disse que espera sinalização de Davi Alcolumbre de que fará a leitura do requerimento assim que recebê-lo.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)