Projeto de lei para regulamentação dos direitos do trabalhador doméstico, já aprovado no Senado e em análise na Câmara, reafirma proibição de empregar crianças e adolescentes menores de 18 anos na atividade. Relatório da OIT divulgado ontem mostra avanços no enfrentamento do problema, mas indica que países não conseguirão cumprir metas acordadas

Tatiana Beltrão

Mais de 168 milhões de crianças e adolescentes estão em situação de trabalho infantil no mundo, revela o mais recente relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), divulgado ontem. Desses, pelo menos 11,5 milhões atuam no trabalho infantil doméstico.

No Brasil, desde 2008 o trabalho doméstico é proibido a menores de 18 anos por ser classificado entre as piores formas de trabalho infantil (veja quadro). No entanto, o número de jovens nessa atividade (meninas, em sua quase totalidade) é estimado em 258 mil — cerca de 7% dos 3,7 milhões de crianças e adolescentes envolvidos em trabalho infantil no país.

O enfrentamento do problema é complexo. Além da pobreza que empurra ao trabalho precoce, da dificuldade de fiscalização (já que a violação se dá no ambiente domiciliar, oculta da visão pública) e da questão cultural (muitos acreditam estar “ajudando” a criança), há desinformação. Especialistas apontam que falta conscientização da sociedade sobre o Decreto 6.481, de 2008, que proíbe o emprego de menores de 18 anos em serviço doméstico.

Um projeto de lei aprovado em julho no Senado e em análise na Câmara promete contribuir para essa conscientização. Ao tratar da regulamentação dos direitos dos trabalhadores domésticos (garantidos pela Emenda Constitucional 72, promulgada pelo Congresso em abril), o PLS 224/2013 explicita, já no artigo 1º, que “é vedada a contratação de menor de 18 anos para desempenho de trabalho doméstico”.

Para o relator da proposta, Romero Jucá (PMDB-RR), a inclusão da proibição no texto amplia o conhecimento sobre a lei.

— A regulamentação que estamos votando vai virar uma espécie de estatuto do serviço doméstico. Vai se tornar muito conhecida, a ela vai ser dada muita publicidade. Então, as pessoas vão tomar conhecimento.

No entanto, o reforço à proibição não foi ponto pacífico durante a elaboração do PLS 224 pela comissão mista de consolidação de leis e de dispositivos constitucionais — apesar de o Brasil ser signatário de convenção internacional sobre o tema e ter, por meio do Decreto 6.481, incluído o trabalho doméstico entre as piores formas de trabalho infantil. Alguns parlamentares propuseram baixar a idade mínima para 16 anos ou permitir a contratação de menor aprendiz na atividade.

Para impedir o que consideravam um retrocesso, organizações ligadas aos direitos da infância, entidades de ­membros do Poder Judiciário e representantes do governo federal vieram ao Congresso reafirmar aos parlamentares a necessidade de manter a ­proibição.

— Houve esse debate na comissão, mas entendi que, ao manter criança ou adolescente no trabalho doméstico, você tira dela as chances de estudar, de progredir. Resolvi optar pela solução mais decisiva, que é a proibição da contratação de menores, honrando a posição do governo perante o acordo internacional — conta Jucá.

Relatora, no Senado, da PEC das Domésticas, a senadora Lídice da Mata (PSB-BA) também acredita que a proposta de regulamentação vai ajudar na proteção das crianças. Ela ressalta o papel de perpetuação da pobreza que tem o trabalho precoce em detrimento da educação e adverte que as crianças e adolescentes na atividade não têm direito algum.

— Elas trabalham sem carteira assinada, muitas vezes sem remuneração e em condições de semiescravidão — afirma.


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