Ajuste fiscal deve marcar a relação entre Congresso e novo presidente

Da Redação | 04/10/2018, 11h10

O próximo presidente da República tem um desafio bilionário para enfrentar a partir de 1º de janeiro de 2019: garantir o equilíbrio das contas públicas. Analistas avaliam que o futuro chefe do Poder Executivo pode ter dificuldades para negociar um pacote de ajuste fiscal com o Congresso.

A União deve encerrar 2018 com um deficit de até R$ 159 bilhões. Um dos instrumentos criados para tentar conter o crescimento das despesas é a Emenda Constitucional 95 (EC 95), que institui um teto para os gastos públicos. Promulgada em dezembro de 2016, a proposta foi enviada ao Congresso pelo presidente Michel Temer. Mas os candidatos à Presidência da República adotam posições divergentes quanto à manutenção do teto.

O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, entende que a EC 95 “explicita o problema” do deficit. Mas reconhece que, sozinho, o instrumento não é suficiente para “resolver a questão”. Para o economista, a agenda fiscal será “o ponto central” do próximo governo. Mas o caminho que o Brasil vai adotar para garantir o equilíbrio das contas vai depender de muita negociação entre os Poderes Executivo e Legislativo.

— Esse é o “passo zero” para que o país possa recuperar o crescimento econômico. Precisaremos de uma combinação de medidas. Não tem combinação mágica que resolva. A Emenda 95 explicitou a restrição orçamentária. O que precisa se definir agora é se o ajuste vai ser do lado do gasto, da receita ou uma cominação dessas medidas — argumenta Salto.

Quem também aponta para a urgência de um ajuste fiscal é o consultor legislativo do Senado Gilberto Guerzoni Filho, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele afirma que o debate é agravado por “uma grande armadilha”: o teto de gastos.

— Ele é inviável. Você não tem nenhuma força política que queria tornar o teto algo sustentável. A curto prazo, é um problema sério. Vai ser um pouco inevitável flexibilizar porque chega um ponto em que a pressão fica quase insuportável. O novo governo vai tentar segurar, mas, politicamente, não vai ser fácil — avalia.

O consultor acredita que a futura gestão deve enfrentar o problema do deficit em duas frentes — com medidas de curto e de longo prazos. A curto prazo, ele prevê uma investida do Poder Executivo em projetos que elevem a arrecadação.

— Você tem um problema bem sério: a despesa está crescendo, mas a receita não sobe há muito tempo. A questão do aumento de impostos vai aparecer com muita força. Dificilmente, você vai conseguir escapar disso. Politicamente, essa pauta é explosiva, venenosa. A gente chegou num topo, e não tem mais muito dinheiro para tirar da sociedade. Talvez um ou dois pontos do PIB (Produto Interno Bruto) para uma questão emergencial. Mas subir além disso é quase impossível — afirma Gilberto Guerzoni.

O consultor do Senado indica duas medidas de longo prazo que poderiam ajudar a controlar o deficit: as reformas previdenciária e tributária. Guerzoni avalia que há “um certo consenso técnico” em relação à primeira, principalmente no que se refere a uma nova idade mínima para as aposentadorias do Regime Geral. Para ele, a dificuldade é maior em relação à reforma tributária, sobre a qual “não há o menor consenso”. Entre as soluções possíveis, o consultor aponta a criação de um imposto de valor agregado e a unificação do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

— O grande problema é o plano federativo: como dividir os impostos. Ninguém quer perder. Em um contexto de redução da receita, é muito mais difícil você fazer uma reforma desse tipo. Isso ai vai ser um problema sério: mudar as posições relativas de cada ente. Aqui no Senado, especialmente, a questão tributária é bem sensível. Acho muito difícil obter hoje um mínimo de consenso sobre a reforma tributária — argumenta Gilberto Guerzoni.

Qualquer mudança no cenário fiscal vai depender de contínua negociação com o Congresso. Mas ainda não se sabe qual será o perfil do Senado e da Câmara que vão sair das urnas em outubro. O consultor acredita que o Parlamento “não vai mudar muito” em relação à composição atual. Para ele, há uma “tendência de fragmentação” das bancadas no Senado e na Câmara.

— Isso é bem ruim e sempre dificulta a relação com o Executivo. São mais partidos com quem negociar. Mesmo numa eleição tão dividida quanto a de agora, o presidente eleito, qualquer que seja ele, vai conseguir pelo menos no início formar uma maioria. A gente tem que ver se ele vai conseguir conquistar uma maioria para mudar a Constituição – analisa.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)