Debatedores criticam terceirização da atividade-fim e defendem Estatuto do Trabalho

Da Agência Senado | 10/04/2023, 14h12

O presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH), senador Paulo Paim (PT-RS), defendeu a revogação de leis que autorizam a terceirização da atividade-fim pelas empresas. O parlamentar é relator de uma sugestão legislativa (SUG 12/2018) que institui o novo Estatuto do Trabalho, tema debatido em audiência pública do colegiado nesta segunda-feira (10).

— Segundo o Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos] havia 1,8 milhão de terceirizados formais no Brasil em 1995, número que chegou a 4,1 milhões em 2005 e a 12,5 milhões em 2014. O mais grave de tudo é a terceirização da atividade-fim. Ela potencializa o trabalho escravo, a exploração da mão de obra e a precarização. Cabe a nós revogar isso. De cada dez trabalhadores resgatados em condição análoga à escravidão, nove são terceirizados — destacou Paim.

Se for aprovada na CDH, a SUG 12/2018 começa a tramitar como um projeto autônomo no Senado. A audiência pública contou com a presença de pesquisadores e representantes da Justiça do Trabalho e do Ministério Público.

Para o ministro Maurício Godinho Delgado, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), é preciso "limitar a terceirização". Segundo o magistrado, a terceirização da atividade-fim "é manifestamente inconstitucional".

— Não há outro caminho dentro do projeto constitucional. Não se poder ter uma posição radical e extremada no sentido de negar qualquer validade da terceirização. Isso já sabemos que não vai funcionar. Mas não vejo outro caminho senão termos uma flexibilidade para as atividades-meio. A retomada dessa diferenciação pelo Estatuto do Trabalho me parece um bom caminho. A posição da jurisprudência era absolutamente equilibrada, razoável, proporcional e de fácil entendimento. A jurisprudência estava consolidada — afirmou.

A professora de Sociologia do Trabalho Maria da Graça Druck de Faria, da Universidade Federal da Bahia, defendeu a aprovação do novo Estatuto do Trabalho e a revogação das leis 13.429 e 13.467, ambas de 2017. A primeira alterou a Lei do Trabalho Temporário (Lei 6.019, de 1974) e permitiu a terceirização da atividade-fim, enquanto a segunda promoveu uma reforma na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

— Elas legalizaram a precarização. Não há qualquer limite. Um dos elementos da política neoliberal é exatamente destroçar os limites protetores do estado social. A partir dos anos 1990, vivemos uma epidemia de terceirização. Os trabalhadores terceirizados são, sem duvida nenhuma, trabalhadores de segunda categoria. Por quê? Porque ganham menos, trabalham mais, são os mais instáveis, têm mais rotatividade e menos direitos, são os que mais se acidentam e morrem e são os que mais se encontram em situação de trabalho análogo ao escravo — afirmou.

O juiz Luiz Antonio Colussi, presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), concorda. Para ele, a precarização de direitos se acentuou com a mudança na Lei do Trabalho Temporário.

— O Estatuto do Trabalho tem a proposta grandiosa e audaciosa de recuperar aquilo que perdemos. É inadmissível que a livre iniciativa e a livre concorrência possam se sobrepor ao trabalho. O trabalho vem antes. Não se pode terceirizar a atividade-fim — argumentou.

A auditora-fiscal do Trabalho Beatriz Cardoso Montanhana, representante do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (Sinait), avalia que a terceirização “se espraiou muito após a liberação legal da terceirização na atividade fim”. Para ela, a mudança “comprometeu a realidade dos trabalhadores e sua relação com os empregadores”.

— Esse arcabouço realmente não é satisfatório porque atrapalha o livre fluxo não só das relações de trabalho, mas também do equilíbrio sócio econômico. O resultado é aumento do número de acidentes, diminuição de remuneração, dificuldade para o dimensionamento das Cipas (Comissões Internas de Prevenção de Acidentes) e para a organização sindical, além das condições análogos ao trabalho escravo — afirmou.

A procuradora do Trabalho Carolina Pereira Mercante classificou de retrocesso a reforma trabalhista de 2017.

— Tivemos a total desregulação da terceirização. Um sistema totalmente caótico, que é ineficiente para a proteção de direitos sociais e direitos humanos. Detectamos o aumento da jornada, a diminuição da remuneração, a fragmentação sindical e a dificuldade de responsabilização — salientou.

O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), disse que a terceirização remete às relações de trabalho no Brasil ao capitalismo mercantil dos séculos 15 e 16, quando "as pessoas eram contratadas por tempo e por entrega de serviços".

— O capitalismo reinventou isso a partir de uma forma de construção que deixa à margem dos direitos sociais os trabalhadores e suas famílias. Não adianta você pensar em reconstituir o passado. Você precisa proteger os indivíduos das consequências do futuro que está sendo criado. Esta incumbência só pode ser atribuída ao Estado — cobrou.

O presidente do Conselho Regional de Economia do Ceará, Igor Lucena, defendeu "sugestões e melhorias" na legislação sobre a terceirização no país. Mas disse ser contrário a "mudanças radicais".

— Há casos de empresas terceirizadas que negam direitos, que atrasam salários. Agora há, claro, um número considerável de empresas que prezam pelos direitos de seus funcionários. Os membros do Ministério Público do Trabalho fiscalizam e sabem a diferença do joio e do trigo. Mudanças extremamente radicais não contribuem com o desenvolvimento do nosso país. O trabalho das casas legislativas é propor sugestões e melhorias. Quando a gente fala em revogações, traz um sinal preocupante porque passa a impressão de que nosso país não tem regras claras, o que afasta o investimento e diminui o nível de emprego — afirmou.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)