PEC Emergencial prioriza contas em vez do cidadão, afirmam debatedores

Da Redação | 12/03/2020, 16h37

Os ajustes propostos pelo governo para reduzir a estrutura do serviço público brasileiro estão priorizando a dimensão fiscal em detrimento da social, contrariando a Constituição e obedecendo a uma lógica de mercado, em que o resultado financeiro se sobrepõe à proteção ao cidadão. O alerta foi feito no debate promovido pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), nesta quinta-feira (12), para analisar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 186/2019, conhecida como PEC Emergencial, parte do pacote de medidas para diminuir gastos governamentais.

— Os pobres vão se tornar miseráveis e os ricos vão se tornar milionários, é essa a nova lógica que vai ser trazida pelas PECs [do Plano Mais Brasil]. O fiscal prevalece sobre o social, e isso é danoso, contraditório e contrário à nossa Constituição – defendeu Ophir Cavalcante Junior, representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Outros participantes da audiência pública na CCJ frisaram que o governo nem sequer apresentou estudos que avaliam corretamente o impacto da redução dos serviços do Estado para a sociedade, especialmente os mais carentes e dependentes deles. Cortes de jornada e de salário de funcionários públicos devem afetar políticas para a primeira infância, funcionamentos de centros de assistência social, atendimentos para idosos, entre outros serviços. O choque, disseram especialistas, deve ser grande, especialmente em tempos de coronavírus e crise econômica, em que a cobertura de serviços deve ser ampliada.

A pressão para a diminuição dos gastos com servidores municipais também pode sobrecarregar os estados, responsáveis por grande parte das políticas públicas, lembrou Rodrigo Delgado, da Associação Nacional da Carreira de Desenvolvimento de Políticas Sociais (Andeps).

— Com a PEC, que diminui o tempo de trabalho, a gente coloca sobre os gestores municipais um peso enorme, uma pressão sobre prefeitos e secretários municipais que não vão acabar com a fila fechando o guichê — alertou Delgado.

Investimentos

Roseli Faria, presidente da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento (Assecor), lembrou que, mesmo com os cortes, não haverá elevação de investimentos públicos que permita a retomada do crescimento. Segundo ela, o governo estima um espaço fiscal de R$ 6 bilhões para aumentar o investimento, mas não está clara qual é a base para se chegar a esse número.

Na opinião de Roseli, a estimativa deve incluir cortes em categorias fundamentais como servidores da Receita Federal, Tesouro Nacional, fiscais e gestores da dívida pública ou até mesmo de servidores essenciais para execução dos investimentos em infraestrutura. Ou dos responsáveis pela execução dos convênios, que fazem o dinheiro de programas financiados pela União chegar aos municípios. Outro ponto relevante a ser observado, segundo ela, são mudanças sugeridas pela PEC que são passíveis de questionamento judicial.

— Há uma série de dispositivos que causam insegurança jurídica, alto risco de pagar passivos no futuro, verdadeiros esqueletos no armário — afirmou Roseli.

Constituição e Ciência

Roberto Carvalho, presidente da Associação dos Servidores do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pediu cautela nas alterações à Constituição, que, a seu ver, nunca deveria ser modificada em períodos de crise. O cientista defendeu os servidores públicos como agentes de Estado, não de governo, responsáveis pela oferta de serviços à população. E alertou para o perigo de manter a máquina pública funcionando, pois não adianta preservar professores e policiais sem a estrutura estatal que possibilita o seu trabalho.

Carvalho também pediu atenção ao corte de investimentos em áreas que podem não ser consideradas tão essenciais, como a própria Ciência e Tecnologia pois, sem ela, “o Brasil não será um país soberano”. Ele teme uma paralisia no sistema, com laboratórios se tornando obsoletos, pesquisas sem pessoal e redução de recursos para pagamento de bolsas para pesquisadores, o que gera fuga de cérebros. A falta de recursos afeta a saúde dos brasileiros, acrescentou.

— Sem investimento em Ciência e Tecnologia, vamos perder a capacidade de gerar diagnósticos, tratamentos e vacinas para o coronavírus — alertou.

Magistratura

Representantes do Poder Judiciário e do Ministério Público se mostraram preocupados com uma possível redução de independência financeira dos órgãos com a PEC 186/2019. Redução de salários, fim de adicionais, desvinculação dos tribunais superiores e da magistratura de primeiro e segundo grau podem levar à criação de “dois poderes judiciários distintos”, segundo Fernando Mendes, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). Ele sugeriu que o Supremo Tribunal Federal (STF) encabece uma nova Lei da Magistratura, em lugar de mudanças pontuais na Constituição.

Nesse sentido, Renata Gil, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), disse que as PECs vão promover um “constitucionalicídio” por não serem estruturantes mas pontuais, afetando cláusulas pétreas e tratando de temas análogos de formas diferentes. Ela questionou por que o governo não revê outras políticas antes de atacar os servidores.

— Não podemos pensar só do ponto de vista  das despesas, temos que pensar nos subsídios creditícios, nas isenções fiscais que o governo dá e que importam R$ 50 bilhões e isso não é discutido. Não estamos dizendo que é para acabar, são importantes para o pequeno empresário, mas temos que pensar se esse dinheiro todo que o Brasil deixa de recolher não seria mais importante do que ceifar o serviço público e o que é importante para a população — disse.

Relator

Após ouvir os 12 participantes da audiência pública, o relator da PEC 186/2019, senador Oriovisto Guimaraes (Podemos-PR), afirmou haver muita incompreensão sobre o conteúdo do texto. Para ele, a proposta inclui degraus a serem adotados pelos gestores antes da demissão, que já é permitida pela Constituição em determinados casos.

O senador lembrou que a medida não é obrigatória, são sugestões aos gestores públicos para contornar as crises, e não ferramentas para perseguir funcionários públicos.

— Não estou aqui para fazer maldade — frisou.

O senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR) defendeu o funcionalismo

— Não estou disposto e não farei qualquer tipo de voto que seja contrário ao serviço público do Brasil. Não posso tirar direitos adquiridos, não posso fazer retroagir para prejudicar quem está constitucionalmente legal — disse.

A reunião foi presidida pelo senador Paulo Paim (PT).

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)