Governo: mudança no IPI sobre matéria-prima de refrigerante corrige distorção

Anderson Vieira | 19/06/2018, 19h12

O subsecretário de Fiscalização da Receita Federal, Iágaro Jung Martins, afirmou nesta terça-feira (19) no Senado que o governo quer corrigir distorções tributárias com o Decreto 9.394/2018, que alterou a alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidente nos concentrados usados na fabricação de refrigerantes. A iniciativa do Executivo, que provocou reações negativas de parlamentares e empresários, foi discutida em audiência pública na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ),

No colegiado tramitam dois projetos de decreto legislativo (PDSs 57/201859/2018) - apresentados pelos senadores Vanessa Grazziotin (PCdoB/AM), Eduardo Braga (MDB/AM) e Omar Aziz (PSD-AM) - para sustar o texto do governo. Os parlamentares alegam que a mudança vai prejudicar as empresas instaladas na Zona Franca de Manaus (ZFM), que goza de proteção e incentivos constitucionais para o desenvolvimento sustentável da região.

Depois de explicar os cálculos feitos pelos técnicos do governo, Iágaro Martins disse que, após a edição do decreto, vai haver equilíbrio maior entre os concorrentes. Segundo ele, quem não consegue estruturar seus negócios para comprar na ZFM tem uma carga no refrigerante de 11,95%, contra 4,77% de quem adquire insumos na região.

— Com o decreto, a situação não é eliminada totalmente, mas é bastante atenuada, de forma que quem adquire insumo tenha carga de 10%, ou seja, ainda inferior aos 11,95%. Por isso, calibramos a alíquota para mantermos o benefício mínimo dos insumos de Manaus e o equilíbrio concorrencial para quem não compra lá — explicou.

Concorrência

A audiência colocou em lados opostos duas entidades do setor. Favorável ao decreto do governo, o presidente da Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil (Afrebras), Fernando Rodrigues de Bairros, alegou ser impossível para as pequenas empresas que estão fora de Manaus concorrerem com as grandes.

Na visão da Afrebras, as fábricas de concentrados no Amazonas eram usadas pelos grandes produtores de refrigerantes, como Coca-Cola e Ambev, para distribuir descontos na forma de compensação fiscal para suas filiais.

— Eu desafio qualquer um a empreender no mercado de bebidas, tamanha a discrepância tributária. Não podemos beneficiar somente algumas empresas. Como pode uma tramoia tributária ser tão perversa? Não tem outro setor da economia brasileira com tamanho problema. Temos que ter a coragem de mudar isso — disse.

Segundo ele, se a questão não for resolvida, serão protegidas duas grandes empresas que vão remeter o lucro para fora do país, enquanto dezenas de outras serão fechadas no Brasil inteiro.

Já o diretor-presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes (Abir), Alexandre Jobim, lembrou que, quando uma empresa de concentrados resolve se instalar em Manaus, toma a decisão com base numa política de Estado de desenvolvimento regional.

Para ele, os projetos de decreto legislativo em tramitação na CCJ têm o mérito de atacar uma violação ao pacto federativo e ao pacto do Estado feito com empresas que foram para o Pólo Industrial de Manaus a partir de benefícios concedidos.

— O setor de refrigerantes vem amargando queda de 7% ao ano. Estamos com capacidade ociosa de 35%. O Brasil tem a maior carga tributária da América Latina: 39% no total, sem considerar o decreto presidencial. Se levarmos em conta o decreto, vai chegar a 43% — reclamou.

Segurança Jurídica

Para o superintendente da Zona Franca de Manaus, Appio da Silva Tolentino, o principal problema é a ameaça à segurança jurídica causada por uma decisão repentina do governo, que, futuramente, pode fazer o mesmo com outros setores.

— Estamos isolados, distantes, com logística complicada, sem área para plantar, pois não podemos desmatar. O que não podemos concordar é que algumas medidas coloquem em risco, de forma tão clara, o modelo zona franca. É preciso uma rodada de estudos para reavaliar isso, mas sempre conversando tecnicamente — argumentou.

Nesta quarta-feira (20), o assunto voltará a ser discutido na CCJ, que tem reunião deliberativa marcada. Na pauta, estão os dois projetos apresentados pela bancada do Amazonas. O relator, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), já apresentou voto favorável à derrubada do decreto do governo.

Segundo Rocha, a despeito de reduzir as alíquotas do IPI, na realidade houve a extinção do incentivo fiscal concedido às empresas localizadas na ZFM, o que afeta todo o setor.

"Apesar de o próprio texto constitucional autorizar o Poder Executivo a alterar as alíquotas do IPI, isso deve ser feito observando o Princípio da Anterioridade Nonagesimal, que veda a cobrança do tributo antes de decorridos 90 dias da data em que tenha sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou", explicou Rocha no relatório.

Entenda a polêmica

* A discussão sobre a tributação do setor é antiga e teve um novo capítulo em maio, quando o presidente Michel Temer editou o Decreto 9.394/2018, reduzindo de 20% para 4% a alíquota de IPI incidente sobre o extrato concentrado para elaboração de refrigerantes.

* O problema é que os insumos (extratos concentrados) suportavam alíquota bem elevada (20%) em comparação ao produto final (4%), que é o refrigerante. Tal diferença gerava créditos na apuração do IPI pelas indústrias de refrigerantes.

* O governo alega tratar-se de uma anomalia o fato de a carga sobre os insumos ser maior do que a incidente sobre o produto final. Sem falar no fato de que a renúncia gera artificialismo indesejado na economia.

* Os representantes dos fabricantes regionais de refrigerante acusam os grandes produtores de usarem as fábricas de concentrados no Amazonas para distribuir descontos na forma de compensação fiscal nas diversas filiais pelo Brasil.

* Os parlamentares do Amazonas, por sua vez, sustentam que a Constituição impede que os contribuintes sejam surpreendidos com a cobrança imediata do aumento da carga tributária. Além disso, a Carta assegura o tratamento diferenciado para a Zona Franca de Manaus.

* Os senadores também alegam que a modificação das alíquotas acaba, na prática, com o incentivo fiscal garantido para a ZFM. Além disso, a modificação aumenta indireta e imediatamente a carga tributária das indústrias de refrigerantes, que terão reduzidos os créditos.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)